José
Afonso, o “Zeca” como era carinhosamente tratado, faleceu
há 30 anos. O autor de Grândola Vila Morena, Os Vampiros, e outras
tantas composições que, para além de perpetuarem o seu génio
artístico e histórico, continuam sempre actuais. Viveu em Coimbra
uma boa parte da sua vida numa casa, assinalada com placa de
azulejos, no Largo da Sé Velha.
Chegou-me há dias às
mãos um “aerogram”, com data de 14/10/1973, que fala dele. A
escassos seis meses da Revolução de Abril achei interessante a
cultura política deste exilado, sobretudo a informação de quem
estava fora do país, na Dinamarca, mas que sabia o que se passava cá
dentro. Vou transcrever este documento:
“14/10/73
Helisvaengzt
Fruens Boge
DANMARK
“Caro Gil
Então como é que
vai essa merda por aí? Tudo porreiro? Já começaste a trepar as
Monumentais (Escadas) todos os dias? E quanto às
eleições? Eu ando informado através da “República” (jornal já
desaparecido), que chega aqui à malta portuguesa, que isso aí está
mesmo mau. Bem, tu depois me dirás qualquer coisa. Eu já tenho a
tua morada, por isso te escrevo directamente para tua casa.
Tu como és um gajo
porreiro em certos aspectos, por isso conto contigo para que me
possas informar do que vai acontecendo aí em baixo. Panfletos e
merdas semelhantes que sejam difundidos aí por baixo conto contigo
para que mos envies. Só terás a acrescentar a despesa que fizeste e
eu mando-te a guita. Livros, revistas e coisas de interesse conto
também contigo para me trazeres informado. Eu já fiz o mesmo pedido
ao Paulo, não bem o mesmo, mas quase. Para já envio-te a minha
direcção para que possa ter notícias tuas. Aí vai:
Alberto Pinto
Heliosvaengzt, 36 II
5.250 Fruens Boge
DANMARK
Passas esta
direcção ao Paulo e somente a quem tenha necessidade dela, ok? Se
quiseres vir até cá numas férias era bem melhor. Isto aqui é
bestial, em todos os aspectos a não ser que agora a temperatura anda
pelos 4 graus de dia. A malta aqui está bestial. Temos um
apartamento cada um, todo mobilado com tudo o que é necessário.
Temos dinheiro que dá para viver, para estoirar e juntar para
qualquer merda. Eu recebi 2.000$00 (10 euros hoje) para
roupas quando aqui cheguei (Odense), depois de ter o asilo. E vão-me
dar mais 1.000 e tal escudos, isto é, 300 Coroas para comprar mais
roupa.
Enfim, gosto...
Eu gramava cá ter
umas gravações do Zeca Afonso e por isso ponho a hipótese de tu me
poderes arranjar quem mas grave, isto é, o serviço ou outro gajo
qualquer. Queria que elas fossem gravadas em estereo, se possível.
Para já ainda nada. Espero primeiro por uma carta tua em que tu
dirás as possibilidades que tens para isso. Dinheiro não é
problema, pois eu envio-to logo de seguida em coroas e tu troca-lo e
ficas com o resto para selos e para ires mandando umas quantas
notícias.
Fico à espera de
carta tua e do Paulo, ok? Pergunta ao Paulo se ele não quer vir cá
passar as férias do Natal?
Temos possibilidade
de dar alojamento, a ti ou ao Paulo ou a um gajo amigo, se ele quiser
vir por aí.
Bem pá, por hoje é
tudo. Felicidades para ti e cumprimentos ao teu mano e à malta.
Farvel = Adeus.
Estou sempre ao dispor.
Alberto Pinto”
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