Fernando
Meireles, instrumentista, estudioso da música tradicional
portuguesa, e construtor de tudo o que repercuta som musical, desde a
sanfona, viola, guitarra, cavaquinho, concertina , está em vias
de deixar Coimbra e rumar a Terras de Vera Cruz, juntamente com o seu habilidoso
herdeiro Fernandito, um anjo supertalentoso a tocar violino. Meireles foi convidado pela organização da
Tapera das Artes, uma instituição brasileira dedicada a projectos
sociais onde a música e as artes no seu todo são a torre campanária para unir o social, com sede em Aquirás,
em Fortaleza, no Brasil.
O que quero dizer com
esta introdução é que a cidade, em procedimento que já nos
habituou, continua a assobiar para o lado, num deixa-correr cego e atrofiante, a não cuidar dos obreiros
que podem levar à transformação e a desperdiçar vocações que outros aproveitam.
Já
escrevi tantos textos sobre este assunto que acabo a auto-citar-me, há cidades que não merecem os artífices que têm. Sem explicação
racional, como a parecer que pelo seu intenso brilho imanente
projectam uma sombra sobre os medíocres, são ostracizados e, por
maior talento e riqueza que possam espalhar para desenvolver o meio
em que estão inseridos, são abandonados à sua sorte. E chutados para canto.
Coimbra, a outrora
denominada capital da cultura, é sem dúvida qualquer um destes
burgos. A Lusa Atenas detém no seu seio um dos maiores e afamados
construtores de instrumentos, desde a guitarra portuguesa, ao
bandolim, à concertina, ao cavaquinho, à viola toeira e até à
recuperação e recriação da sanfona, um aparelho medieval que
estava esquecido e poucos exemplares haveria entre nós para memória
futura. O Fernando Meireles, artesão, investigador, músico de
talento indiscutível, membro do grupo “Os Realejo”, e que
já tocou com Júlio Pereira, Pedro Caldeira Cabral, Amadeu
Magalhães, é um exemplo vivo de que a cidade que o alberga não o
merece. Quando o seu “know how”, o seu saber fazer,
deveria estar ao serviço da comunidade, na Baixa, num prédio
camarário, e a ser aproveitado como professor de construção de
instrumentos de artes e ofícios, o que se constata é o oposto, está
a trabalhar numa sala esquecida da Associação Académica de
Coimbra.
O
Fernando, em confidência, vai-me dizendo: “ó pá estou
dividido, meio baralhado. Por um lado, pelo Fernandito, o meu filho,
para que ele chegue ao topo, é bom que eu deixe Coimbra e
rume além-atlântico e vá para o outro lado do mar, mas
sabes?!, esta é a minha terra, tenho casa, tenho aqui os meus amigos
– e o puto também. Não sei o que faça. Por um lado, o convite
para a internacionalização do Fernandito é tentador, por outro,
aqui, em Coimbra, por parte das entidades públicas, ninguém me
liga. Conheces-me bem, sabes que não estou a dizer isto por
necessidade de pedinchar seja o que for, e tens conhecimento de que,
porque tenho bons preços, trabalho não me falta, mas, confesso,
gostava de ter a possibilidade de ter um espaço aqui na Baixa e
ensinar. É um sonho, não é a primeira vez que te falo nisto.”
Para
não dizer uma pena, é triste verificar que, por falta de visão
holística, do todo, os políticos que exercem o poder local percam
uma boa oportunidade de serem úteis e neguem o conhecimento aos
vindouros.
Vale a pena pensar nisto?
1 comentário:
Não entendo. E quem lhe daria o tal espaço na Baixa? Não é o único músico com talento a querer ensinar e ganhar a vida, em Coimbra, acho eu.
Enviar um comentário