sábado, 11 de fevereiro de 2017

SANTOS DA CASA...





Fernando Meireles, instrumentista, estudioso da música tradicional portuguesa, e construtor de tudo o que repercuta som musical, desde a sanfona, viola, guitarra, cavaquinho, concertina , está em vias de deixar Coimbra e rumar a Terras de Vera Cruz, juntamente com o seu habilidoso herdeiro Fernandito, um anjo supertalentoso a tocar violino. Meireles foi convidado pela organização da Tapera das Artes, uma instituição brasileira dedicada a projectos sociais onde a música e as artes no seu todo são a torre campanária para unir o social, com sede em Aquirás, em Fortaleza, no Brasil.
O que quero dizer com esta introdução é que a cidade, em procedimento que já nos habituou, continua a assobiar para o lado, num deixa-correr cego e atrofiante, a não cuidar dos obreiros que podem levar à transformação e a desperdiçar vocações que outros aproveitam.
Já escrevi tantos textos sobre este assunto que acabo a auto-citar-me, há cidades que não merecem os artífices que têm. Sem explicação racional, como a parecer que pelo seu intenso brilho imanente projectam uma sombra sobre os medíocres, são ostracizados e, por maior talento e riqueza que possam espalhar para desenvolver o meio em que estão inseridos, são abandonados à sua sorte. E chutados para canto.
Coimbra, a outrora denominada capital da cultura, é sem dúvida qualquer um destes burgos. A Lusa Atenas detém no seu seio um dos maiores e afamados construtores de instrumentos, desde a guitarra portuguesa, ao bandolim, à concertina, ao cavaquinho, à viola toeira e até à recuperação e recriação da sanfona, um aparelho medieval que estava esquecido e poucos exemplares haveria entre nós para memória futura. O Fernando Meireles, artesão, investigador, músico de talento indiscutível, membro do grupo “Os Realejo”, e que já tocou com Júlio Pereira, Pedro Caldeira Cabral, Amadeu Magalhães, é um exemplo vivo de que a cidade que o alberga não o merece. Quando o seu “know how”, o seu saber fazer, deveria estar ao serviço da comunidade, na Baixa, num prédio camarário, e a ser aproveitado como professor de construção de instrumentos de artes e ofícios, o que se constata é o oposto, está a trabalhar numa sala esquecida da Associação Académica de Coimbra.
O Fernando, em confidência, vai-me dizendo: “ó pá estou dividido, meio baralhado. Por um lado, pelo Fernandito, o meu filho, para que ele chegue ao topo, é bom que eu deixe Coimbra e rume além-atlântico e vá para o outro lado do mar, mas sabes?!, esta é a minha terra, tenho casa, tenho aqui os meus amigos – e o puto também. Não sei o que faça. Por um lado, o convite para a internacionalização do Fernandito é tentador, por outro, aqui, em Coimbra, por parte das entidades públicas, ninguém me liga. Conheces-me bem, sabes que não estou a dizer isto por necessidade de pedinchar seja o que for, e tens conhecimento de que, porque tenho bons preços, trabalho não me falta, mas, confesso, gostava de ter a possibilidade de ter um espaço aqui na Baixa e ensinar. É um sonho, não é a primeira vez que te falo nisto.”
Para não dizer uma pena, é triste verificar que, por falta de visão holística, do todo, os políticos que exercem o poder local percam uma boa oportunidade de serem úteis e neguem o conhecimento aos vindouros.
Vale a pena pensar nisto?

1 comentário:

Anónimo disse...

Não entendo. E quem lhe daria o tal espaço na Baixa? Não é o único músico com talento a querer ensinar e ganhar a vida, em Coimbra, acho eu.