quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

MORREU HOJE O “ESQUINA DE SANTA CRUZ”





Sem pompa, sem glória, mas com circunstância, morreu hoje o “Esquina de Santa Cruz”. Não fosse o anúncio do seu obituário colado na porta e nem se daria pelo seu perecimento. No comunicado não se fala da causa da sua morte mas adivinha-se: foram os Salgados. Sabe-se bem que demasiada ingestão provoca um desmesurado aumento de colesterol. Mais que certo e entre outros desvios, teria sido o erro fatal.
Não consta que a bandeira da Nacionalidade, ali mesmo ao lado, desça a meia-haste nem o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o condecore a título póstumo.
Por parte do público, estranha-se esta indiferença, ou talvez não. No fundo entende-se esta apatia. Por um lado, acontece assim com todos os que caem em desgraça. Vivemos numa sociedade que apenas admite o sucesso. Não há lugar nem memória para os que morrem em combate. Por outro, nas últimas décadas, pelos tantos enterros ocorridos nesta parte da cidade, passou a ter-se o mesmo comportamento que qualquer habitante de Alepo, na Síria. A morte, pela companhia diária, passou a ser o ar que se respira. Já nada toca os nossos sentidos. É certo que de vez em quando lá se ouve um clamor: “morreu? Morreu quando? Há tantos anos que não venho à Baixa! Ai que pena?!? Faz tanta falta!
É apenas mais um de nós que se apaga. Depois de um tempo curto em câmara ardente, um dia destes, pela dinâmica da vida, outro qualquer irá ocupar o seu lugar. E quando isso acontecer já ninguém o lembrará, a não ser os mais chegados, aqueles que com ele, encostados ao balcão ou sentados numa mesa, choraram, exultaram de alegria, ou repeliram a sua forma dura de aumentar ou encurtar a esperança. Quando era considerado uma instituição de desenvolvimento, há muitas décadas que este tempo ultra-liberal apagou, pela sua alguma boa-vontade -não que fosse exageradamente generoso-, emprestou dinheiro para que muitos abrissem negócios e fez felizes muitos conimbricenses.
Durante muito mais de meio-século foi um marco presente em toda a Baixa da cidade. Teve muitos funcionários. Lembro apenas alguns: o Cravo, o Abel, o Fonseca, o Artur, o Mário, o Tó Vaz, o Guiné, o Luís, o “Licas”, o Juvenal, o Teixeira e outros que a minha memória não acusa. O Silvano, que recordo tão bem como se fosse ontem pelas tantas vezes que lá fui bater para tentar convencê-lo a emprestar-me uma quantia que me permitisse levantar vôo, era o seu gerente no princípio da década de 1980. Era a época em que a palavra dada valia mais do que o dinheiro. Tive lá desaires e esperanças renovadas no meu começo de vida empresarial. Nessa altura era conhecido por Banco Espírito Santo & Comercial de Lisboa. Depois, com a invasão das máquinas Multibanco, tornou-se mais frio e impessoal e passou a BES. Nos últimos dois anos, por questões estratégicas de economia, passou a Novo Banco e com este nome se extingue esta dependência bancária. Paz à sua virtual alma -considerando que as coisas são extensões de nós e quando desaparecem carregam consigo uma parte do nosso espírito.
Por isto tudo, que me toca o respeito e a saudade, uma memorável grande salva de palmas.

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