Sem
pompa, sem glória, mas com circunstância, morreu hoje o “Esquina
de Santa Cruz”. Não fosse o anúncio do seu obituário colado
na porta e nem se daria pelo seu perecimento. No comunicado não se
fala da causa da sua morte mas adivinha-se: foram os Salgados.
Sabe-se bem que demasiada ingestão provoca um desmesurado aumento de
colesterol. Mais que certo e entre outros desvios, teria sido o erro
fatal.
Não
consta que a bandeira da Nacionalidade, ali mesmo ao lado, desça a
meia-haste nem o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o
condecore a título póstumo.
Por
parte do público, estranha-se esta indiferença, ou talvez não. No
fundo entende-se esta apatia. Por um lado, acontece assim com todos
os que caem em desgraça. Vivemos numa sociedade que apenas admite o
sucesso. Não há lugar nem memória para os que morrem em combate.
Por outro, nas últimas décadas, pelos tantos enterros ocorridos
nesta parte da cidade, passou a ter-se o mesmo comportamento que
qualquer habitante de Alepo, na Síria. A morte, pela companhia
diária, passou a ser o ar que se respira. Já nada toca os nossos
sentidos. É certo que de vez em quando lá se ouve um clamor:
“morreu? Morreu quando? Há tantos anos que não venho à Baixa!
Ai que pena?!? Faz tanta falta!”
É
apenas mais um de nós que se apaga. Depois de um tempo curto em
câmara ardente, um dia destes, pela dinâmica da vida, outro
qualquer irá ocupar o seu lugar. E quando isso acontecer já ninguém
o lembrará, a não ser os mais chegados, aqueles que com ele,
encostados ao balcão ou sentados numa mesa, choraram, exultaram de
alegria, ou repeliram a sua forma dura de aumentar ou encurtar a
esperança. Quando era considerado uma instituição de
desenvolvimento, há muitas décadas que este tempo ultra-liberal
apagou, pela sua alguma boa-vontade -não que fosse exageradamente
generoso-, emprestou dinheiro para que muitos abrissem negócios e
fez felizes muitos conimbricenses.
Durante
muito mais de meio-século foi um marco presente em toda a Baixa da
cidade. Teve muitos funcionários. Lembro apenas alguns: o Cravo, o
Abel, o Fonseca, o Artur, o Mário, o Tó Vaz, o Guiné, o Luís, o “Licas”,
o Juvenal, o Teixeira e outros que a minha memória não acusa. O
Silvano, que
recordo tão bem como se fosse ontem pelas tantas vezes que lá fui
bater para tentar convencê-lo a emprestar-me uma quantia que me permitisse levantar vôo, era o seu gerente no princípio da década de 1980. Era a época em que a palavra dada valia mais do que o dinheiro. Tive lá
desaires e esperanças renovadas no meu começo de vida empresarial.
Nessa altura era conhecido por Banco Espírito Santo & Comercial de Lisboa. Depois, com a invasão das máquinas
Multibanco, tornou-se mais frio e impessoal e passou a BES. Nos
últimos dois anos, por questões estratégicas de economia, passou a
Novo Banco e com este nome se extingue esta dependência bancária.
Paz à sua virtual alma -considerando que as coisas são extensões
de nós e quando desaparecem carregam consigo uma parte do nosso
espírito.
Por
isto tudo, que me toca o respeito e a saudade, uma memorável grande
salva de palmas.
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