quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

EDITORIAL: UM MOEDA DE VINTE CÊNTIMOS MARCA TODA A DIFERENÇA




Acabei de ouvir uma entrevista na “Página da Câmara Municipal de Coimbra (Página não Oficial)”, no Facebook, concedida por Vitor Marques, presidente da APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, ao programa “Cor do Som”, do Clube de Comunicação Social de Coimbra. Repeti três vezes para ver se modificava a primeira avaliação negativa que inferi na primeira audição.
Começando pelo entrevistador, Braga da Cruz, é lamentável que teça comentários sobre insegurança na Baixa da cidade ocorridos há cerca de uma década como se tivessem acontecido esta semana. O problema é que esta mentira, como cassete repetida até à exaustão, acaba por se transformar em verdade. É bom que o Clube de Comunicação Social de Coimbra tenha consciência de que, passando o programa “Cor do Som” em várias rádios regionais, e sendo um órgão de comunicação social, para além de estar obrigado a ser rigoroso, está a ajudar a formar opinião -neste caso, obviamente, pouco positiva.
Quanto ao entrevistado Vitor Marques, enquanto presidente da APBC, gostava de ter ouvido apresentar ideias novas para a zona histórica. O que apreendi foram propostas já criadas na vigência de Armindo Gaspar, ex-presidente da APBC no tempo de 2004 até finais de 2013. Gostava também de ter ouvido da sua boca um elogio a este ex-comerciante que, mesmo com críticas que fiz durante os seus mandatos, muito deu do seu tempo à agência. Pelo contrário o que entendi na entrevista foi que o nome de Armindo Gaspar foi associado à insegurança que se viveu em 2007-2008 -atribuindo-se-lhe uma conotação negativa.
Já assisti a vários eventos em que esteve presente Vitor Marques -cujas minhas opiniões são sobre o seu desempenho estatutário e jamais pessoais- e fico sempre com o mesmo sentimento de que o presidente da APBC é demasiado político e pouco defensor dos comerciantes. Isto é, nunca lhe vi uma palavra de revolta contra uma afirmação ou medida que prejudique o comércio tradicional, ou a cidade, quer seja provinda da administração pública camarária, quer de outra qualquer entidade. Gostava de ver mais emoção e menos racionalidade, auto-controlo psicológico casuístico.
A meu ver -saliento que não tenho grande experiência-, um líder de uma entidade associativa, pelo respeito aos seus associados que prometeu defender quando tomou posse, tem obrigação de ser sempre anti-poder. Não quero dizer que deva ser o “cão que morde a mão que lhe estende o pão”. Nada disso. O que defendo é que as posições devem ser institucionalmente antagónicas. Fazendo eco dos queixumes da classe, um reivindica, o administrado, e outro, o administrador que representa o poder instituído, apresenta um plano para ser negociado. Quando se verifica uma absoluta concordância de posições simétricas entre ambos, administrador e administrado, sem um imanente conflito existencial, só poderemos concluir que o resultado não pode ser nunca positivo para o último.

MAS, O QUE É QUE SE PASSA COM A BAIXA?

A Câmara Municipal de Coimbra, enquanto organização de poder, está para os comerciantes como o Estado está para os cidadãos. Este último, o Estado, primeiro faz uma política de empobrecimento, de confisco, e empurra os seus contribuintes para a miséria. Depois, perante suicídios em massa, quando a desgraça toma proporções internacionais de escândalo, vem com políticas paternalistas e distribui milhões pelas IPSS's, Instituições Particulares de Solidariedade Social, para acudir à catástrofe social em perspectiva.
No caso da Câmara Municipal de Coimbra, através dos seus executivos, fez a mesma coisa. Primeiro, com a falta de políticas urbanísticas e outras de licenciamento comercial, destruiu o coração do seu comércio tradicional, a Baixa, que era a identidade da cidade e o centro da zona centro. Depois, levando a máxima do Império Romano do entretenimento, de que o circo gera ilusão, desvia a atenção e cura todas as maleitas da alma, aproveitando a criação da APBC, em 2004, pela defunta ACIC, Associação Comercial e Industrial de Coimbra, que foi enterrada em campa rasa e sem direito a epitáfio, distribui flores ao povo, festas e festinhas. Escusado será dizer que estas festividades, para além de serem uma guloseima para alguma hotelaria, não acrescentam quaisquer mais-valias ao comércio de rua. Estas festanças, cujo sucesso está sempre garantido pelos realizadores, não passam de ansiolíticos para quem se sente ansioso e mais depressivo. O público, que vem apenas para bailar no dia, gosta muito e até se manifesta contra quem pensa o contrário; os organizadores, porque lhes interessa também o êxito -aliás, sobrevivem à custa disso mesmo- exultam; e o povo, pacóvio como sempre, não ligando nem ao começo de arrasamento nem ao final de lágrima de crocodilo, não faz contas aos milhões que se gastam anualmente para tentar remediar uma solução que, pela falta de bom-senso, não tem conserto.
Sem remissão unicamente para a política partidária, já que obedeceu a outros factores sociais, poderíamos dizer que o início do desastre da Baixa teve início em 1989 com a eleição do socialista Manuel Machado para a presidência da Câmara Municipal de Coimbra, e actual líder da autarquia, que começou por licenciar as grandes superfícies, Makro e Continente e deixou na forja o Fórum Coimbra e o Dolce Vita. Em 2001, sucedeu-lhe Carlos Encarnação, do PSD, que lhe viria a seguir as pisadas no licenciamento, em barda, de mais ainda grandes áreas comerciais e provocando a saturação da oferta.
De 2001 a 2013 -ano em que Machado viria a novamente a recuperar o trono- foram anos perdidos para a zona histórica e de política para esquecer. A Baixa foi emagrecendo e ficando cada vez mais débil e irreconhecível. Também devido à política económica dos sucessivos governos nacionais, as grandes empresas comerciais encerraram umas atrás das outras nesta zona. O que resta hoje é um comércio em coma em que, por mais que se faça para o reanimar, já nada resulta. O negócio de rua, na generalidade, navega no desespero. Em contraposição, as grandes áreas, com promoções de matar toda a concorrência, nunca esteve tão bem.
É preciso esclarecer que o rácio de percentagem entre os dois universos de compradores, entre shopping's e lojas de rua, provavelmente, andará por volta dos 10 por cento para estes últimos. A ser assim, que não sei se será mesmo, em cada 100 presumíveis compradores, só dez adquirem os seus produtos no comércio tradicional. Culpar os comerciantes deste facto com acusações gerais, como o de não se terem adaptado aos novos tempos, de que na Baixa não há lojas de marcas conceituadas, de que os lojistas não detêm nas suas lojas variedade suficiente de oferta como nas grandes superfícies, não mudam os horários de abertura e fecho, etc, é pura demagogia. Pretender um resultado assim, é o mesmo que desviar o leito de um grande rio e depois, num positivismo cego, exigir que os até aí pescadores mantenham o mesmo grau de produtividade. Claro que, perante estas acusações dos consumidores, a classe política decisora e causadora deste genocídio profissional, bate palmas e forma coro. Seguindo a cartilha partidária, dá-lhes muito jeito desviar as atenções e criar a ilusão de que a culpa mora ao lado. A Baixa está com um nó górdio. Mas, reivindicar o quê? O comércio terá futuro? Quo Vadis comércio tradicional?

AFINAL, O QUE É QUE FALTA?

Repetindo o mesmo princípio expresso em cima, a Câmara Municipal de Coimbra (CMC), ao longo dos últimos vinte e cinco anos, por um lado, com a mão direita, tratou de gradualmente empobrecer os lojistas, comerciantes e hoteleiros, por outro, como escrevi, com a outra esquerda, foi-lhe dando farra para esquecerem que estão a morrer em conta-gotas. Por outro lado ainda, e como se considerasse que esta classe ainda conserva muita riqueza, vai carregando nas taxas (como exemplo no despudorado aumento de espaço público com esplanadas) e cobrando qualquer serviço mesmo que seja público e de absoluta necessidade. O mais gritante, por ser um profundo desrespeito para o cidadão que nos visita e o transeunte local, foi, a partir deste Outubro, último, as sentinas, vulgo casas-de-banho públicas, passarem a ser pagas pela sua utilização. O custo é de 20 cêntimos por pessoa. Faz sentido uma câmara municipal cobrar esta importância numa zona turística onde praticamente só existe uma única instalação para realizar as necessidades fisiológicas? Se calhar, para poucos fará. Alguém admitiria um pagamento idêntico numa grande superfície? Esta medida representa, ou não, a pouca importância que é dada a esta zona histórica?
Perante uma cobrança destas só se pode comungar que o executivo da autarquia terá várias intenções em mente. Pretenderá, por um lado, despachar os necessitados para os cafés, por outro, para os mais pobres -cujos 20 cêntimos para quem nada tem é uma fortuna- quer empurrá-los para que defequem ou mijem em qualquer canto. Só uma questão: a limpeza de uma cidade não constitui um bem maior? Nestes dois meses, Outubro e Novembro, tendo em conta a numeração das senhas, a CMC arrecadou cerca de 500 euros. Esta verba irrisória vale a porcaria que vai ser criada nas ruas da Baixa?
Ninguém, destas cabeças iluminadas, se lembrou que estamos perante uma profunda discriminação social.
O caso do estacionamento público é a mesma coisa. A edilidade só se preocupa em cobrar. Com as obras felizes do Terreiro da Erva acabou de vez com o último estacionamento gratuito que por cá havia. Fez alguma coisa, ou foi-lhe reivindicado pela APBC que fizesse, para ressarcir o comércio deste espaço agora desaparecido? Nada. A edilidade não quer saber se a falta de gratuitidade faz falta, ou não, ao desenvolvimento comercial. Em abstracto, se a CMC fosse uma entidade de boa-fé o que deveria fazer para minorar os problemas? Não cobrar estacionamento público nas duas primeiras horas, entre as 9 e as 11h00, e aos Sábados durante todo o dia. Mas, por acaso, a APBC reivindica uma medida destas? Isto não! Pelo contrário, a teimar numa prerrogativa que não funciona e já vem do tempo de Armindo Gaspar, defende que, dando senhas aos seus clientes, sejam os comerciantes a pagar o estacionamento em parques privados. Olaré!

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