segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

EDITORIAL: O NATAL E O COMÉRCIO TRADICIONAL






Hoje a Lusa, Agência de Notícias de Portugal, S.A., na pessoa do jornalista João Gaspar, andou pela Baixa da cidade a recolher depoimentos de vários comerciantes sobre a “anunciada” crise que se abateu sobre as vendas no comércio tradicional nesta quadra de Natal.
Naturalmente que, por desconhecimento, não me vou debruçar sobre o que foi dito pelos lojistas -vamos aguardar até amanhã para saber. O que sei é que, pelo que converso com colegas, este ano de vendas e mais concretamente nesta época, está-se a verificar uma situação nunca vista -provavelmente pior do que aconteceu no período entre 2012 e 2013. Estamos a regredir.
Numa curta análise, sem grande rigor, vou perorar sobre o que está acontecer. Tendo em conta as notícias económicas recentes, de certa maneira, não deverá ser uma completa surpresa. Ou seja, perante os últimos dados do INE, Instituto Nacional de Estatística, do mês passado que, face ao trimestre anterior, o PIB, Produto Interno Bruto, cresceu 0,8% no terceiro trimestre deste ano. Em comparação com o período homólogo de 2015, a riqueza produzida no país cresceu 1,6. Afirmou ainda o INE que uma das razões é o aumento das exportações -em detrimento das importações. “O consumo privado também deu uma ‘perninha’, mas em menor dimensão, graças a um aumento das compras de bens não duradouros e serviços, enquanto que a venda de bens duradouros desacelerou, o que ajuda a manter as importações a crescer menos que as exportações neste período”. Por conseguinte, perante o anunciado, é fácil de constatar que aumentou o consumo dos bens não duradouros (que são destruídos após a utilização, como o pão, a comida e as bebidas) e diminuiu o consumo dos duradouros, como exemplo, electrodomésticos e automóveis e, embora não se faça a divisão, pressupõem-se, que neste grupo estão incluídos os semi-duradouros, como calçado e roupas.
Claro que poderemos aventar que esta retracção no consumo dos bens duradouros e semi-duradouros, por si só, não afecta somente o retalho no comércio de rua mas também a economia de grande escala, como as grandes superfícies. É verdade. Mas o que estamos assistir nos últimos dois meses nas grandes áreas comerciais? Uma agressividade brutal em descontos directos na venda de milhares de produtos. Basta lembrar o “Black Friday”.
Se é certo que a pequena loja de rua, em face das poucas vendas e para realizar caixa, lhe segue as pisadas, com descontos directos de 50 por cento, é também facto que estamos perante uma ofensiva de destruição massiva do pequeno comércio. Isto é, se os comerciantes, por necessidade emergente, optam por vender sem lucro somente para realizar dinheiro para fazer frente aos custos fixos e compromissos assumidos perante fornecedores está de ver que o futuro, que é já no Ano Novo, de aqui a poucos dias, vai ser uma tragédia.
Mas há outras premissas a considerar para as poucas vendas de artigos tradicionais oferecidos nesta fase do ano.

MUDANÇA DE COSTUMES

Desde há cerca de uma década que se verifica uma menor representatividade do mês de dezembro no total de vendas do ano. Se nessa altura, há cerca de dez anos, já só se sentia o espírito de Natal nas vendas na última quinzena, nos anos mais recentes foi diminuindo, diminuindo, até só ficar pelos três últimos dias, como foi o caso do ano passado. E a este comportamento do consumidor não serão alheios dois factores: o fraco rendimento disponível das famílias e a mudança de costumes.
Tenho para mim que apesar da reposição de subsídios deste Governo em alguns cortes realizados pelo executivo PSD-CDS de Portas e Passos Coelho estas alterações foram mais psicológicas que reais. No concreto não teriam tido qualquer efeito prático na economia. A ter tido, e fazendo fé no estudo do INE, teria sido repercutido numa melhor alimentação das famílias portuguesas. Continuamos sem grande margem para grandes compras que possam alavancar o comércio interno. A pergunta que se poderá fazer é quem vai dar trabalho aos milhares de desempregados que, a ser certo, se adivinha no desemprego no comércio. Que já não diz respeito apenas a funcionários mas também a empresários que, diariamente, passam para a barra dos necessitados -processo em curso que nunca, como até agora, se assistiu em tão grande número. É o anátema do vencido.
Por outro lado, há uma evidente mudança de costumes da população portuguesa. Se os mais idosos ainda continuam a frequentar a loja física e a oferecer nesta quadra roupas, sapatos e artigos decorativos aos mesmos pares, como quem diz aos mais velhos, já nas oferendas destinadas aos mais novos, filhos e netos, mudaram para artigos das novas tecnologias.
Há ainda outro pormenor não menos importante neste cliente clássico: para além de querer originalidade no que dá, quer gastar meia-dúzia de euros. E esta queda do orçamento nas compras está a ser fatal para o comércio em geral. Estamos a assistir ao funeral, ao folclore e à indiferença.
Quanto aos mais novos a adquirem prendas para os mais velhos, para além de, igualmente, procurarem obsessivamente algo pouco visto e que custe pouco, provavelmente, uma maioria opta pelo comércio online -a meu ver, esta é a verdadeira ameaça que surge do éter e que, naturalmente, vai arrumar também a grande superfície. São os tempos que vivemos.
A contribuir para uma procura rarefeita, penso, também contribui muito a oferta desmesurada em todos os géneros. Os bens de consumo, comparando com outros tempos, pelo embaratecimento, fácil aquisição e emergência a grande velocidade de novos produtos, perderam o desejo de obtenção num cliente cada vez mais exigente e que, como criança que tudo tem, fácil e rapidamente se enfastia da novidade. Estamos na era do descartável. Entrámos num movimento contínuo de desvalorização das coisas. Esta overdose de oferta, como se adivinha, não vai trazer nada de bom para o comércio. A marcha lenta continua. Vá-se lá perceber a Economia Nacional!?! Mas os economistas terão mesmo explicação para o que está a acontecer?

O QUE É QUE PASSOU DE MODA?

Volto a repetir a falta de rigor desta informação, estou em crer que neste Natal, comparando com anos anteriores, poucos livros em papel serão colocados no sapatinho; perfumes idem aspas; roupas; calçado; brinquedos; objectos em ouro, prata e jóias. Não haverá qualquer dúvida de que a prenda tradicional comprada nesta altura do ano passou de moda. No caso do ouro perdeu completamente a atracção que lhe dava vida. Devido aos aumentos abruptos ocorridos há cerca de cinco anos e que levou muitos portugueses a desfazerem-se deste metal precioso por necessidade por meia dúzia de patacos -quando julgavam ser um pé-de-meia seguro-, mostrou uma realidade de ilusão nunca até aí constatada. Por outro lado, pela insegurança que se vive, o ouro passou a ser unicamente uma amante de luxo para quem pode.
E ainda, já só os mais velhos continuam a fazer a representação do presépio nas casas portuguesas. É como se a magia do Natal se tivesse esgotado, houvesse um endurecimento no homem, perdendo a capacidade de sonhar, se tornasse mais pragmático e menos nefelibata (que se esquiva da realidade e anda nas nuvens), e em seu lugar tivesse implantado uma nova filosofia.

1 comentário:

Anónimo disse...

Senhor Luis Fernandes, alguma coisa aqui não bate certo, porque efectivamente o consumo está a subir, coisa natural, pois muitos rendimentos perdidos foram repostos, como se sabe. A Baixa de Coimbra tem problemas específicos, e não serve de barómetro para os índices de consumo do país, e mesmo da nossa cidade. Se for perguntar nos centros comerciais, onde agora as pessoas escolhem comprar, a opinião dos comerciantes já será diferente. Também ao que dizem as estatísticas, as insolvências estão a descer. Mais uma vez, não se pode tomar a Baixa de Coimbra pelo todo e mesmo na Baixa, deve diferenciar-se a “baixinha” do canal Ferreira Borges-Visconde da Luz.

António