(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
Como escrevi antes-de-ontem, na crónica “Assaltos nas esplanadas da Baixa” em que
unilateralmente –isto é, sem consultar os operadores, sem avisar, sem dar tempo
para os prepara para a brutal ordem de pagamento- a Câmara Municipal de Coimbra
notificou os empresários de hotelaria com esplanada para, em cinco dias,
liquidarem várias centenas de euros de uma penada. O que está em causa nem será
a substância mas a forma. Quero dizer que, por substância, entendo justo o
pagamento de uso de espaço público. Ou seja, a graciosidade para alguns acaba
por descriminar sempre uma maioria. Há um porém: há mais de vinte anos que a
gratuitidade era um “direito adquirido”.
Por um lado, se esta noção de “direito
adquirido”, tal como se entendia, foi desaparecendo parcialmente do nosso
ordenamento jurídico há muito tempo –embora o costume reiterado, em certos
casos, possa continuar dentro do âmbito- e o que era antes deixou de ser no
presente, por outro, quando se altera um hábito repetido de mais de vinte anos é
obrigação, manda o bom-senso, que tais modificações sejam publicitadas com
tempo para que os visados pelas transformações possam reorganizar a sua vida de
acordo com as novas prerrogativas. Por
conseguinte, quero dizer que nem se contesta o pagamento de uso –ou, no máximo,
pode discutir-se o preço- mas sim a forma de comunicação.
Com esta medida, dá para ver que a
Administração Pública gerida pelos eleitos políticos está cada vez menos
preocupada com os pequenos operadores económicos. Pouco lhe importa se os
encerramentos, quer comercial quer industrial, são o Pai Nosso de todos os dias,
toldam a vista e prejudicam o futuro e o desenvolvimento das cidades, vilas e
aldeias. Trata-os com com laivos de autoritarismo, em abuso de autoridade, desrespeito,
deselegância e como cidadãos simplórios e de segunda classe. Na relação entre governo
e poder autónomo municipal, com cada um a sugar até ao tutano o privado, faz
lembrar o senhor feudal, na Idade Média, e os servos que, estando presos às
suas terras, sofriam na pele os impostos e tributos arbitrários quer do Rei
quer do proprietário dos solos. O que transparece é que o país está dividido
entre duas facções: Administração Pública e Privados. É como se aqueles se
auto-proclamem: nós somos a elite, vocês são
burgueses, trabalhadores e pagadores de promessas ao santo para conseguir
aguentar o confisco a que estão sujeitos!
O serviço público, muito melhor organizado e
representado, através de sindicatos ligados à CGTP e UGT, consegue tudo o que
quer –veja-se agora esta cedência sobre coacção dos sindicatos sobre o governo
de António Costa relativa às 35 horas semanais para a função pública, e
aprovada. Argumentar que era uma premissa do programa de governo é tapar o sol
com a peneira. É a ratificação do “nós e
os outros”. Embora todos sejamos contribuintes, pela impossibilidade de
defesa, uns são-no mais do que outros.
A própria lei da greve, pretendendo ser um
direito constitucional, objectivo e de sentido Íntegro, com a regalia a
pretender ter efeitos abstracta e geral para funcionários públicos e privados,
sofre de vício de forma. Pela segurança que dá aos primeiros, pelo largo
espectro social que imprime aos segundos, ao prejudicar mais os privados, é
discriminatória e, mais década menos década, creio na minha ignorância, terá de
ser reavaliada. Talvez só o não seja a médio-prazo pelo peso do voto. Mas um
dia, não tenho dúvida, a clarificação de justiça cairá sobre os direitos e, de
facto, serão iguais para todos.
QUEM DEFENDE O PRIVADO?
Não é preciso ser adivinho para ver que,
perante a ordem de pagar e não bufar,
os hoteleiros da Baixa, sem um queixume, sem um ai, mansamente, vão pagar. Se
houver lamentos é sempre em surdina e a despejar tudo em “Deus nos valha!”. No caso são dois euros por metro quadrado, mas se
fossem cinco a subserviência, o dobrar da espinha, seria igual. Mesmo que em
casa se passe fome paga-se sempre para não ficar malvisto.
O privado, que no fundo é que
sustenta este Portugal das elites, desorganizado, sem representação de classe, está
feito um escravo. Aceita tudo. O espaço público está vazio de intervenção cidadã
sobre o que se passa na polis. O munícipe
é cada vez mais um ser robotizado, sem emoções, que não protesta e aceita a
decisão do poder mandante. Na prática, temos uma classe política pujante, a
debitar ordens de pagamento, e um contribuinte fraco, esgotado e passivo, “acordeirado”, de cócoras, que olha e
aceita tudo sem reacção. Opta sempre por dois caminhos: ou se cala, e continua,
ou desiste de combater, e morre socialmente. Erguer a sua voz e lutar contra este
Estado opressor nem pensar. O medo tomou conta de todos nós. É giro ouvir-se
falar em liberdade e não se saber o significado! As consequências deste cobardismo, deste aceitar tudo passivamente,
são incomensuráveis para o progresso. Estamos perante um novo PREC, Processo
Revolucionário em Curso, só que em vez de “Revolucionário”
agora é de “Ruina”.
Citando Camões, “O fraco Rei faz fraca a pobre gente”!
Citando Camões, “O fraco Rei faz fraca a pobre gente”!
Texto relacionado
Sem comentários:
Enviar um comentário