quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

EDITORIAL: A DESTRUIR DE COIMBRA PARA O PAÍS






O Diário as Beiras de hoje, na segunda página, anuncia que “pelo menos oito viaturas foram vandalizadas na madrugada de terça-feira, na rua de Aveiro, em Coimbra. PSP recebeu queixas. Em todos estes carros, o vidro do para-brisas foi partido sem que tenha havido um motivo para tal.”
Nos últimos anos, talvez seguindo a tendência nacional, a cidade tem sido alvo de vários atentados ao património e sem que esta onda crescente tire o sono às autoridades responsáveis. Sabendo todos que estes comportamentos, quando não penalizados atempadamente a montante, na origem, pela sensação de impunidade, geram simpatia, isto é, a inacção policial é um convite à repetição. Então, pela assiduidade, o que se verifica é que, contrariando o assunto em questão, raramente uma devastação de bens é notícia. Basta visitar o Jardim da Sereia para concluir que não iremos longe com este laxismo.
Segundo o lamento de vários moradores no bairro alto da cidade, na zona da Sé Velha, a destruição de automóveis durante a noite, por energúmenos, é lana caprina. Descendo um pouco, na Rua Corpo de Deus a mesma coisa. Na Baixa idem aspas, aspas. Rara é a semana que não me chegam desabafos de moradores a referirem terem sido os seus automóveis vandalizados. Tanto quanto sei, na maioria dos casos, já não apresentam queixa na PSP. À indignação subjaz um sentimento de conformismo que quebra qualquer revolta. A sua argumentação –e quanto a mim, é compreensível- é que dar conta da ocorrência na PSP só serve para as estatísticas. O resultado é perder tempo e o final é sempre o arquivamento sem conclusões atribuídas.

O INALIENÁVEL SER PESSOA

Antes de prosseguir vou fazer uma deriva. Se é certo que a segurança se divide em dois binómios, pessoas e bens, é certo também que nas últimas décadas os governos nacionais optaram claramente pela garantia da pessoa, enquanto individualidade e sujeito de direitos, que, no seu percurso de vida e até atingir a meia-idade é gerador de rendimento. Depois, deixando de ser útil, atingindo a aposentação, passando a ser um peso económico, é abandonado e entregue à sua sorte como se nunca tivesse concorrido para a riqueza nacional.

PASSAR A BOLA, DEIXAR ARDER E CONFISCAR

Deixando os bens entregues aos proprietários e desonerando-se da sua segurança, que implica a sua defesa –incentivando a proliferação de empresas de segurança privada e obrigando à instalação de câmaras de vídeo-vigilância-, desincentivando a mão-de-obra humana no emprego de agentes, no desamparo, contribui declaradamente para a desvalorização do património, quer privado, quer público. Com uma legislação confusa e a convidar para o incumprimento por parte do cidadão, estes governos parecem apenas obsessivamente interessados em criar novos impostos. O empresário e o trabalhador por conta de outrem são cada vez mais entes desmotivados em busca de uma esperança perdida e um número no mundo vazio da cibernética. Veja-se, por exemplo, a obrigação de cursos para quem manusear pesticidas na agricultura. Com um custo médio de uma centena de euros, quem tiver um pequeno quintal com meia dúzia de árvores, seguindo a lógica, o que vai fazer? E a nova legislação para os estabelecimentos de compra e venda de metais preciosos e gemológicos? Até se pode conceber que, por parte das governações, há um excesso de zelo pela segurança das pessoas, mas é puro engano. Procura-se, simplesmente, gerar receita. E se assim não fosse, como entender, agora, com entrada em vigor este mês, de todos os operadores que trabalhem com crianças, privados e públicos, estarem obrigados a apresentar na entidade empregadora, anualmente, uma cópia do registo criminal, que, no mínimo, custa cinco euros? É fácil de fazer as contas, quantos milhares de euros, em renda, vai gerar esta medida?

A PROPRIEDADE PERDIDA E A DESMOTIVAÇÃO

Em contradição absoluta com o inalienável direito à propriedade instituído pela Revolução Francesa de 1789, a posse, pelo constante gerar de obrigações labirínticas que conduzem a um aumento desmesurado de coimas e multas, tem vindo a ser atacada na sua essência e a conduzir à desmotivação geral. Pode até interrogar-se: o que se pretende para o futuro de Portugal? Se quem trabalha é atacado ferozmente, será que há uma intenção deliberada de gerar uma nova geração de incapazes?

A DESTRUIÇÃO COMO FORÇA REGENERADORA

Voltando atrás, escolheu-se o dano pessoal porque, obrigando a sua cobertura através das seguradoras, é mais fácil de passar para outro a assunção dos custos ao lesado. Por outro lado, politicamente, invocando os direitos humanos –e dos animais- é mais saliente num eleitor mais receptivo a novas questões humanitárias, ao ser, e que, progressivamente, despreza o ter. A possibilidade de substituição de agentes policiais por câmaras de vigilância, leva a uma enormíssima poupança de meios financeiros para o país. O Estado é cada vez mais uma supra-entidade de direitos, cujo saque de confisco é notório, e poucas obrigações a favor  e para o cidadão.
Por outro lado, uma destruição de um bem é sempre um acto económico regenerador. Pela necessária substituição vai criar trabalho e originar mais impostos. Logo, em imaginação, sendo parte interessada é de supor que ao Estado, enquanto organização política que tem por fim um objectivo egoísta, só interessa gerar receita a qualquer custo, e, por isso mesmo, deixa correr o marfim. Arrase-se quanto mais melhor. À tristeza de uns, lesados, segue-se a alegria de muitos mais.
O património é cada vez mais um ónus para o seu possuidor. É de supor que, perante a acentuada desvalorização das coisas e dificuldade de obtenção de rendimentos das famílias, o Estado se torne, a cada dia que passa, um abastado dono disto tudo –o que, em especulação, poderemos supor que, por um lado, estaremos a caminhar para um previsível sistema económico centralizado.

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