(Foto de Fernando Dias José Jorge)
“No
dia da hecatombe, às 11 horas da manhã o engenheiro
Repolhos,
da CMC, com as mãos nos bolsos, disse-me:
“esteja
descansada que não vai morrer hoje! Não vê que isto é pladur?”.
Eu,
bastante preocupada, retorqui: senhor engenheiro, a sensação
que
tenho é que o prédio está a rachar todo! Às 16h20 o
prédio,
arrastando
outro confinante, veio para o chão.”
Foi
no dia 1 de Dezembro de 2006, Feriado Nacional, que a Baixa da cidade
sentiu um profundo estremecimento. O caso não seria para menos já
que, de uma assentada, ruíram dois prédios na Rua dos Gatos. Embora
os danos patrimoniais fossem muito elevados, milagrosamente, não
houve ferimentos pessoais de monta a lamentar. Para além da queda
dos edifícios, que para os seus proprietários teria constituído um
enorme rombo na sua riqueza, para onde os detritos caíram e levaram
tudo à frente, houve danos colaterais em três prédios vizinhos,
propriedades de João Braga, Helena Gomes e uma óptica, entretanto
falida, com as traseiras do edifício para a Travessa dos Gatos e
entrada pela Rua Ferreira Borges. Helena Gomes, que foi prejudicada
pelos detritos num seu imóvel ao lado, detinha uma loja de roupas
num dos prédios que arreou. “Perdi tudo o que estava lá
dentro”, enfatizou.
Se
os danos provocados na envolvente em dois casos foi já resolvido há
vários anos -um deles, o de João Braga, como se de novela se tratasse, com recurso ao Tribunal
Administrativo, porque a responsabilidade da acção foi intentada
contra a Câmara Municipal de Coimbra (CMC)- o dirimir do conflito
cível com o terceiro só agora, passados 11 anos, conheceu o seu
fim. Quem o noticia é o Diário de Coimbra (DC) deste Sábado,
último, com título de primeira página: “Tribunal culpa
donos do prédio pela derrocada”.
Numa
prosa pouco clara, ficamos a saber que “Mais de dez anos
depois da derrocada de dois prédios antigos na baixa de Coimbra, os
proprietários de um estabelecimento comercial atingido pelos
escombros vão receber uma indemnização de 61 mil euros. Um acórdão
do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), consultado pela agência
Lusa, vem confirmar a decisão da primeira instância,
responsabilizando pelos prejuízos causados os donos de um prédio
secular que esteve na origem do desastre.
(…)
Além de ferimentos numa pessoa que passava no local naquele momento,
a derrocada afectou vários estabelecimentos que funcionavam no
rés-do-chão dos edifícios contíguos, entre os quais uma empresa
de produtos ópticos, entretanto declarada insolvente, que avançou
com uma ação a exigir uma indemnização pelos danos patrimoniais
sofridos.”
Quem
conhece de perto este caso, ao ler o DC, teria pensado que esta
notícia teria bafejado a inquilina de um dos prédios da ruína,
Helena Gomes, que, ainda hoje, continua com o seu caso a arrastar-se
em tribunal. Passados todos estes anos, numa espécie de processo de
Kafka, sem ressarcimento à vista por parte da companhia de seguros e
sem uma resposta conclusiva por parte da edilidade conimbricense, que
também é visada na demanda por parte dos seus técnicos terem desvalorizado o estado decadente do prédio e, com esta omissão, terem contribuído para que viesse abaixo, Helena, que perdeu tudo na derrocada, continua sem
receber o que tem direito. “Como intentei a acção contra a
minha seguradora -eu era titular de um seguro multi-risco- e contra a
CMC, estou presa num imbróglio. Para fundamentar o não pagamento, a
seguradora sustenta que como a autarquia alega no inquérito que as
causas da derrocada são inconclusivas, logo, dizem eles, falta o “leimotiv”,
o motivo condutor, que originou a queda”. E, empurrando uma
entidade contra a outra numa espécie de jogo maldito, continuo à
espera que as coisas se resolvam”.
Continua Helena, “no dia
da hecatombe, às 11 horas da manhã o engenheiro Repolhos, da CMC,
com as mãos nos bolsos, disse-me: “esteja descansada que não vai
morrer hoje! Não vê que isto é pladur?”. Eu, bastante
preocupada, retorqui: senhor engenheiro, a sensação que tenho é
que o prédio está a rachar todo! Às 16h20 o prédio, arrastando
outro confinante, veio para o chão. Foi uma negligência da Câmara.
Eu não percebo nada de obras, admito, mas este prédio foi
negligenciado pelos serviços camarários. No meu entendimento, as
próprias obras de restauro foram mal feitas. Começaram a descarnar
a base sem ter em conta a parte de cima, que era a que estava mais
degradada. Estavam lá todas as entidades responsáveis pela
segurança, Bombeiros, Câmara Municipal, Proteção Civil, Universidade, etc, como é
que nenhum destes técnicos se apercebeu do iminente estado de ruína
do edifício?”
UM
PRÉDIO NOVO?...
Desde
há poucos dias, uma placa de madeira ostentando “Vendo”
e com número de telemóvel está presente no terreno de forma
triangular que outrora foi ocupado pelos dois edifícios centenários.
Em contacto travado com o número indicado, ficámos a saber que o
preço de venda é de 145 mil euros -pela totalidade da área dos terrenos de implantação anteriormente ocupados pelos dois prédios. Fomos
informados também que, por consulta prévia de viabilidade à CMC,
“a edilidade respondeu que é possível construir um imóvel
com cinco andares.”
...OU
UMA NOVA PRAÇA PÚBLICA?
Por
inteira justiça e no seu legítimo direito, está de ver que os
proprietários do terreno tentam valorizar e capitalizar o que resta
de um desastre, cuja responsabilidade, digo eu, caberá a vários
intervenientes. Se, por um lado, a CMC, ao optar pelo respeito inalienável do direito à propriedade pela autorização de
construção, está a agir bem, por outro, não deve descurar exercer
o direito de preferência e construir naquele gaveto uma praça
pública.
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