(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
"Letorneau,
affirmando que “desde que há homens sobre a terra nunca tiveram
mais terriveis inimigos que os seus proprios semelhantes”, expoz
uma triste verdade categoricamente confirmada pela história da
cooperação social.
Filha dos laços do
sangue, como quer Maine, dos confflictos entre differentes grupos
sociaes, como opina Spencer, ou da conquista da natureza, como,
talvez mais avisadamente, pretendem outros, o que é certo é que a
cooperação social se tem realisado sempre no meio do mais profundo
antagonismo de interesses e paixões. A par da lucta do homem contra
a natureza, que constitue a mais grandiosa epopêa da humanidade,
surge e desenvolve-se, determinada por aquelle antagonismo, a lucta
horrivel do homem contra o homem.
A transição da
vida selvagem para a pastoril, da vida pastoril para a agricola e
d'esta para a industrial, que representa as brilhantes victorias
alcançadas pelo homem na conquista da natureza, é tristemente
assignalada pela luta das hordas, tribus, povos e raças entre si, e
das classes e individuos no proprio seio dos differentes agrupamentos
políticos. Ao mesmo tempo que o homem affirma e desenvolve a
prodigiosa força da sua inteligência e a fecunda energia da sua
vontade chegando a fazer collaborar com ele, na propria lucta contra
a natureza, as forças naturaes d'esta, revela e expande o seu atroz
egoismo na lucta contra o seu semelhante, em que o forte ou extermina
o fraco, livrando-se d'um concorrente, ou o subjuga e domina,
utilisando-o. Ao lado do animal domestico apparece-nos o escravo; a
par do arado o servo da gleba e juncto da machina o operário.
As necessidades e
paixões que incitam o homem á lucta pela vida, pelo poder e pela
riqueza, levam-no a apoderar-se de todos os meios que conduzem a
qualquer d'esses fins. Não se empregam maiores esforços na lucta
contra a natureza do que na lucta do homem contra o homem; quando por
meio d'esta mais facilmente se pode conseguir o que se deseja, é
para ahi que se dirigem as actividades. A força tende sempre para o
lado que menos resistência offerece.
Os que julgavam que
as progressivas conquistas realisadas pelo homem nos dominios da
natureza, augmentando com a productividade do trabalho o bem estar
social, teriam como resultado natural a successiva mitigação da
lucta pela existencia entre individuos, têm soffrido uma cruel
desillusão. É exactamente n'este seculo em que a iniciativa e o
engenho do homem dão um desenvolvimento extraordinario á produccão
e circulação das riquezas; em que só a Europa occidental conquista
para a humanidade mais invenções do que ella havia conseguido
durante vinte seculos, que a lucta social se torna mais intensa. É
que as desegualdades sociaes que se vão formando e acumulando pela
accão lenta e insensivel d'essa lucta, os abysmos enormes e
insuperáveis que se vão cavando entre os vencedores e os vencidos,
levam comsigo o germen da discordia, que os interesse e as paixões
humanas desenvolvem d'um modo prodigioso.
E, uma vez
estabelecidas essas desegualdades, parece que o resultado da lucta
social se pode reduzir a esta simples formula: sempre mais para quem
mais possue e cada vez menos para os desherdados. É com uma rapidez
prodigiosa que a felicidade, o poder, a riqueza e a consideração se
vão engrandecendo d'um lado; a desgraça, a debilidade e a miseria
augmentando do outro. Parece que as leis inexoraveis da produção,
circulação e distribuição das riquezas promovem e secundam essas
desegualdades, e que o direito, a moral e a religião são impotentes
para contrariar a sua accão.
Alteram-se as
instituições economicas, soffrem uma constante evolução os
principios da moral e da justiça, e a lucta do homem contra o homem,
com o seu enorme cortejo de desegualdades, persiste.”
(“O lucro
e a questão economica”, por Guilherme Alves Moreira, 1891)
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