(Foto de 2008)
Barrô,
a aldeia da minha naturalidade situada entre a Mealhada e o Luso,
solenizou neste fim-de-semana a festa anual em honra do seu padroeiro, São Sebastião. Ontem, domingo, com a celebração da Eucaristia e
subsequente procissão, foi o apogeu das festas profana e religiosa.
Comparando anos recuados,
em que seria um dia cheio em todo o lugar e mais propriamente no
largo da capela com a vinda dos filhos da Diáspora e pelos nativos,
deu para ver o quanto a aldeia, por um lado, está esvaziada de
habitantes, por outro, o quanto o Dia da Festa de Ano perdeu
importância no encontro de pessoas que por lá nasceram e cresceram.
Por outro ainda, e pode ser o caso, o divórcio entre
as pessoas que lá habitam e a comemoração anual.
Há
cerca de uma trintena de anos, esta povoação do concelho da
Mealhada e pertencente ao distrito de Aveiro teria cerca de
meia-centena de casas, a maioria em mau estado de conservação, e
mais ou menos uma centena de habitantes. Com gente muito Preciosa, nessa altura, através dos
sentidos, apanhávamos o fervilhar de vida da localidade pelo ruído,
pelo cheiro e pelo rodopiar de agricultores, com as suas enchadas ao
ombro ou foicinhos a tiracolo, a sulcar caminhos de terra-batida em
direcção às suas leiras, que, juntamente com o ordenado da
fábrica, complementavam o seu sustento. Ao entrar no pequeno
povoado, entre outro burburinho, éramos recebidos pelo mugir dos
bois, pelo zurrar dos burros e pelo latir dos cães. Tudo parecia
indicar que a população estava em multiplicação sem fim à vista. Edificou-se uma nova escola primária (básica) e um enorme
pavilhão multiusos.
Com a facilidade de
crédito bancário, foram construídas novas vivendas com jardim exterior
que, pela arquitectura, rivalizam com a cidade, e muitas das
restantes foram restauradas a preceito.
Como motor de
desenvolvimento e ponto de encontro, a dar força anímica ao pequeno lugarejo, havia um
café à entrada do burgo e, mais para cima, passando o campanário
com a capela agregada em relativo estado de conservação,
encontrávamos a taberna do senhor António, o “Toino da Loja”, conjunta com a mercearia e onde se podia comprar tudo desde linhas até
petróleo.
Para além da festa
anual, em Janeiro, realizavam-se ainda mais duas: as Alminhas e a de
São José.
Na
última década, talvez para ser equitativa em relação a outras
aldeias, a Junta de Freguesia de Luso (ou a Câmara Municipal da Mealhada), mandou alcatroar todas as ruas
do interior e em redor do sítio. Para além disso, louve-se a acção,
mandou colocar placas toponímicas e deu números de polícia a todas
as habitações.
Há
cerca de cinco anos o santuário, cujo santo mártir é São
Sebastião, com uma coleta entre o povo, foi restaurado e, pelo bom gosto, transformou-se num pequeno templo lindíssimo.
Em redor, era ali,
no seu terreiro, perante arcadas de acácias e as ruas
engalanadas com flores de papel, que as festas anuais de Janeiro eram
organizadas. Nesta alegoria, o povo saía à rua e, com o coreto de
madeira a desafiar o Sol, e com o intenso cheiro a carne assada nos
fornos de lenha, era ali que se dançava até altas horas da noite.
Em contraposição, mais
que certo por serem pequenas capelinhas e por falta de interesse da
comunidade, deixou-se morrer as celebrações em honra de São José
a das Alminhas.
Agora,
deu para apreender que tudo mudou. As artérias, outrora enfeitadas
com arcadas populares e pétalas de rosas no chão, detinham apenas
uma fita plástica, colorida, aqui e acolá. Quem não soubesse, pelo
embelezamento, não adivinhava que havia festa no lugar.
O baile, realizado
tradicionalmente no largo da capela, talvez pelo frio assustador que
a comunicação social apregoa ao mundo, teve lugar no pavilhão
multi-usos.
O templo e os andores,
outrora ornamentados de forma amadora e simples pelos mordomos, deu
lugar a um arranjo de flores sumptuoso, certamente profissionalizado
por uma florista, que enchia o olho -imagina-se que não se olhou a meios para alindar as imagens transportadas por quatro pessoas.
Ontem,
após a celebração da missa, a procissão, com vários andores
erguendo as figuras de santos, saiu à rua por volta das 16h30. Ao longo
de cerca de noventa minutos, o cortejo litúrgico percorreu as
principais vielas. Na sua cauda, acolitando a banda filarmónica,
pouco mais de uma dúzia de pessoas seguiam em fila a comitiva. De
salientar que, ao longo do percurso, apenas uma dezena de janelas
estavam abertas a saudar o préstito, o que, repetindo, dá para
questionar sobre o que está a acontecer ao aldeamento: ou está
vazio de residentes ou os seus habitantes, sentados nos seus
acolhedores sofás e tendo em frente um computador, estiveram a
marimbar-se para alegoria sacro e profana.
Qualquer uma destas
premissas, a desertificação acentuada ou o desinteresse crescente,
pode ser verdade. A contribuir para a evacuação da população, há
muitos anos que as fábricas que davam trabalho encerraram. A escola,
por falta de crianças, fechou. O café e a taberna e mercearia do
“Toino da Loja”, como um protesto surdo contra o abandono
a que estão sujeitas as nossas terras, encerraram portas. Só o
pavilhão centro-desportivo, remando contra-a-maré, vai resistindo à
destruição do convívio.
Ontem,
enquanto se circulava pela estrada principal e secundárias, em que
só a música da banda filarmónica quebrava o silêncio atroador,
deu para verificar que, apesar de tudo, poucos são os prédios em
ruína completa. É uma pena que das chaminés daqueles reformados
edifícios, outrora cheios de alma e que neste dia rebentavam pelas
costuras com familiares vindos de longe, não saísse o tal fiosinho
de fumo em direcção ao céu. Estamos perante uma ilusão de óptica da modernidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário