(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
A
mostrar que a Baixa está cada vez mais desertificada e é pouco
apetecível para quem comercializa, contrariamente a anos anteriores,
os vendedores de bonecos artesanais de presépio fabricados em
Barcelos -já que Coimbra, na última década, perdeu a última
fábrica de barros tão característicos da cidade- não estiveram
presentes com bancas na Praça do Comércio neste último Dezembro.
Pode ser um pormenor
entre outros, mas é nestes detalhes, ínfimos, que se vê o estado
evolutivo da zona histórica. Aos poucos, sem que demos por isso, vão
desaparecendo pequenos serviços que, pela companhia diária ou
temporal, fazem parte de nós. Quando encerram, por parte do público,
vem a conhecida exclamação geral: “encerrou? Ai, não pode ser! Faz
tanta falta!”
A questão que se coloca
é sempre a mesma: porquê?
Muito “porquê”
ou “por quê” se levanta. A principal razão é a
“prestação social” que estando dentro de nós deixou de
funcionar. Esta denominada prestação social é a forma como
nos importamos e relacionamos com os outros -sobretudo e nomeadamente
com os mais pequenos, aqueles que fazendo algumas moedas vão
conseguindo equilibrar o seu dia-a-dia e à custa deste magro pecúlio
financeiro nos vão fazendo companhia. Os exemplos são enormes: é o
cauteleiro -ainda há três na Baixa- é a vendedeira de tremoços e
pistáchios -só a Adelaide resiste na Praça 8 de Maio- são os
vendedores de castanhas -salvo erro são três os que vão teimando-
é a vendedeira de bolos de Ançã -a dona Mercês já arrumou o
pitoresco cesto, mas passou o negócio para outra senhora-, é o
popular ardina -há um único na Lusa Atenas.
Como o nosso rendimento é
cada vez mais depauperado -apesar do Governo jurar o contrário- e,
por isso mesmo, o dinheiro ser cada vez mais contado no nosso bolso,
vemos estas pessoas quase com olhar intrusivo, depreciativo e pouco
valorativo da função comunitária que exercem para tornar a cidade
menos silenciosa, apagada e rotineira. Desaparecendo estes pequenos
transmissores do pitoresco, com eles vão o cheiro, o ruído, a
animação que quebra o bucolismo das urbes. Sem nos apercebermos,
pela interacção das redes sociais, estamos a criar um sociedade
profundamente egoísta, reaccionária e individualista. Tudo é feito
na penumbra. Na Internet, compra-se, vende-se,
comunicamos em jeito de desabafo (sem pessoalidade), postamos textos e imagens sobre a
nossa vida à espera da aprovação geral -embora saibamos que este
“geral” é uma massa abstracta que se está a marimbar para o que
plasmamos.
Sem
começar agora, e este (de)mérito cabe por inteiro à ASAE, com a
nossa passiva complacência e ordenação de grandes empresas e
entidades políticas, está em marcha um movimento de extermínio do
pequeníssimo mercador. Tudo em nome do povo e das boas práticas, diz-se. É de supor que dentro de uma década ou
talvez menos já não se encontrem vendedores hortícolas e outros
produtos do campo nos mercados tradicionais. Se duvidarem, vão ao
Mercado Municipal Dom Pedro V, aqui em Coimbra, e tentem adquirir ovos caseiros, saídos das
capoeiras e alimentados tradicionalmente.
Por
o Governo ter criado a Unidade de Missão para a Valorização do
Interior, a cargo da professora universitária e conimbricense Helena
Freitas, dá impressão que é agora que, de facto, se vai olhar para
a desertificação dos lugares mais longínquos do litoral do país.
Não é por não confiar em Helena Freitas, que conheço e acredito que estará
a fazer o melhor que sabe e pode, que afirmo que não acredito que
sejam implementadas medidas estruturantes de salvação das zonas afectadas. Em vez de uma visão holística, do todo, falta uma
preciosa atenção para tudo o que é pequenino. As aldeias, sem o pequeno café, sem mercearia, estão convertidas em dormitórios silenciosos, em cemitérios de vivos.
A
televisão privada SIC, através de reportagens como,
por exemplo, “Eu é que sou o presidente da Junta” e
outras sobre a região transmontana, tem feito mais para tornar
pública esta calamidade do que todos os governos nacionais dos
últimos quinze anos.
E
comecei a escrever esta crónica por que hoje fui a um pequeno
quiosque da Baixa e, em conversa, fiquei a saber que a EDP, dentro em
breve, vai suspender os recebimentos de energia eléctrica de
consumidores particulares nestes pequeníssimos estabelecimentos.
Apesar de não parecer, a situação é de tal modo grave que vai
levar ao encerramento de mais algumas destas casas típicas -falei
com dois operadores e a manifestação de preocupação pelo futuro
foi o mesmo: encerrar. Um deles ainda me disse mais: “como uma
das casas de venda de jogo da Baixa está em situação económica
difícil -há quem fale já em fecho proximamente- também não
temos raspadinhas para vender, estamos a fazer o quê, aqui? Jornais
poucos se vendem. O tabaco continua a cair...”
Se neste caso das
raspadinhas, aparentemente, não se poderá fazer muito -por
que este grande estabelecimento de jogo com abrangência nacional
está dependente de uma boa relação comercial com a Santa Casa da
Misericórdia e, ao que parece, não há-, já com a EDP é
diferente. Esta grande empresa de capital maioritário chinês, que
já foi nossa, detém (ou deveria deter) uma enormíssima
responsabilidade social. Ao coarctar aos pequeníssimos lojistas este
serviço, a administração saberá muito bem que está a mandar para
o charco umas dezenas, senão centenas, de pessoas que, trabalhando muitas horas para servir os seus clientes, dão movimento aos centros urbanos.
Pelo
menos até se dar com as bentas na porta encerrada, quem é que perde
dois minutos a pensar nisto?
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