quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

EDITORIAL: APBC: COM PAPAS E BOLOS SE ENGANAM OS TOLOS


Os jornais diários de hoje, publicados na cidade, nomeadamente o Diário as Beiras (DB) e o Diário de Coimbra (DC), deram relevo ao trabalho desenvolvido pela APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra. Com cerca de meia-página, os dois vespertinos alinharam nos títulos e deram ênfase ao serviço apresentado pela agência.
O DB com uma peça de Lídia Pereira similar ao do seu concorrente DC, em cabeçalho de página, noticiava assim: “O trabalho social que se faz na Baixa”. E aqui eram narradas a história de várias entidades que têm o seu campo de acção nesta parte velha e com quem a APBC assinou protocolos de cooperação. Mais abaixo, uma outra fotografia mostra José Madeira, representante local da AHRESP, Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, acompanhado com uma vencedora do concurso da tômbola de Natal, em que estavam em sorteio quatro cabazes com produtos oferecidos pelos comerciantes da Baixa. Descrevia também as verbas oferecidas pela agência a duas IPSS.
Antes de avançar, foquemos a imagem do cabaz que ilustra esta crónica -e que, com a devida vénia, tomei de empréstimo ao DB. O que vemos? Um cabaz de madeira tendo no interior géneros diversos doados por comerciantes voluntários. E perguntamos, o que tem de errado esta imagem? Salvo melhor opinião, tendo em conta que o sorteio foi realizado num universo de um cliente-tipo, que frequentou a Baixa durante o mês de Dezembro, sortear cabazes com produtos, alimentares e outros, é no mínimo de uma falta de gosto a todos os níveis. Fazer isto publicamente, por ser tão comezinho, é o mesmo que, por silogismo e sem ofensa, considerar o cliente-alvo da Baixa em paridade com os carenciados contemplados pela Liga da Boa Vontade -e que fez isto mesmo e noticiado pelo DC em 21 de Dezembro.
Não teria mais lógica que os contemplados neste sorteio de Natal tivessem um prémio à escolha e com tecto anunciado nas lojas comerciais aderentes? Pode aventar-se que houve poucos comerciantes a aceitar a ideia. Pode sim. Provavelmente, digo eu, por que a maioria apercebeu-se de que estava a colaborar num projecto vazio, sem fundo e sem rasgo, e de uma pobreza que provoca os franciscanos. No mínimo, para tornar mais digno, mais elevado, este sorteio a agência deveria ter-se comprometido a comparticipar em metade do valor do prémio em causa. Pode-se argumentar que não havia disponibilidade financeira para o efeito, mas havia mesmo e muita. Mais à frente explico melhor.

O QUE ESCREVE O DIÁRIO DE COIMBRA (DC)?

Com um trabalho não assinado -presumo que da responsabilidade da jornalista Patrícia Isabel Silva, cuja autoria é patente na página anterior- o DC, com o título “Baixa une parceiros para atenuar dramas sociais”, faz uma longa explanação sobre os protocolos assinados entre a A APBC e as instituições particulares de solidariedade social (IPSS).
Espreitemos a notícia: “A APBC formalizou ontem protocolos de cooperação com IPSS, procurando atenuar os problemas associados à toxicodependência e prostituição que afectam esta zona da cidade. Envolvida numa “tarefa que não termina nos próximos tempos”, como analisou Vitor Marques, presidente da APBC, está também a Câmara Municipal de Coimbra.
Na sessão foram formalizados protocolos entre a APBC e Associação Integrar, “Ergue-te” e Obra de Promoção Social do Distrito de Coimbra (…) Em breve serão formalizados acordos idênticos com a Cáritas e Assistência Médica Internacional (AMI), prevendo a APBC alargar a cooperação a todas as instituições que intervêm na Baixa da cidade.
A cooperação entre comerciantes e instituições passa por acções como a divulgação e promoção recíproca de iniciativas dos parceiros, competindo designadamente aos comerciantes a venda de produtos e a integração profissional de utentes das IPSS e a estas sensibilizar os operadores económicos da Baixa para as problemáticas sociais, sem excluir a possível angariação de voluntários.
Parar para respirar e interrogar...

Comecemos por perguntar: o que acrescenta e traz de novo para a Baixa a assinatura destes protocolos com a associação Integrar, a associação “Ergue-te” e a Obra de Promoção Social do Distrito de Coimbra? Com este acordo preconiza-se a sua intervenção entre patrões e empregados do comércio? Há prostituição latente? Há sem-abrigo em prespectiva? Há mães a trabalhar no comércio que precisam de apoio social para os seus filhos?
Não será verdade que a Integrar e a “Ergue-te” já há muitos anos que amplamente têm o seu campo de acção na Baixa de Coimbra? Saliento que ambas fazem um bom trabalho pelos mais pobres -a “Ergue-te” foi notícia no DC em 14 de Novembro, ultimo, em mais de meia-página. Se assim é, para que serve vir mostrar um pacote como sendo novo, lustroso, se já é velho e enrugado no seu âmbito? Imagina-se a resposta, mas responda quem souber.
Por seu lado, a Casa da Mãe, valência da Obra de Promoção Social do distrito de Coimbra, sem lhe retirar o mérito, o que pode acrescentar ao tecido comercial da Baixa? Está de ver que tal como à “Ergue-te” foi para justificar a atribuição de 400 euros doados pela APBC a cada uma delas -mas, mais abaixo, falarei disto.

FAZER SOLIDARIEDADE À CUSTA DE OTÁRIOS

Em Novembro último, a APBC, através de comunicação escrita e distribuída pelos estabelecimentos da Baixa, invocando as más condições financeiras da agência, apelou à contribuição individual dos lojistas em 15 euros para comparticiparem nos eventos natalícios.
Também neste Novembro foi anunciado nos jornais a realização da “Festa do Galo” evento já realizado anteriormente com outras denominações, cujo objecto é a dinamização da Baixa, e que iria decorrer entre 40 restaurantes e tendo como parceira a AHRESP. Tinha uma vertente solidária “desta vez para com duas associações de Coimbra, “que colaboram para minimizar alguns dos problemas que existem na Baixa, referiu Vitor Marques. A “Ergue-te”, que trabalha com prostitutas com vista à sua inserção na sociedade, e a Obra de Promoção Social do Distrito de Coimbra, que acolhe jovens mães solteiras”, citando o “Campeão das Províncias” de 30 de Novembro.
Antes de prosseguir, pergunta-se se fará sentido uma instituição que (sobre)vive de dotações públicas e das quotas dos cerca de sete dezenas de associados espalhar a solidariedade aos quatro ventos, sobretudo quando apela à comparticipação dos seus membros e invocando a sua débil condição económica?

A MODA DA SOLIDARIEDADE À CUSTA DOS OUTROS

Em meados de Dezembro, último, uma grande instituição quase centenária da Baixa realizou uma Assembleia-geral onde foi invocada a necessidade de alterar os estatutos para onerar serviços e fazer face à sua situação económica difícil. Próximo do Natal realizou um jantar entre associados e, alegadamente como sendo de contribuição geral, atribuiu cerca de 2000 euros a uma outra reconhecida IPSS da cidade.


Continuando com o assunto que deu aso a esta crónica, em 08 de Dezembro, último, o DC noticiava que a “APBC recebe apoio de 35 mil euros da Câmara Municipal de Coimbra, visando a realização de iniciativas de animação na Baixa de Coimbra, casos de “evento com “dj's”, desfile de marchas populares, programações de Natal, passagem de ano, workshops direccionados para crianças e jovens e semana do bacalhau
Segundo o noticiado, cerca de uma centena de lojistas aceitaram doar os 15 euros solicitados para comparticipar nos festejos natalícios.
Para que conste, não é de somenos chamar à colação a frágil situação financeira de muitos comerciantes. Tanto quanto julgo saber, a pobreza envergonhada, como nuvem silenciosa e invisível, espalha-se diariamente neste casco velho da cidade. Mas não digam a ninguém que escrevi isto!

800 EUROS E UMA VELINHA

Continuando a citar o DC, “Durante a sessão de ontem foram entregues donativos de 800 euros – (400 para a Equipa de Intervenção Ergue-te e 400 para a Casa da Mãe) angariados na Festa do Galo e da Galinha.”
Então eu, que sou um bocado parvo e nem sei para quê nem para quem escrevo, pergunto se, por um lado, não teria sido mais justo não ter pedido a contribuição aos comerciantes e, por outro, tentar distribuir esta verba pelos lojistas mais necessitados? Ou não há comerciantes a passarem momentos aflitivos? Se calhar, com o meu costumado exagero, sou eu que invento.
Dar aos outros, de fora, sem olhar ao que se passa na nossa casa, dá mais no olho, já sei. E, como medida politicamente correcta, que é mais notado publicamente e engana os papalvos, também está muito mais certo. Haja Deus e paciência para tanta palermice. Mas, diga-se em abono da verdade, não terão os comerciantes apenas o que merecem? Escrever que é má sorte ser comerciante na Baixa serve de alguma coisa?

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