Os
jornais diários de hoje, publicados na cidade, nomeadamente o Diário
as Beiras (DB) e o Diário de Coimbra (DC), deram relevo ao trabalho
desenvolvido pela APBC, Agência para a Promoção da Baixa de
Coimbra. Com cerca de meia-página, os dois vespertinos alinharam nos
títulos e deram ênfase ao serviço apresentado pela agência.
O
DB com uma peça de Lídia Pereira similar ao do seu concorrente DC,
em cabeçalho de página, noticiava assim: “O trabalho social
que se faz na Baixa”. E aqui eram narradas a história de
várias entidades que têm o seu campo de acção nesta parte velha e
com quem a APBC assinou protocolos de cooperação. Mais abaixo, uma
outra fotografia mostra José Madeira, representante local da
AHRESP, Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de
Portugal, acompanhado com uma vencedora do concurso da tômbola de
Natal, em que estavam em sorteio quatro cabazes com produtos
oferecidos pelos comerciantes da Baixa. Descrevia também as verbas
oferecidas pela agência a duas IPSS.
Antes
de avançar, foquemos a imagem do cabaz que ilustra esta crónica -e
que, com a devida vénia, tomei de empréstimo ao DB. O que vemos? Um
cabaz de madeira tendo no interior géneros diversos doados por
comerciantes voluntários. E perguntamos, o que tem de errado esta
imagem? Salvo melhor opinião, tendo em conta que o sorteio foi
realizado num universo de um cliente-tipo, que frequentou a Baixa
durante o mês de Dezembro, sortear cabazes com produtos, alimentares
e outros, é no mínimo de uma falta de gosto a todos os níveis.
Fazer isto publicamente, por ser tão comezinho, é o mesmo que, por
silogismo e sem ofensa, considerar o cliente-alvo da Baixa em
paridade com os carenciados contemplados pela Liga da Boa Vontade -e
que fez isto mesmo e noticiado pelo DC em 21 de Dezembro.
Não teria mais lógica
que os contemplados neste sorteio de Natal tivessem um prémio à
escolha e com tecto anunciado nas lojas comerciais aderentes? Pode
aventar-se que houve poucos comerciantes a aceitar a ideia. Pode
sim. Provavelmente, digo eu, por que a maioria apercebeu-se de que
estava a colaborar num projecto vazio, sem fundo e sem rasgo, e de
uma pobreza que provoca os franciscanos. No mínimo, para tornar mais
digno, mais elevado, este sorteio a agência deveria ter-se
comprometido a comparticipar em metade do valor do prémio em causa.
Pode-se argumentar que não havia disponibilidade financeira para o
efeito, mas havia mesmo e muita. Mais à frente explico melhor.
O QUE
ESCREVE O DIÁRIO DE COIMBRA (DC)?
Com
um trabalho não assinado -presumo que da responsabilidade da
jornalista Patrícia Isabel Silva, cuja autoria é patente na página
anterior- o DC, com o título “Baixa une parceiros para
atenuar dramas sociais”, faz uma longa explanação sobre
os protocolos assinados entre a A APBC e as instituições
particulares de solidariedade social (IPSS).
Espreitemos a notícia:
“A APBC formalizou ontem protocolos de cooperação com IPSS,
procurando atenuar os problemas associados à toxicodependência e
prostituição que afectam esta zona da cidade. Envolvida numa
“tarefa que não termina nos próximos tempos”, como analisou
Vitor Marques, presidente da APBC, está também a Câmara Municipal
de Coimbra.
Na sessão foram
formalizados protocolos entre a APBC e Associação Integrar,
“Ergue-te” e Obra de Promoção Social do Distrito de Coimbra (…)
Em breve serão formalizados acordos idênticos com a Cáritas e
Assistência Médica Internacional (AMI), prevendo a APBC alargar a
cooperação a todas as instituições que intervêm na Baixa da
cidade.
A cooperação
entre comerciantes e instituições passa por acções como a
divulgação e promoção recíproca de iniciativas dos parceiros,
competindo designadamente aos comerciantes a venda de produtos e a
integração profissional de utentes das IPSS e a estas sensibilizar
os operadores económicos da Baixa para as problemáticas sociais,
sem excluir a possível angariação de voluntários.”
Parar
para respirar e interrogar...
Comecemos
por perguntar: o que acrescenta e traz de novo para a Baixa a
assinatura destes protocolos com a associação Integrar, a
associação “Ergue-te” e a Obra de Promoção Social do Distrito
de Coimbra? Com este acordo preconiza-se a sua intervenção entre
patrões e empregados do comércio? Há prostituição latente? Há
sem-abrigo em prespectiva? Há mães a trabalhar no comércio que
precisam de apoio social para os seus filhos?
Não será verdade que a
Integrar e a “Ergue-te” já há muitos anos que amplamente têm o
seu campo de acção na Baixa de Coimbra? Saliento que ambas fazem um bom trabalho pelos mais pobres -a “Ergue-te” foi notícia no
DC em 14 de Novembro, ultimo, em mais de meia-página. Se assim é,
para que serve vir mostrar um pacote como sendo novo, lustroso, se já
é velho e enrugado no seu âmbito? Imagina-se a resposta, mas
responda quem souber.
Por seu lado, a Casa da
Mãe, valência da Obra de Promoção Social do distrito de Coimbra,
sem lhe retirar o mérito, o que pode acrescentar ao tecido comercial
da Baixa? Está de ver que tal como à “Ergue-te” foi para
justificar a atribuição de 400 euros doados pela APBC a cada uma
delas -mas, mais abaixo, falarei disto.
FAZER
SOLIDARIEDADE À CUSTA DE OTÁRIOS
Em
Novembro último, a APBC, através de comunicação escrita e
distribuída pelos estabelecimentos da Baixa, invocando as más
condições financeiras da agência, apelou à contribuição
individual dos lojistas em 15 euros para comparticiparem nos eventos
natalícios.
Também
neste Novembro foi anunciado nos jornais a realização da “Festa
do Galo” evento já realizado anteriormente com outras
denominações, cujo objecto é a dinamização da Baixa, e que iria
decorrer entre 40 restaurantes e tendo como parceira a AHRESP. Tinha
uma vertente solidária “desta vez para com duas associações
de Coimbra, “que colaboram para minimizar alguns dos problemas que
existem na Baixa, referiu Vitor Marques. A “Ergue-te”, que
trabalha com prostitutas com vista à sua inserção na sociedade, e
a Obra de Promoção Social do Distrito de Coimbra, que acolhe jovens
mães solteiras”, citando o “Campeão das Províncias”
de 30 de Novembro.
Antes
de prosseguir, pergunta-se se fará sentido uma instituição que
(sobre)vive de dotações públicas e das quotas dos cerca de sete
dezenas de associados espalhar a solidariedade aos quatro ventos,
sobretudo quando apela à comparticipação dos seus membros e
invocando a sua débil condição económica?
A MODA DA SOLIDARIEDADE
À CUSTA DOS OUTROS
Em meados de Dezembro,
último, uma grande instituição quase centenária da Baixa realizou uma Assembleia-geral onde foi invocada a necessidade de
alterar os estatutos para onerar serviços e fazer face à sua
situação económica difícil. Próximo do Natal realizou um jantar entre
associados e, alegadamente como sendo de contribuição geral,
atribuiu cerca de 2000 euros a uma outra reconhecida IPSS da cidade.
Continuando com o assunto que deu aso a esta crónica, em 08 de Dezembro, último,
o DC noticiava que a “APBC recebe apoio de 35 mil euros da
Câmara Municipal de Coimbra, visando a realização de iniciativas
de animação na Baixa de Coimbra, casos de “evento com “dj's”,
desfile de marchas populares, programações de Natal, passagem de
ano, workshops direccionados para crianças e jovens e semana do
bacalhau”
Segundo o noticiado,
cerca de uma centena de lojistas aceitaram doar os 15 euros
solicitados para comparticipar nos festejos natalícios.
Para que conste, não é
de somenos chamar à colação a frágil situação financeira de
muitos comerciantes. Tanto quanto julgo saber, a pobreza
envergonhada, como nuvem silenciosa e invisível, espalha-se
diariamente neste casco velho da cidade. Mas não digam a ninguém
que escrevi isto!
800 EUROS E UMA VELINHA
Continuando
a citar o DC, “Durante a sessão de ontem foram entregues
donativos de 800 euros – (400 para a Equipa de Intervenção
Ergue-te e 400 para a Casa da Mãe) angariados na Festa do Galo e da
Galinha.”
Então
eu, que sou um bocado parvo e nem sei para quê nem para quem escrevo, pergunto se,
por um lado, não teria sido mais justo não ter pedido a
contribuição aos comerciantes e, por outro, tentar distribuir esta
verba pelos lojistas mais necessitados? Ou não há comerciantes a
passarem momentos aflitivos? Se calhar, com o meu costumado exagero,
sou eu que invento.
Dar aos outros, de fora,
sem olhar ao que se passa na nossa casa, dá mais no olho, já sei.
E, como medida politicamente correcta, que é mais notado
publicamente e engana os papalvos, também está muito mais certo.
Haja Deus e paciência para tanta palermice. Mas, diga-se em abono da
verdade, não terão os comerciantes apenas o que merecem? Escrever
que é má sorte ser comerciante na Baixa serve de alguma coisa?
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