É
sexta-feira, 18 deste mês corrente. O relógio da torre sineira da
igreja de São Bartolomeu, seguindo o tempo determinado pelo
meridiano de Greenwich -contrariando o da torre da Universidade de
Coimbra, que estancou nas 07h45 e só está certo duas vezes ao dia-
marca 21h15. Na Rua Simões de Castro, junto ao Pavilhão da
Palmeira, tendo em conta o hábito em horas e dias iguais, o
movimento de pessoas é extraordinariamente anormal. Até dá para
pensar que vai haver inauguração de uma qualquer obra pública
recentemente realizada, como, por exemplo, o Terreiro da Erva, ali a
dois passos. Mas não. Àquela hora da noite, pelo costume, não se
cortam fitas. A haver corte, só se for na casaca de alguém.
Pelas
roupas esmeradas e intenso cheiro a brilhantina, há no ar cinzento
de Outono uma certa atmosfera de festa. Nos homens, embora menos
formais com uma ganga aqui e acolá, nota-se uma certa ansiedade
festivaleira e nas mulheres, algumas de saia comprida e echarpes
cintilantes, pressente-se um glamour de beleza existencial. Como
formigas em carreiro, todos se encaminham para o interior do centro
de desportos da Baixa.
Transpondo
o portão de entrada em forma de túnel, estamos agora no recinto
dedicado ao desporto de bola em tabela alta. Na lateral, num palco
construído para o efeito, os membros do conjunto musical “Casting”
afinam os instrumentos. Tudo indica que, dentro de poucos minutos, o
grande baile solidário a favor do Centro Cultural e Social 25 de
Abril (CCS25A), com sede na Rua da Sofia, vai começar.
O
Travolta, o maior dançarino da Baixa e arredores, acompanhado da
Felisberta, dama de muitas virtudes, em movimento curto de pés,
ensaia um passo doble.
Perante
uma moldura humana já saliente apesar da noite ainda ser uma criança
para o espectáculo, Sandra Campos, a directora técnica da
instituição que dá apoio a mais de 120 crianças entre os três e
os 12 anos, parece o mestre-obras a encaixar pessoas nos
lugares-chave para que nada falhe e ofusque o sucesso da festa.
Junto
ao guarda-mão em ferro, a um passo da bancada, está o José Cruz, o
presidente da direcção do CCS25A. Todo esticado como um fuso, a
começar pela barriga -que encolheu substancialmente graças uma
dieta de emagrecimento dirigida sobre as ordens da herbalife,
na Rua Martins de Carvalho-, o “Zé”, todo engravatado,
com um sorriso de orelha-a-orelha, como anfitrião oficial, estende a
mão às personalidades mais badaladas da urbe que vão chegando.
Num instantâneo, agora,
perante quem se aproxima, o Cruz não consegue disfarçar a
estupefacção que lhe inunda o rosto. Abre os braços em leque e a
titubear, balbucia um agradecimento: “muito... obrigado, doutor,
por ter vindo. Obrigado, mesmo”. E deu um enorme aperto-de-mão
a Manuel Machado, presidente da Câmara Municipal de Coimbra, que,
pelo movimento abrupto e desengonçado, até pareceu ter deslocado o
ombro ao chefe da edilidade. Fosse por isso ou não, a verdade é que
Marta Brinca, esposa de Machado e médica, tratou de suavizar a omoplata do marido com uma pequena massagem.
Atrás
do homem do leme da cidade, em fila indiana, está Carlos Cidade, de
braço-dado com a mulher Ana Rosa, e Carlos Clemente, adjunto de
Machado, e que nunca mais dançou na Baixa desde que saiu do comando
da Junta de Freguesia de São Bartolomeu. A seguir, Francisco
Queirós, da CDU e a sua senhora, creio. Na mesma linha de direcção
vai Luís Marinho, presidente da Assembleia Municipal. Avista-se
também o ex-presidente Barbosa de Melo, do PSD, agora no contra. E
como se fossem beijar a mão ao Papa, muitos vereadores e deputados,
da cor do executivo e da oposição, esperavam a sua vez. Ferreira da
Silva, vereador eleito pelo movimento Cidadãos por Coimbra, com o
seu inconfundível chapéu de abas largas, dando provimento a um
sorriso rasgado, mostrava que ali, naquele evento solidário, o que
contava mais era a presença de todos e menos “guerras”
políticas fratricidas. Pouco importava se estávamos a menos de um
ano de eleições autárquicas ou não. Interessa ainda menos se em
relação à abertura da Avenida Central, ali próxima e cuja
discussão está em cima da mesa, cada partido político tem a sua
opinião.
Ali,
no Pavilhão da Palmeira, comissários políticos em representação
das suas agremiações, embora estivessem a fazer
política-partidária, o que os movia era algo mais profundo do que a
egoísta captação de votos. Com este seu gesto a favor da
filantropia, mostravam aos conimbricenses que estavam atentos ao que
se passa na cidade e tanto se sentam numa cadeira do Convento de São
Francisco a ouvir a Marisa como numa bancada fria, simples e sem
veludo de honrarias.
E
o agrupamento musical “Casting” atirou a primeira nota
para a primeira dança. José Cruz dirigiu-se ao casal Machado,
presidente da Câmara Municipal e esposa, e convidou-o a abrir o
baile. Com o rodopiar do representante eleito na Praça 8 de Maio,
ouviu-se uma enorme salva de palmas. O povo gostou da generosidade do
“Manel da pêra”. Atrás de mim, o Almerindo Abrolhos, um
reconhecido observador e comentador de tudo o que mexe na Baixa,
atirou: “Ó Luís, já viste que o gajo está mais humilde?
Estou a gostar. Sim, senhor! Ainda dizem que as pessoas não
mudam...!”
POST SCRIPTUM: NENHUM DOS CITADOS POLÍTICOS CITADOS NESTA CRÓNICA ANTECIPADA, TANTO QUANTO JULGUEI SABER, APESAR DE CONVIDADOS SE DIGNOU COMPARECER NESTE EVENTO SOLIDÁRIO.
POST SCRIPTUM: NENHUM DOS CITADOS POLÍTICOS CITADOS NESTA CRÓNICA ANTECIPADA, TANTO QUANTO JULGUEI SABER, APESAR DE CONVIDADOS SE DIGNOU COMPARECER NESTE EVENTO SOLIDÁRIO.
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