POR
MÁRCIO RAMOS
A
Baixa
de Coimbra é constituída por duas zonas, uma que muitos chamam a
baixinha, um bairro típico como se fosse um de Lisboa, com ruas
estreitas, janelas com roupa a secar, e onde os comerciantes se
conhecem. A outra, a das ruas largas, é constituída pela Visconde da
Luz e Ferreira Borges. Engloba-se também Largo da Portagem. A Rua da Sofia, apesar de ser uma via larga, não conta para este campeonato.
Entre ruas largas e estreitas pressinto que há uma “rivalidade” permanente e já desde há décadas. Os da
baixinha queixam-se que todas as iniciativas são feitas nas ruas largas, não cabendo para eles nenhuma animação, e que estes
comerciantes das artérias de cima cativam mais clientes que nas vias afuniladas e onde passam poucas pessoas.
Em parte é verdade, mas,
pensemos, como podem ser desenvolvidas actividades como, por exemplo,
a Feira de Artesanato em ruas tão estreitas? Temos que nos render a
evidência, a parte dos becos e recantos encantados tem ruelas demasiado pequenas para eventos. No
máximo, poderia ser nas praças e pracetas.
Mas, apesar do que
escrevi, não quero dizer que não se possa e deva fazer eventos
nesta zona da cidade. Muito pelo contrario, desde ranchos típicos,
tunas académicas, teatro de rua, até outros festejos elaborados
podem acontecer nesta porção deste centro comercial a céu aberto.
Basta olhar para a programação deste Natal da Câmara Municipal.
Mas
não venho falar disto. Quero contar um caso que, a meu ver, mostra
que os comerciantes da Baixa mesmo com mais animação não acrescentam mais
valor económico aos seus negócios como, alegadamente, se deixa entender em relação
às ruas largas.
Nos
anos de 1980, considerando o apogeu, a Baixa fervilhava de gente. Um
comerciante tinha um estabelecimento numa destas ruas largas onde
vendia os seus artigos com sucesso. De tal forma havia movimento que
tinha também outra loja na baixinha. O negócio corria bem. No fim
da década de 1980 e inicio dos anos 90 como o prédio ao lado estava
à venda decidiu adquiri-lo e da loja pequena que tinha expandiu
pelos dois edifícios. Chegou, inclusive, a ter uma loja num centro
comercial. Da minha janela, via, todos os dias, chegarem encomendas enormes com o produto que vendia. O seu comércio corria
bem.
Nessa altura, este
comerciante tinha a seu cargo mais de 10 funcionários. Dois deles
formavam um casal. Era uma loja-âncora neste centro histórico. Era
(e ainda é) um comerciante bastante reconhecido e muito respeitado por todos. A sua palavra sempre foi equiparada a escritura.
Por motivos vários, com maior nota, a
Baixa iniciou o seu declínio a partir do ano 2000. Quando a
crise começou a apertar ainda mais, a partir de 2004, a zona começou a piorar
drasticamente, mostrando a falta de clientes e projectando a sua desertificação de gentes. Com menos povo, e os
que por cá andavam pouco dinheiro tinham para comprar, o nosso
comerciante de que falamos começou a vender cada vez menos e a perder poder de
compra. Cada mês que passava, assustadoramente rápido, só com os custos com pessoal, era um rombo sofrido no pecúlio amealhado em anos anteriores.
Para tentar manter o barco à tona, encerrou a loja do centro comercial. Continuou, e foi
resistindo mal. A sua loja principal fazia 50 anos. Um marco histórico e importante a que poucos, deste presente e para o futuro, se poderão gabar. Há pouco mais de um ano fechou a outra venda que tinha
nesta zona velha. Apesar da sua vetusta idade e estar cansado, mas sempre mantendo a esperança num horizonte mais
risonho. Afinal, os governos semeiam crescimento económico com a mesma certeza da vinda das ondas no mar. O problema é que os custos fixos, impostos, taxas e outros, são garantidos e as vendas uma mera probabilidade.
A machadada final, soube
eu e perpassou rapidamente pela zona histórica. Foi há cerca de duas semanas.
Este comerciante, há mais de meio século instalado na Baixa, considerado, e que tanto contribuiu para o desenvolvimento desta zona, despediu quase todos seus
empregados. Resta agora apenas uma empregada. E o dono, obviamente.
Receber encomendas é muito raro. Muito raro é também ver entrar clientes -e não é por falta de oferta de produtos. Aquele estabelecimento, com as suas lindas montras, como obra-de-arte, sempre harmonizadas e coloridas, são um espelho do modelo que se pode designar por comércio tradicional.
Em amostra de solidão, num rosto carcomido pela preocupação, hoje, vejo um homem desalentado, como se fosse uma pessoa com uma doença terminal a espera do seu inevitável fim. Da minha janela, vejo-o muitas vezes à porta, pasmado e com o olhar preso em coisa nenhuma, sem aquela animação de outros tempos, vazio de alegria que contagiava quem passava na rua.
Consta-se à boca cheia que depois deste Natal poderá fechar. Se assim for, mais um marco comercial que se vai. Um ícone mítico representativo de uma actividade que, como sempre a conhecemos, está a desaparecer perante os nossos olhos. Uma luz, um símbolo, que se apaga em Coimbra.
Em amostra de solidão, num rosto carcomido pela preocupação, hoje, vejo um homem desalentado, como se fosse uma pessoa com uma doença terminal a espera do seu inevitável fim. Da minha janela, vejo-o muitas vezes à porta, pasmado e com o olhar preso em coisa nenhuma, sem aquela animação de outros tempos, vazio de alegria que contagiava quem passava na rua.
Consta-se à boca cheia que depois deste Natal poderá fechar. Se assim for, mais um marco comercial que se vai. Um ícone mítico representativo de uma actividade que, como sempre a conhecemos, está a desaparecer perante os nossos olhos. Uma luz, um símbolo, que se apaga em Coimbra.
Nenhum comerciante,
depois de tanto dar à cidade, deveria merecer “morrer “ desta
maneira. Uma pena! Deveria poder sair pela porta grande. Nunca pela
pequena, como se de um criminoso se tratasse.
Espero sinceramente,
desejo arduamente, que melhores dias venham para esta Baixa, que
tanto amo e tão bem conheço, e para este comerciante que tanto contribuiu para a sua prosperidade e que tantos ajudou. Está ai à porta o Natal. Acredito que milagres
humanos acontecem. Basta acreditar?
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