O
Arlindo de Almeida Santos, nosso vizinho, e por mim declarado
oficialmente fotógrafo da Baixa de Coimbra, comemorou recentemente
62 anos de actividade. Com 72 anos, feitos em 2 de Abril, está para as
curvas. De pedra e cal, vendo encerrar tudo à sua volta, sobretudo, do que é
loja de fotografia, mantém-se à frente dos estúdios Diorama, na
Rua dos Esteireiros por amor platónico, diz-me no meio de um
sorriso entreaberto entre a seriedade e a matreirice.
Sem querer ser venenoso
-que isso aqui não entra, nem me passa pela cabeça ser-, diria que
se Arlindo fosse filiado no PS, mais que certo, já teria uma medalha
de mérito empresarial da cidade, atribuída pelo executivo
municipal. Se fosse mais novo e tivesse marcado um golo nas redes do
destino, um único golo bastava, provavelmente a JSD, Juventude
Social Democrata, estaria a levar o assunto à Assembleia Municipal
para comendar um dos maiores retratistas ainda a trabalhar na
Zona Histórica. Mas o retratista de quem falo não liga às poucas
vergonhas da política e, sem me confidenciar, acredito, até paga
para não ser “usado” para fins partidários pouco
recomendáveis. E paga já muito pelo desrespeito por ser velho. Acrescento eu que as medalhas municipais atribuídas
deveriam ser pagas pelos proponentes da homenagem. Assim, sem mácula
de qualquer espécie, faria sentido e os políticos da nossa aldeia
-que, por serem oriundos de uma elite, pouco sabem de história e de
vidas- poderiam continuar a jogar à “elegia do coisa nenhuma” e,
pagando do seu próprio bolso, a alimentarem-se da sombra de heróis
imaginários.
UM POUCO DE PASSADO E
MENOS DE FUTURO
Como
milhares de portugueses nascidos nas décadas de 1940/50/60, que
romperam as teias da miséria a trabalhar noite e dia, o Arlindo
nasceu em 02 de Abril, em Arrifana, no Sopé da Serra da Estrela. Com
apenas 10 anos começou a trabalhar numa oficina de fotografia. A
partir daí, como alpinista a escalar a montanha da vida, nunca mais
parou e, em confidência, diz que vai trabalhar até ao último
suspiro. “Os meus amigos dizem que vou morrer aqui. Um dia
chegam cá e eu estou de “pernil estendido". Para mim, isto é uma
carolice, um amor platónico a que não consigo fugir. A fotografia
artística, ou melhor, dita comercial, não tem futuro. Quando os
“carolas” como eu desaparecerem este retratar, tal como o
conhecemos, acabou.”
Em 1982, reunindo 600
pessoas no Estoril, organizou o 1.º Congresso de Fotografia em
Portugal. Ainda se realizaram mais dois, um em Troia e outro em Viana
do Castelo, mas, tal como a arte que os sustentava, caíram para não
mais se erguerem.
E QUEM QUER SABER DA
MEMÓRIA?
Continua
Arlindo, “gostava que as minhas máquinas fossem para um museu.
Gostava que alguma entidade se ocupasse do meu espólio -tenho no meu
acervo largas dezenas de exemplares. Só nestas máquinas gigantes,
que aqui vê, em custo inicial e já amortizado, estão à volta de
cem mil contos, quinhentos mil euros. Em tempos alguém da Câmara
Municipal de Coimbra escreveu-me para doar o meu tesouro. Para ser
franco, o que adorava mesmo era ter o meu próprio museu. Mas, pela
improvável concretização pessoal, não digo que não venha a acontecer um
dia uma doação. Mas, a tornar-se realidade, só o farei quando tiver a certeza de que
ficará em boas mãos.”
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