sexta-feira, 15 de julho de 2016

O ARLINDO, DOS RETRATOS, PRECISA DE UMA MEDALHA MUNICIPAL





O Arlindo de Almeida Santos, nosso vizinho, e por mim declarado oficialmente fotógrafo da Baixa de Coimbra, comemorou recentemente 62 anos de actividade. Com 72 anos, feitos em 2 de Abril, está para as curvas. De pedra e cal, vendo encerrar tudo à sua volta, sobretudo, do que é loja de fotografia, mantém-se à frente dos estúdios Diorama, na Rua dos Esteireiros por amor platónico, diz-me no meio de um sorriso entreaberto entre a seriedade e a matreirice.
Sem querer ser venenoso -que isso aqui não entra, nem me passa pela cabeça ser-, diria que se Arlindo fosse filiado no PS, mais que certo, já teria uma medalha de mérito empresarial da cidade, atribuída pelo executivo municipal. Se fosse mais novo e tivesse marcado um golo nas redes do destino, um único golo bastava, provavelmente a JSD, Juventude Social Democrata, estaria a levar o assunto à Assembleia Municipal para comendar um dos maiores retratistas ainda a trabalhar na Zona Histórica. Mas o retratista de quem falo não liga às poucas vergonhas da política e, sem me confidenciar, acredito, até paga para não ser “usado” para fins partidários pouco recomendáveis. E paga já muito pelo desrespeito por ser velho. Acrescento eu que as medalhas municipais atribuídas deveriam ser pagas pelos proponentes da homenagem. Assim, sem mácula de qualquer espécie, faria sentido e os políticos da nossa aldeia -que, por serem oriundos de uma elite, pouco sabem de história e de vidas- poderiam continuar a jogar à “elegia do coisa nenhuma” e, pagando do seu próprio bolso, a alimentarem-se da sombra de heróis imaginários.

UM POUCO DE PASSADO E MENOS DE FUTURO

Como milhares de portugueses nascidos nas décadas de 1940/50/60, que romperam as teias da miséria a trabalhar noite e dia, o Arlindo nasceu em 02 de Abril, em Arrifana, no Sopé da Serra da Estrela. Com apenas 10 anos começou a trabalhar numa oficina de fotografia. A partir daí, como alpinista a escalar a montanha da vida, nunca mais parou e, em confidência, diz que vai trabalhar até ao último suspiro. “Os meus amigos dizem que vou morrer aqui. Um dia chegam cá e eu estou de “pernil estendido". Para mim, isto é uma carolice, um amor platónico a que não consigo fugir. A fotografia artística, ou melhor, dita comercial, não tem futuro. Quando os “carolas” como eu desaparecerem este retratar, tal como o conhecemos, acabou.”
Em 1982, reunindo 600 pessoas no Estoril, organizou o 1.º Congresso de Fotografia em Portugal. Ainda se realizaram mais dois, um em Troia e outro em Viana do Castelo, mas, tal como a arte que os sustentava, caíram para não mais se erguerem.

E QUEM QUER SABER DA MEMÓRIA?

Continua Arlindo, “gostava que as minhas máquinas fossem para um museu. Gostava que alguma entidade se ocupasse do meu espólio -tenho no meu acervo largas dezenas de exemplares. Só nestas máquinas gigantes, que aqui vê, em custo inicial e já amortizado, estão à volta de cem mil contos, quinhentos mil euros. Em tempos alguém da Câmara Municipal de Coimbra escreveu-me para doar o meu tesouro. Para ser franco, o que adorava mesmo era ter o meu próprio museu. Mas, pela improvável concretização pessoal, não digo que não venha a acontecer um dia uma doação. Mas, a tornar-se realidade, só o farei quando tiver a certeza de que ficará em boas mãos.”  

Sem comentários: