sexta-feira, 8 de julho de 2016

HERÓIS DESCONSIDERADOS À NOSSA PORTA: CENTRO CULTURAL E SOCIAL 25 DE ABRIL






Para uma maioria de conimbricenses, a porta número 92 da Rua da Sofia será simplesmente mais uma entrada para um edifício setecentista numa artéria classificada, pela UNESCO, como Património da Humanidade. Como muito outro edificado desconhecido nesta antiga rua dos colégios, visto de fora, será avaliado como mais um património morto, decrépito, sem actividade e sem alma no seu interior de paredes de pedra com um metro de largura.
Tudo começa pelas 08h00 quando crianças meio-ensonadas, acompanhadas pelos pais, sobem as escadas ladeadas com azulejo século XVII até ao segundo andar. Em baixo, em cima do passeio, sem lugar para estacionamento adequado e para o efeito, viaturas, utilitárias e já com muitos anos de rodado, ficaram por momentos abandonadas e sujeitas a uma coima de um agente municipal pouco compreensivo. Se assim acontecer, e acontece demasiadas vezes, o magro ordenado irá encolher e em algum lado se irá reflectir, mais que certo na mesa e nas refeições pouco abonadas em calorias.
Para uns, para os que ainda têm trabalho, o tempo falta para chegar a horas ao emprego e pouco mais cresce do que dar um beijo furtivo ao miúdo e deixá-lo aos cuidados de uma das funcionárias do jardim-de-infância e tempos-livres. Para outros, há muito sem salário fixo, desempregados de longa duração, vindos das ruas estreitas da Baixa, onde o Sol só toca o chão a partir do Verão e o cheiro a pobreza se entranha nos locatários do casario de antanho, de intra-muros e dos subúrbios da cidade, desde a Adémia, Ingote, Santa Clara e até Montemor-o-Velho. Logo de manhã, num corrupio de abelhas em busca de pólen, pressente-se naquele errante calcorrear de calçada um espírito de missão, a esperança de oportunidades que fintem a desigualdade marcada a ferros de estigma e um amanhã melhor para os petizes. Para qualquer um destes progenitores este espaço solidário é um porto de abrigo, um lugar seguro na cidade alheia aos problemas individuais, uma possibilidade de proporcionar o indispensável aos seus filhos já que, para muitos deles, devido à carência económica, não lhes seria possível dar-lhes o mínimo exigível.

UM POUCO DE HISTÓRIA

Para quem já detém cabelos brancos, deve recordar, no início da década de 1970, a Baixa e a Alta com hordas de miúdos maltrapilhos e descalços, oriundos de famílias numerosas paupérrimas, a estenderem a mão à caridade nas ruas e nas entradas dos cafés. Embora o hábito ratificasse o costume e tornasse insensível o olhar do cidadão comum, a verdade é que a moralidade do Estado Novo dormia muito bem com esta chaga social.
Veio a revolução de Abril de 1974. Foi então que, em Outubro do mesmo ano, um grupo de moradores da Zona Histórica, constituído em comissão, para dar solução a estes quadros negros de miséria infantil que fustigavam a Baixa, decidiram fundar o Centro Social e Cultural 25 de Abril, na Rua da Sofia número 92, segundo andar. Talvez pelos odores revolucionários impregnados na acção só seria legalizada como associação em 1982 e nessa altura, por parte da Segurança Social, foi reconhecido o alto valor humanitário e constituídos acordos para prosseguir o objecto para que tinha sido criada a instituição. Até aos nossos dias, teriam passado por aqui milhares de crianças que, sendo adultos hoje, estarão eternamente gratos aos esforços desenvolvidos por uma equipa guiada pelo lema: fazer bem sem olhar a quem.

E NA ACTUALIDADE? COMO É QUE É?



Hoje sobre o leme de Sandra Campos, directora técnica e a trabalhar na instituição há 24 anos, o Centro Social e Cultural 25 de Abril, como barco a precisar de ir ao estaleiro, contra ventos e marés, continua fiel ao seu destino. Porém com muitas dificuldades.
Como utentes, temos 120 crianças, entre os três e os doze anos, divididas entre jardim de infância e tempos livres, com lotação esgotada e uma enorme lista de espera” -enfatiza Sandra, uma relações-públicas simples, sem peneiras, cuja atribuição de idade será indefinida, de mangas arregaçadas e, intuo, habituada a colocar as mãos na massa e a fazer tudo para que todas as crianças, sem excepção e independentemente do extracto social, não se apercebam das imensas dificuldades diárias.
Prossegue Sandra, “os órgãos sociais são constituídos pelos pais das crianças que frequentam a casa ou já frequentaram. O amor à camisola é diariamente uma prova dada por todos, desde qualquer funcionário até ao presidente, o José Cruz, que, numa entrega total, há vários anos dá aqui muito do seu tempo.
Os nossos maiores espinhos, que tolhem os nossos movimentos diariamente, são as dificuldades financeiras dos agregados familiares dos miúdos. Cerca de oitenta por cento (sobre)vivem com carências económicas. Repare que proporcionamos a todas as crianças o pequeno-almoço, a seguir, a meio da manhã, um reforço e depois o almoço. A meio da tarde, damos o lanche, horas depois, ao cair da tarde, um reforço alimentar e, para os utentes mais necessitados, ainda enviamos jantar. Notamos que o bem-estar das famílias está a deteriorar-se. Temos 15 miúdos que estão a ser acompanhados pela CPCJ, Comissão de Proteção de Crianças e Jovens.
Mantemo-nos no fio da navalha. Quinze por cento das famílias associadas não pagam. Noventa e cinco por cento pagam até 40.00 euros. Só para cinco por cento a mensalidade vai acima dos 50.00 euros. A mais elevada é de 118.00 euros.
Tenho de confessar que estamos a entrar em rotura financeira. Os ordenados dos 12 funcionários estão a começar a ser melindrados. Neste mês de Julho, estamos a liquidar o Maio -obviamente com algum atraso.”

O IGUALITARISMO QUE PROVOCA DESIGUALDADE DA SEGURANÇA SOCIAL

Prossegue Sandra Campos, directora do Centro Cultural e Social 25 de Abril, “o nosso maior problema são os critérios de atribuição de verbas publicadas em Diário da República e distribuídas pela Segurança Social. As tabelas são atribuídas a todos por igual sem levar em conta as carências económicas dos agregados familiares, como é o nosso caso. Tanto recebemos nós, como o jardim-escola João de Deus, a Bissaya Barreto, ou qualquer IPSS, Instituição Particular de Solidariedade Social, nas mesmas condições consignadas nas tabelas. Ora, está de ver, tendo em conta as forças de cada entidade, o fosso é enorme.
O que nos vale são as imensas ajudas desinteressadas de cidadãos anónimos que entendem o nosso objecto social.”

E OS POLÍTICOS DA NOSSA PRAÇA?

Com franqueza, só temos de agradecer o empenho do Dr. Jorge Alves, responsável pelo pelouro da Acção Social e Família e vereador da Câmara Municipal de Coimbra. Já reunimos várias vezes este ano e, tenho a certeza, pela sua grande experiência na área social, reconhece o valor e a importância que desempenhamos na comunidade. O esforço deste edil tem sido inexcedível no apoio. A divisão que superintende tem sido o nosso abrigo. Assim como também para a União das Freguesias agregadas o nosso muito obrigado. Temos batido a todas as portas! Infelizmente, mesmo assim, a situação está a piorar. Como náufragos em mar alto, em nome das nossas crianças, precisamos de auxílio.”

E O QUE DIZ O PRESIDENTE?


José Cruz, reconhecido empresário hoteleiro, sócio do vetusto Café Santa Cruz, é o presidente da direcção e, desempenhando várias tarefas, está no Centro Cultural e Social 25 de Abril há cerca de uma dezena de anos. Com algum pesar, lamentando as ondas alterosas que a instituição que comanda atravessa, vai dizendo: “estamos implementados numa zona problemática, que abarca a Baixa e outras áreas com manchas elevadas de pobreza, com o desemprego a aumentar. As famílias, sem emprego, sem rendimentos, têm muitas dificuldades. O Centro Social está há sete anos com resultados negativos. E o que mais me preocupa é que a situação tende a agravar-se. Apelo às entidades responsáveis, ao tecido social da cidade, da Baixa em particular, que nos ajudem nesta aflição. São 120 crianças que precisam de todos nós.
Aproveito este meio para agradecer encarecidamente ao vereador Jorge Alves, da Câmara Municipal de Coimbra, ao Dr. Jorge Antunes e ao senhor Hélder Abreu, da União de Freguesias agregadas, ao senhor Victor Marques, presidente da APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, que recentemente organizou a campanha do “Bacalhau Solidário”, cuja verba será entregue brevemente. Gostaria também de enviar um agradecimento ao presidente do executivo, Manuel Machado, que, embora ainda não nos recebesse pessoalmente, tem delegado no vereador do pelouro, Dr. Jorge Alves.
Apesar de insuficiente, é por verificar que somos apoiados que continuo a exercer o cargo de presidente desta tão digna e meritória associação.
Por último, como quem não pede não ouve Deus, gostaria de chamar a atenção do executivo para as nossas depauperadas instalações. Apesar de algum conflito latente entre o proprietário do edifício e o Centro Cultural, o inquilino, levantando a bandeira do bem-fazer social, temos tentado prosseguir o nosso caminho. Contudo, apesar de estar muito longe do necessário, só teremos sede assegurada até 2021. Após esta data o senhorio pode resolver o contrato de arrendamento.”

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