Sobre
o lema “Sons na Cidade”, que vai na terceira edição,
numa parceria entre a Universidade de Coimbra, a Câmara Municipal, a
Associação Ruas e a APBC, Agência para a Promoção da Baixa de
Coimbra, numa produção de Jazz ao Centro Club (JACC), este ano o
tema foi a memória. Com variações artísticas de performance,
passando pelo Ateneu de Coimbra, a materialização veio a desembocar
num velho armazém de fazendas situado na Rua Velha, em pleno coração
da cidade -uma criação de Ricardo Kalash e Catarina Pires. O Plano
era, através de objectos que recordam esta área comercial, mostrar
uma outra Baixa desaparecida e que, progressivamente, foi ficando
soterrada nas catacumbas do progresso.
Uma
ideia fantástica, digo eu, se não fosse apresentada à cidade como
um programa genial mas, na logística, tratada com um amadorismo que
brada aos céus.
Como ressalva, fui
contactado pelos dois organizadores, Ricardo Kalash e Catarina Pires,
para colaborar. Desde o primeiro momento me disponibilizei a cooperar
gratuitamente. Aliás apresentei a ideia de colocar no “museu”
uma exposição sobre pessoas que deambulam ou, porque desapareceram
do mundo dos vivos, deambularam na zona histórica. O pressuposto era
homenagear pessoas que, na sua indissociável diferença,
encontramos, ou encontrámos, todos os dias e nada sabemos delas.
Sobre o tema “Rostos Nossos (Des)conhecidos”, o assunto era mostrar uma série de
fotografias e, numa resenha a enaltecer a sua passagem, contar a sua
história. Há cerca de uma década que, para que a memória não se
perca, desempenho este “trabalho” no blogue Questões Nacionais.
Em conversa posterior,
foi acordado que enviaria para o email da organização uma série de
fotos para que fosse escolhido um número indeterminado de imagens.
De um leque de uma centena, optei por remeter quatro dezenas e fiquei
a aguardar a resposta. Foram escolhidos vinte eleitos. Passados uns
dias, no meu estabelecimento, fui abordado por Catarina Pires a
interrogar se já tinha as narrativas de cada um prontas. Respondi
que até essa altura, como não me me tinha sido comunicada a opção final e por isso mesmo, ainda não tinha escrito. Pedindo desculpa, respondeu
a senhora que, com a azáfama, se tinha esquecido. Poderia eu, sem
falta, escrever a história individual dos vinte no dia
seguinte? Ficou também combinado que posteriormente eu levaria cada
um dos retratados vivos a visitar a exposição. Cumprindo
escrupulosamente, no dia subsequente, durante todo o dia e até às
21h00, escrevi a súmula das histórias de vida de cada um dos
notáveis escolhidos.
Foi a inauguração e,
quando visitei no dia seguinte a exposição, verifiquei que as
fotografias tinham sido coladas numa parede a esmo e sem regra
identificativa. Em baixo, junto ao chão, estavam meia dúzia de
desdobráveis onde se fazia referência ao autor das fotos (eu) e a
narrativa de cada um dos representados. Naturalmente, como as
fotografias não estavam numeradas, quem pegasse na folha dobrada não
sabia a quem correspondia. Chamei a atenção para o facto à
organização e disponibilizei-me a fazer o trabalho em computador.
Por Catarina Pires foi recusada ajuda e foi dito que iriam ser
criados novos desdobráveis com fotos inseridas. Nada disso foi
realizado e, porque entretanto esgotaram os explicativos em papel, as
fotos permanecem presas na parede a fazer interrogar os visitantes de
quem se trata e o que farão ali. Num completo desrespeito pelos
“homenageados” nada se sabe sobre aquelas pessoas.
Por outro lado, para além
da localização na Baixa ser incipiente, estando a maioria das vezes
fechado -mesmo até quando anunciado para estar aberto-, com várias
dezenas de pessoas a demandarem o local, não se consegue entender o
critério seguido. O alegado foi que não havia disponibilidade de
meios para o manter aberto mais tempo.
Nem tudo foi mau,
saliento. Teve muitos bons momentos de boa prestação, como, por
exemplo, a de Maria Toscano, escritora e performer. E é
precisamente por ser uma excelente ideia que, numa tentativa de fazer
questionar futuras iniciativas, que, como é hábito numa cidade em
que tudo está bem e curvada sobre o seu emérito lustro, ouso romper
o provável nevoeiro ovacionado de sucesso. Bem sei que, mais que
certo e redondinho, vou ser acusado de “bota-abaixista”.
Mas, como já nem estranho, acho normal. Por muito que custe e seja
incómodo, alguém tem de dizer as verdades. Neste caso, talvez
porque tenha vocação para mártir, o masoquista sou eu.
Hoje,
por volta do meio-dia, quando o Giusepe, mais conhecido por “Pino”,
um dos presentes na mostra, pretendia visitar a exposição, tive
vergonha de ter “usado” a sua fotografia e ter sido maltratada da
maneira que considero ignóbil. Como me cabia, pedi-lhe desculpa
-aliás, a meu ver, sem as legendas elogiosas a organização pode ser passível de
demanda judicial por exploração abusiva de imagem.
No mínimo, espero que
este projecto mal sucedido, que foi meritório na intenção mas,
pelo “fazer em cima do joelho”, deixa muito a desejar, em futuras edições seja
repensado.
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