sábado, 2 de julho de 2016

MUSEU TEMPORÁRIO DE MEMÓRIAS, UMA OPORTUNIDADE GANHA PARA A BAIXA?







Sobre o lema “Sons na Cidade”, que vai na terceira edição, numa parceria entre a Universidade de Coimbra, a Câmara Municipal, a Associação Ruas e a APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, numa produção de Jazz ao Centro Club (JACC), este ano o tema foi a memória. Com variações artísticas de performance, passando pelo Ateneu de Coimbra, a materialização veio a desembocar num velho armazém de fazendas situado na Rua Velha, em pleno coração da cidade -uma criação de Ricardo Kalash e Catarina Pires. O Plano era, através de objectos que recordam esta área comercial, mostrar uma outra Baixa desaparecida e que, progressivamente, foi ficando soterrada nas catacumbas do progresso.
Uma ideia fantástica, digo eu, se não fosse apresentada à cidade como um programa genial mas, na logística, tratada com um amadorismo que brada aos céus.
Como ressalva, fui contactado pelos dois organizadores, Ricardo Kalash e Catarina Pires, para colaborar. Desde o primeiro momento me disponibilizei a cooperar gratuitamente. Aliás apresentei a ideia de colocar no “museu” uma exposição sobre pessoas que deambulam ou, porque desapareceram do mundo dos vivos, deambularam na zona histórica. O pressuposto era homenagear pessoas que, na sua indissociável diferença, encontramos, ou encontrámos, todos os dias e nada sabemos delas.
Sobre o tema “Rostos Nossos (Des)conhecidos”, o assunto era mostrar uma série de fotografias e, numa resenha a enaltecer a sua passagem, contar a sua história. Há cerca de uma década que, para que a memória não se perca, desempenho este “trabalho” no blogue Questões Nacionais.
Em conversa posterior, foi acordado que enviaria para o email da organização uma série de fotos para que fosse escolhido um número indeterminado de imagens. De um leque de uma centena, optei por remeter quatro dezenas e fiquei a aguardar a resposta. Foram escolhidos vinte eleitos. Passados uns dias, no meu estabelecimento, fui abordado por Catarina Pires a interrogar se já tinha as narrativas de cada um prontas. Respondi que até essa altura, como não me me tinha sido comunicada a opção final e por isso mesmo, ainda não tinha escrito. Pedindo desculpa, respondeu a senhora que, com a azáfama, se tinha esquecido. Poderia eu, sem falta, escrever a história individual dos vinte no dia seguinte? Ficou também combinado que posteriormente eu levaria cada um dos retratados vivos a visitar a exposição. Cumprindo escrupulosamente, no dia subsequente, durante todo o dia e até às 21h00, escrevi a súmula das histórias de vida de cada um dos notáveis escolhidos.
Foi a inauguração e, quando visitei no dia seguinte a exposição, verifiquei que as fotografias tinham sido coladas numa parede a esmo e sem regra identificativa. Em baixo, junto ao chão, estavam meia dúzia de desdobráveis onde se fazia referência ao autor das fotos (eu) e a narrativa de cada um dos representados. Naturalmente, como as fotografias não estavam numeradas, quem pegasse na folha dobrada não sabia a quem correspondia. Chamei a atenção para o facto à organização e disponibilizei-me a fazer o trabalho em computador. Por Catarina Pires foi recusada ajuda e foi dito que iriam ser criados novos desdobráveis com fotos inseridas. Nada disso foi realizado e, porque entretanto esgotaram os explicativos em papel, as fotos permanecem presas na parede a fazer interrogar os visitantes de quem se trata e o que farão ali. Num completo desrespeito pelos “homenageados” nada se sabe sobre aquelas pessoas.
Por outro lado, para além da localização na Baixa ser incipiente, estando a maioria das vezes fechado -mesmo até quando anunciado para estar aberto-, com várias dezenas de pessoas a demandarem o local, não se consegue entender o critério seguido. O alegado foi que não havia disponibilidade de meios para o manter aberto mais tempo.
Nem tudo foi mau, saliento. Teve muitos bons momentos de boa prestação, como, por exemplo, a de Maria Toscano, escritora e performer. E é precisamente por ser uma excelente ideia que, numa tentativa de fazer questionar futuras iniciativas, que, como é hábito numa cidade em que tudo está bem e curvada sobre o seu emérito lustro, ouso romper o provável nevoeiro ovacionado de sucesso. Bem sei que, mais que certo e redondinho, vou ser acusado de “bota-abaixista”. Mas, como já nem estranho, acho normal. Por muito que custe e seja incómodo, alguém tem de dizer as verdades. Neste caso, talvez porque tenha vocação para mártir, o masoquista sou eu.
Hoje, por volta do meio-dia, quando o Giusepe, mais conhecido por “Pino”, um dos presentes na mostra, pretendia visitar a exposição, tive vergonha de ter “usado” a sua fotografia e ter sido maltratada da maneira que considero ignóbil. Como me cabia, pedi-lhe desculpa -aliás, a meu ver, sem as legendas elogiosas a organização pode ser passível de demanda judicial por exploração abusiva de imagem.
No mínimo, espero que este projecto mal sucedido, que foi meritório na intenção mas, pelo “fazer em cima do joelho”, deixa muito a desejar, em futuras edições seja repensado.

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