Bom dia, camarada Marcelo -por inerência,
Presidente da República. Como não é a primeira vez que te escrevo, estou certo,
não vais estranhar que te trate por tu. Lembro-te que ao dirigir-me assim é na
linha de informalidade e quebra de
protocolo que tanto defendes.
Escrevo-te esta missiva, caro
colega –escrevo assim porque também sou o presidente do meu largo, não eleito
mas isso não interessa nada- para te convidar a quebrares, mais uma vez, o articulado
do cerimonial. Então é assim: conforme li, no próximo dia 17 deste mês de Abril,
a convite do nosso confrade José Dias, estudante, que tem como função acessória
ser presidente da Associação Académica de Coimbra (AAC), vens à Lusa Atenas.
Segundo o anunciado, na origem deste convite está a ideia de visitares algumas
residências universitárias, no âmbito de uma jornada de sensibilização para os
problemas da acção escolar. A data, tanto quanto julgo saber, tem a ver com o 17
de Abril de 1969 quando Alberto Martins, na altura presidente da AAC,
interrompeu Américo Tomaz e pediu a palavra.
Ora o que me lembrei? Como tu és
danado para as surpresas –estou a lembrar-me daquele teu momento de povo de
levares a cachaça à velhinha-, como estás em Coimbra, ias lá cumprir a tua
missão com o camarada José Dias lá na Alta e, estou certo, vais almoçar às
cantinas universitárias –nem te estou a ver num qualquer restaurante de luxo.
Davas uns abracinhos ao pessoal do Paço das Escolas, fazes o institucional discurso
na Faculdade de Direito –fica descansado que ninguém te vai pedir a palavra- e assim
que te pudesses pisgar, descias as
Escadas de Quebra Costas, vinhas à Baixa ter comigo e levava-te a conhecer os
problemas dos comerciantes. Aposto que ias ficar surpreendido pelo desânimo de
abandono a que toda a classe está sujeita. Não sabes, mas ficas a saber que,
escandalosamente, os comerciantes entrados em insolvência não têm direito a
subsídio de desemprego. Sabes qual é a desculpa apregoada pelo anterior
Governo? É que quem tiver dívidas ao Estado não pode ser beneficiário do
subsídio. Não sei se estás a acompanhar este ridículo?!? Qualquer empresário
entra em falência por estar bem de vida. É assim uma escolha de entrar no mundo
da indigência apenas para saber como é. Estás a ver, não estás?!?
Certamente deves saber que este
assunto miserável –pelo desligamento da desgraçada classe política
governamental- passou no programa “sexta às 9”, há cerca de dois meses. Nem me surpreendo se, agora que o PSD está
na oposição, esta seja uma das 35 medidas a apresentar hoje por Passos Coelho.
Estás a imaginar a minha indignação?
Como tenho alguma esperança que
este Governo do “Tonito” Costa pegue
no assunto, continuo sentado à espera. Mas tu conheces melhor o “Toino” do que eu e deves saber que ele
só agarra nisto se deres um empurrão. Por conseguinte, camarada, já deves estar
a pressentir a razão do meu convite. Era tiro e queda, companheiro! Com as
câmaras de televisão todas atrás de ti, acompanhava-te numa visita ao comércio
da Baixa. Tenho a certeza, a coisa desbloqueava-se imediatamente. Tu tens
poder. Muito poder! Repara que não estou a pedir nada que não seja constitucionalmente
de direito. Estamos perante um procedimento desigual, discriminatório, para
cidadãos que trabalharam a vida inteira e merecem duplamente o apoio social que
o Estado deveria estar obrigado a conceder e não se decide.
Falas muito em “revolução silenciosa e dar a conhecer a realidade” quando discursas
para os jovens. Então aceita o meu repto. Vem cá falar aos velhos como eu! Se
aceitares, gostava de te oferecer uma lembrança, algo simbólica, um gesto
popular de que tanto gostas: vais lanchar comigo ao Mijacão –é uma tasca da Baixa- e vamos comer uma sandocha de carapau em molho de
escabeche e bebemos um copo de bom tinto.
Não precisas de confirmar a tua vinda. Basta
apareceres. Sei que és menino para o
fazeres. Surpreende-me, Marcelo!
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