quarta-feira, 6 de abril de 2016

CARTA AO CAMARADA MARCELO: PEÇO A PALAVRA





Bom dia, camarada Marcelo -por inerência, Presidente da República. Como não é a primeira vez que te escrevo, estou certo, não vais estranhar que te trate por tu. Lembro-te que ao dirigir-me assim é na linha  de informalidade e quebra de protocolo que tanto defendes.
Escrevo-te esta missiva, caro colega –escrevo assim porque também sou o presidente do meu largo, não eleito mas isso não interessa nada- para te convidar a quebrares, mais uma vez, o articulado do cerimonial. Então é assim: conforme li, no próximo dia 17 deste mês de Abril, a convite do nosso confrade José Dias, estudante, que tem como função acessória ser presidente da Associação Académica de Coimbra (AAC), vens à Lusa Atenas. Segundo o anunciado, na origem deste convite está a ideia de visitares algumas residências universitárias, no âmbito de uma jornada de sensibilização para os problemas da acção escolar. A data, tanto quanto julgo saber, tem a ver com o 17 de Abril de 1969 quando Alberto Martins, na altura presidente da AAC, interrompeu Américo Tomaz e pediu a palavra.
Ora o que me lembrei? Como tu és danado para as surpresas –estou a lembrar-me daquele teu momento de povo de levares a cachaça à velhinha-, como estás em Coimbra, ias lá cumprir a tua missão com o camarada José Dias lá na Alta e, estou certo, vais almoçar às cantinas universitárias –nem te estou a ver num qualquer restaurante de luxo. Davas uns abracinhos ao pessoal do Paço das Escolas, fazes o institucional discurso na Faculdade de Direito –fica descansado que ninguém te vai pedir a palavra- e assim que te pudesses pisgar, descias as Escadas de Quebra Costas, vinhas à Baixa ter comigo e levava-te a conhecer os problemas dos comerciantes. Aposto que ias ficar surpreendido pelo desânimo de abandono a que toda a classe está sujeita. Não sabes, mas ficas a saber que, escandalosamente, os comerciantes entrados em insolvência não têm direito a subsídio de desemprego. Sabes qual é a desculpa apregoada pelo anterior Governo? É que quem tiver dívidas ao Estado não pode ser beneficiário do subsídio. Não sei se estás a acompanhar este ridículo?!? Qualquer empresário entra em falência por estar bem de vida. É assim uma escolha de entrar no mundo da indigência apenas para saber como é. Estás a ver, não estás?!?
Certamente deves saber que este assunto miserável –pelo desligamento da desgraçada classe política governamental- passou no programa “sexta às 9”, há cerca de dois meses. Nem me surpreendo se, agora que o PSD está na oposição, esta seja uma das 35 medidas a apresentar hoje por Passos Coelho. Estás a imaginar a minha indignação?
Como tenho alguma esperança que este Governo do “Tonito” Costa pegue no assunto, continuo sentado à espera. Mas tu conheces melhor o “Toino” do que eu e deves saber que ele só agarra nisto se deres um empurrão. Por conseguinte, camarada, já deves estar a pressentir a razão do meu convite. Era tiro e queda, companheiro! Com as câmaras de televisão todas atrás de ti, acompanhava-te numa visita ao comércio da Baixa. Tenho a certeza, a coisa desbloqueava-se imediatamente. Tu tens poder. Muito poder! Repara que não estou a pedir nada que não seja constitucionalmente de direito. Estamos perante um procedimento desigual, discriminatório, para cidadãos que trabalharam a vida inteira e merecem duplamente o apoio social que o Estado deveria estar obrigado a conceder e não se decide.
Falas muito em “revolução silenciosa e dar a conhecer a realidade” quando discursas para os jovens. Então aceita o meu repto. Vem cá falar aos velhos como eu! Se aceitares, gostava de te oferecer uma lembrança, algo simbólica, um gesto popular de que tanto gostas: vais lanchar comigo ao Mijacão –é uma tasca da Baixa- e vamos comer uma sandocha de carapau em molho de escabeche e bebemos um copo de bom tinto.
Não precisas de confirmar a tua vinda. Basta apareceres. Sei que és menino para o fazeres. Surpreende-me, Marcelo!

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