Ex.mo Senhor P. C., confesso que hesitei em responder-lhe. E porquê? Por que me parece completamente fixado na sua razão e não admite outro argumentário em desfavor. E quando assim é, é o mesmo que estar a falar com surdos – com a devida atenção por estes, obviamente.
Mesmo assim, com todo o respeito pelas suas ideias, como não gosto de fugir a um bom debate contraditório, vou permitir-me discordar.
Começando ponto por ponto, pelo princípio, da sua explanação, passando a redundância:
“Existe uma verba atribuída pelo governo central que se destina ao apoio à cultura, cultura essa onde está inserida e literatura seja ela de que estilo for ou com que propósito.”
Penso que não estamos a falar da mesma coisa. O que refere, penso, é um subsídio de Mérito Cultural, para escritores com obra literária bem firmada.
“Toda a obra literária, quando apresentada proposta de apoio a uma entidade governamental local ou nacional, essa mesma proposta é discutida em assembleia, sobre qual o apoio a oferecer ao autor, quais os meios que estarão ao seu dispor, qual o montante a atribuir e o número de exemplares a adquirir por essa mesma entidade governamental”
Está enganado quando afirma que “toda a obra literária” – o que é uma obra literária? Só pode ser assim chamada depois de classificada por entidades competentes - quando apresentado pedido de apoio a uma entidade governamental, terá uma resposta sobre qual o apoio, o montante a atribuir. Seria assim se, por um lado, vivêssemos num mundo perfeito, por outro, estivesse plasmado na Constituição da República que todo o cidadão tem direito a publicar um livro.
Acontece que existe o direito individual desde que seja a expensas próprias, por exemplo, Edição de Autor e através de patrocinadores.
“A verba atribuída anualmente pelo governo central a fim de permitir às autarquias terem disponibilidade financeira nos mais variados setores como a cultura, educação, saúde, etc deve ser empregue na totalidade para financiar e apoiar cada sector sobe pena de ao não ser empregue na totalidade nesse mesmo ano no ano seguinte possam existir cortes e penalizações nessas mesmas verbas para o sector que não as utilizou na totalidade.”
É verdade que uma parte das verbas para as autarquias provém do Orçamento Geral do Estado, da transferência para as autarquias locais, mas sua distribuição é da inteira responsabilidade camarária através do Orçamento/GOP anual. No caso da Cultura, com a verba elencada previamente, aprovada no ano anterior, cabe ao vereador da cultura, sem fugir à inscrição, fazer uma equitativa, justa e ponderada boa execução.
“Portanto, a meu ver e no meu entender esses valores não têm que ser expostos na praça pública, devem sim ser considerados e contabilizados nas contas internas da autarquia, mais tarde serem apresentados e descriminados para o governo central os valores atribuídos a cada autor, projecto ou investimento.”
Mais uma vez, com o devido respeito, o caro amigo está enganado. Mesmo que seja um cêntimo, é obrigação das autarquias exporem as contas com transparência. Esse trabalho também cabe por inteiro à oposição, no executivo, e à Assembleia Municipal, que é o órgão fiscalizador local, Tribunal de Contas - e à Inspecção Geral de Finanças, entidade que supre-entende. Se não fosse assim, estaríamos a admitir sacos azuis nas autarquias. Por isso mesmo é que decorrem no todo nacional processos de peculato e outros, precisamente por as contas não serem transparentes.
“Dos dois livros que editei e apresentei ao público tive apoios, no primeiro mais e no segundo menos, mas tive, livros esses que não ofereci a ninguém, vendi, porque o meu trabalho literário tem um preço e seja ele qual for é muito ingrato para quem dedica horas intermináveis a um projecto não ver nenhum tipo de rendimento do mesmo e depois se essas verbas são atribuídas porque não apresentarmos o nosso projectos a fim de podermos tirar algum partido disso!?”
Já sabe a minha opinião, mas vou repetir: Primeiro, antes de ser apoiado qualquer livro pela autarquia, uma comissão independente deve pronunciar-se acerca do conteúdo ser, ou não ser, de relevante interesse municipal. Não o sendo, não deve ser apoiado. Tratando-se de romance ou outra obra não considerada de interesse maior, deve este conto, em paridade com outros, ser remetido para o concurso literário, bienal, António Augusto Costa Simões, instituído em 2019.
Repare, não havendo critérios, estamos a transformar a Câmara Municipal da Mealhada numa editora de livros. Ora, como deve calcular, essa não deve ser a sua função.
Vai desculpar a expressão, mas assim qualquer um é escritor. Com as costas do meu pai também sou um grande homem.
Mais ainda, se o seu livro foi integralmente apoiado pela Câmara, a totalidade de volumes da primeira edição deveria ficar refém da edilidade para distribuir gratuitamente pelos munícipes.
Se a sua obra foi, por exemplo, apoiada em 50%, logo, por inerência, metade da primeira edição ficará para a Câmara Municipal e para esta distribuir gratuitamente pelos habitantes do Concelho.
Um escritor “amador”, em começo de carreira, salvaguardando a minha inexperiência, não pode pensar em ganhar dinheiro. Para pensar assim, arrisca uma carreira profissional, ou, numa carreira acessória, a expensas suas, edita os seus livros em Edição de Autor com ajuda de patrocinadores.
Só uma pergunta: quem se dedica de corpo e alma a escrever sobre questões de cidadania na Internet, será que também não perde tempo, e até tem mais aborrecimentos? Nesse caso, segundo a sua óptica, estamos perante uma enorme discriminação. Não acha?
“Por exemplo os agricultores não recebem verbas de apoio!? Não oferecem o produto ao consumidor final pois não!? Investigadores, farmacêuticas, indústria automóvel, etc... Na sua maioria recebe incentivos para determinado produto e onde quer que seja adquirido tem que se pagar.. (...)”
Deve saber melhor do que eu que os agricultores recebem subsídios por duas premissas. Primeira, é considerada uma actividade de risco – se está mal classificada? Se calhar! Mas isso não interessa para aqui agora.
Segundo, estes subsídios à agricultura também são atribuídos por força da nossa adesão à Comunidade Europeia. E porquê? Pelos chamados índices de compensação, ou seja, por uns países serem menos competitivos na produção de certos bens.
Investigadores e farmacêuticas, penso, já se deverá considerar aceitável pelo mérito futuro.
Já na indústria automóvel, como sabe, é uma iniquidade. Esta indústria europeia é apoiada para manter os custos mais baixos e assim, sendo super-protegida, evitando a sua importação massiva, para poder competir com a China, Índia e Estados Unidos.
“Agora pergunto eu: Porque é que um autor literário tinha que oferecer o fruto do seu trabalho, dedicação e esforço!?”
Faço-lhe a pergunta ao contrário: porque é que um autor literário que, fazendo dessa actividade um hobby, tendo outra profissão a tempo inteiro, tem de ver subsidiada a sua carolice com dinheiro dos nossos impostos?
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