É o retrato actual de uma família portuguesa, com
certeza. Casal de meia-idade, dois filhos, um solteiro e outro divorciado, ambos
escravos da droga –um seguidor das leves, cannabis,
outro das duras, heroína-, dois netos.
O chefe da casa já foi um grande comerciante e prestador de serviços. Já teve
lojas, prédios, bons carros e boas motas. Por problemas vários, em que
naturalmente presidiu a pouca disciplina orçamental, o fisco tudo levou. Hoje o
ex-empresário, diabético e a viver de biscates, arrasta-se pelo crepúsculo dos
dias. Num lar onde a violência marca o compasso do tempo, onde falta o
essencial e cresce o desnecessário, há de tudo, desde o filho mais velho a bater
no pai e este a, verbalmente, a chegar ao insulto à esposa e, pelo desgaste e
falta de carinho, esta a afastar-se cada vez mais do marido, ali falta tudo,
desde a paz até ao pão e passando pelos medicamentos. Aquela casa é um presídio
sem barras físicas onde todos estão amarrados uns aos outros, quer por falta de
coragem em libertar-se, quer pelo pouco que os liga e, no fundo, constitui a
massa agregadora que os une. Pelo falhanço na vida, uns são a projecção de
outros.
Com parte do ordenado arrestado pelo tribunal,
a mulher trabalha há décadas numa grande superfície da cidade. Como é óbvio,
este caso dramático não passou despercebido ao gabinete de recursos humanos da
grande área comercial. Há pouco foi-lhes concedido um cartão gratuito, mensal, com
um plafond de 200 euros para compras alimentares na
entidade empregadora. Exceptua-se álcool e sumos. Só mesmo bens de primeira necessidade. Foi-lhes também oferecido um crédito, por seis meses,
para compra de medicamentos, sobretudo, para liquidação da dívida na farmácia.
Para além disso, foi subvencionado ao casal apoio jurídico para requisitar ao
tribunal a insolvência particular. Para isso, foram programadas as deslocações
ao Porto, com tudo pago desde comboio a táxi, até aos escritórios da empresa.
Colocando de lado tudo o quanto as grandes
superfícies foram até agora a causa e o efeito da destruição do comércio tradicional das
cidades portuguesas, é preciso separar o trigo do joio e relevar o que tem de
ser enaltecido. Sem identificar as partes, é preciso dar ênfase a este gesto
humanitário. Era bom que fosse seguido por outras entidades comerciais.
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