terça-feira, 24 de maio de 2016

COMÉRCIO: UM QUADRO QUE MOSTRA TUDO






Promovido pela NERC, Associação Empresarial da Região de Coimbra, e em parceria com a APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, e com a participação da CCP, Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, foi anunciado um encontro para as 18h00 de ontem com empresários dos sectores de comércio e serviços no Café Santa Cruz. Segundo o plasmado publicamente, a intenção deste evento no coração da Baixa comercial seria, primeiro, formalizar o acto do NERC como o mais recente associado à CCP e, em segundo, à boleia do primeiro e para captar a atenção dos empresários, discutir dois temas: “legislação do Arrendamento Urbano” e “Fiscalidade e Burocracia”.
Às 18h30 a sala do vetusto estabelecimento apresentava, à entrada, uma mesa com um grupo de estrangeiros em amena cavaqueira em som no máximo e onde, de vez em quando, saiam umas risadas que abafavam até o ruído do moinho de café e, lá mais para o fundo, sobressaía um painel da NERC, com uma imagem de aperto de mão e a mensagem “Juntos somos mais fortes”, e várias cadeiras vazias –aquela figuração imagética funcionava ali como uma ironia, era como se aquelas cadeiras desocupadas e encimadas pelo apelo à unidade dissessem tudo. Parecia que ali se iria desenrolar uma sátira, uma comédia, ao comércio tradicional. Uma peça de teatro falhada, com os artistas a defenderem um texto fora de contexto, muito batido, sem rasgo e pouco elaborado, no tema para um público que, provavelmente adivinhando antecipadamente o enredo, descredibilizando os actores, não compareceu à estreia.

UMA PEÇA PARA AUTO CONSUMO

O painel era constituído por Vitor Marques, presidente da APBC, Horácio Pina Prata, presidente da NERC, João Vieira Lopes, presidente da CCP, e Vasco de Mello, vice-presidente da confederação patronal.
Especulando, vejamos o que poderia ter levado os ilustres palestrantes a promover este encontro.
Vitor Marques, jovem, economista e empresário –sócio e herdeiro do historial do mítico Café Santa Cruz-, inteligente, frio e racional, determinado, dinâmico e ambicioso, adivinha-se uma necessidade de protagonismo, de ocupar um cargo político futuramente num governo local liderado pelo PS. Mais que certo, iremos ouvir falar dele no futuro.
Horácio Pina Prata, ex-vice-presidente da Câmara Municipal, ex-presidente da ACIC, Associação Comercial e Industrial de Coimbra –esta associação com mais de 150 anos está insolvente-, engenheiro, homem de rasgo para a criação de necessidades, aparentemente, arrumou a ambição política no armário e, declaradamente, está lançado na via empresarial e na exploração do vazio deixado pela ACIC –ontem, com uma simpática estagiária a pedir contactos e a distribuir sorrisos, eram visíveis os panfletos desdobráveis com uma ficha de inscrição no interior.
João Vieira Lopes, desde 2010, presidente da CCP –que representa 100 associações do sector e que englobam mais de 200 mil empresas responsáveis por mais de 50 por cento do emprego no país-, segundo o jornal Público, “é administrador da Euromadiport, integrada na maior central de compras e serviços de operadores da distribuição independentes na Península Ibérica e na Europa, e da central de compras cooperativa portuguesa Unimark”.
Salvo melhor apreciação, seguindo a linha dos antecessores, tem feito um percurso apagado, sem grande rotura com o situacionismo decadente. Muitas declarações, com frases bombásticas, que vão de encontro à indispensabilidade de defender o comércio de rua, mas, na prática, não passa disso mesmo: fumo sem fogo. Em metáfora, é um barco que navega com terra à vista. Do que vi ontem –e, obviamente, não serve de conclusão- é uma líder embaciado, com um discurso verbal pouco mobilizador e menos como catalisador de reviravoltas.
É de prever que veio ontem a Coimbra mais por “frete” a Horácio Pina Prata –e à NERC-, sobretudo pela validação da adesão, que por missão empresarial.
Vasco Mello, vice-presidente da CCP, pela dissertação mais do mesmo, apresentou-se no Café Santa Cruz como uma extensão de Vieira Lopes.

JÁ NEM A VINDA DE DEUS CHAMA NINGUÉM

Seria de supor que a vinda do presidente da CCP a Coimbra, quer para a imprensa local, quer para os empresários, seria um acontecimento mediático, de casa cheia e de muitas perguntas e respostas. Salvo erro, a última vez que um presidente da CCP esteve em Coimbra a dirigir-se aos comerciantes, no salão nobre da ACIC, foi José António Silva, no início do milénio. Na altura, fez o mesmo que os políticos fazem na arte do convencimento: grande alarde na verve e pouca acção subsequente. Ou seja, baralhar e dar de novo para tudo ficar pior. O comércio, nos últimos vinte e cinco anos, tem sido isto mesmo, muito por culpa dos seus representantes eleitos, sempre a utilizarem os cargos, bem pagos, para outros altos voos.
Exceptuando o Diário as Beiras –que fez uma peça baseada em declarações de início de presença, do jornalista António Rosado-, praticamente todos os jornais, diários e semanários, da cidade ignoraram o acontecimento –o que leva a supor que para virar as luzes da ribalta sobre o comércio tradicional é preciso anunciar previamente um enforcamento em directo.

E LEVANTA-SE O PANO

Quando se ouviram as pancadas de Molière, na assistência, à espera do que viria a seguir, apenas estavam presentes três comerciantes, um prestador de serviços, um representante de uma farmácia e mais quatro pessoas.
Já que quem não prometeu estar não compareceu, deu-se início ao encontro, falando para os anjos.

JÁ QUE TEM DE SER…

O grande Horácio (Pina Prata) deu as boas-vindas. Seguiu-se Vitor Marques com uma narração já conhecida –lá atrás, na sala, os estrangeiros, falando alto e em risotas latínicas, pareciam determinados em não deixar ouvir as prédicas dos ilustres palestrantes. Depois falou Vieira Lopes e Vasco de Mello –como não se esforçaram muito para tornar interessante o sermão no café vazio, não vou reproduzir nada.

OLHOS NOS OLHOS

A pasmaceira estava em curso. Foi então que um tipo pouco ortodoxo –por acaso fui eu-, que tem a mania, gosta de dar nas vistas e é do pior para os “políticos”, resolveu acordar o sono do presidente da CCP. Atirei assim: olhos nos olhos, senhor engenheiro Vieira Lopes –e ele, como picado por uma vespa, levantou o olhar. Há muito que sigo o seu percurso como líder da CCP e membro da Concertação Social. Entendo a sua preocupação em defesa das empresas, dos vivos, mas gostava de o ver defender na Concertação os comerciantes insolventes e que, escandalosamente, (sobre)vivem na miséria. É preciso ajudar os vivos mas sem esquecer os mortos. O senhor, enquanto presidente da CCP, tem essa obrigação. Vou estar atento às suas próximas participações. Não vai ser a última vez que nos vamos encontrar. Recorde a minha cara. Voltarei a interpelá-lo sobre este assunto.
Armindo Gaspar, ex-comerciante, que sabe como ninguém como o Estado castiga e é injusto para quem trabalha uma vida, veio em meu socorro e atirou: “é escandaloso o que se passa com muitos ex-empresários. Recentemente, para ajudar nos primeiros tempos um comerciante que, depois de 38 anos de descontos para a Segurança Social, perdeu tudo e ficou a receber um subsídio de 178 euros, tivemos de organizar um jantar. É uma vergonha acontecer uma coisa destas!”
A resposta de Vieira Lopes foi assim: “a lei 12/2013 foi proposta pela CCP. De facto, nas últimas reuniões da CCP, ainda não levámos o assunto a este Governo.”

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