TESTO ESCRITO A QUATRO
MÃOS.
POR MÁRCIO RAMOS E LUÍS
FERNANDES
Gosto de habitar em Coimbra, nesta zona
histórica da Baixa. Em boa verdade, desde que tenho memória, não vivi noutro
local, mas adoro o ambiente, do som, dos ruídos de fundo, do cheiro. A minha Rua
Visconde da Luz, durante anos, foi sofrendo alterações, algumas bastante
evidentes como a retirada de trânsito. No início e junto a Santa Cruz, há cerca
de uma dezena, e meia de anos foi a requalificação da Praça 8 de Maio, implicando
com esta alteração uma controversa rampa de acesso para rebaixamento do piso em
frente ao terreiro da vetusta catedral. Outras houve, embora mais camufladas
mas que alteraram a paisagem urbana, como o fecho e reabertura de lojas, e restauração
de alguns prédios. Um deles imensamente belo e bem recuperado é o da Casa dos Enxovais. O espaço desta loja que abrange dois edifícios tem um deles com a
fachada forrada a azulejo azul.
Sendo a minha rua um canal, uma
passagem de constantes grupos de turistas, às vezes, é vê-los com as suas máquinas
fotográficas a fazerem bonecos. E bom verificar que captam imagens a locais
belos para ficar na memória colectiva –com este acto, sem o saberem, chamam-nos
a atenção para cantos e recantos que, normalmente pela rotina, nos passam ao
lado. A meu ver, alimenta-nos a alma e dá prestígio a cidade.
Noutros tempos e durante mais de
meio-século, houve uma loja muito importante na minha artéria. Pequena no
espaço mas grande pelo servir a cidade, a Sapataria Elegante foi muito
apreciada e valorizada. Como tudo na vida, teve o seu tempo de glória, nasceu,
cresceu, atingiu o apogeu, decresceu e morreu. Desapareceu a velha marca e a casa foi vendida.
Os novos proprietários quiseram
fazer obras, recuperar o edifício, dar uma outra dignidade que outrora o prédio
não teve. Alegadamente, começaram mal. Elevaram o prédio, até a altura do
edificado que estava ao lado, segundo se consta sem licença camarária, e as
obras foram embargadas há vários anos. Segundo os adquirentes, não havia nenhuma
lei que não o permitisse. Segundo a edilidade, esta obra sem projecto desvirtuou
o edifício. Resultado desta guerra? As obras foram abandonadas e a “Elegante”,
perante a imperativa legalidade da autarquia e a aparente teimosia do novo
proprietário, cheia de mazelas, parece fitar os transeuntes com uma tristeza de
tocar o mundo.
Confesso, não domino a lei
relativa a embargos, mas também não preciso de ser pintor de arte para saber se
um quadro está ou não bem pintado. Ou seja, dá para ver que neste esticar de
corda, com posições radicais, quem paga é a cidade, a Baixa, que sente e
sofre a agressão de um problema paisagístico que deveria ter solução rápida e
arrasta-se nas calendas.
O que sei é que, pela
razoabilidade, pelo bem maior público, é urgente resolver esta situação, que não
é única na Baixa, basta lembrar o Largo da Freiria –com um prédio em obras abandonado
há cerca de uma década-, o Beco das Canivetas e a Rua da Louça -com edifícios cuja propriedade está atribuída
à Câmara Municipal e que se encontram desprezados e sem utilidade há muitos anos.
É bom de ver que muitos “abortos” da Baixa que denigrem o
ambiente, se houvesse interesse da edilidade em resolver o assunto, poderiam
apresentar uma outra valência para o Centro Histórico.
Voltando ao prédio de “A Elegante”, a verdade
é que se verifica ser já para os turistas um “ex libris”. No topo do, junto ao
telhado, cresce uma planta já de alguma proporção que rivaliza com a torre da
Universidade.
Como residente da Baixa, como
habitante da cidade, tenho vergonha por este estado caótico de abandono. Sinto
pena que o turista que visita Coimbra leve na memória não só o melhor da
cidade, mas também o seu pior.
1 comentário:
"não domino a lei relativa a embargos"
Eu explico como é a lei dos embargos em qualquer lado do mundo: Constrói sem licença, a câmara manda parar as obras. Pronto, foi rápido.
O senhor proprietário resolveu, sem dar cavaco, construir até à cércea do prédio confinante. Foi isso? Ora, a câmara terá achado, e bem, que a configuração, incluindo cércea, dos edifícios da rua Visconde da Luz era para manter ou para alterar só com muito cuidadinho. É que essa rua não é uma rua de uma urbanização dos arredores, em que os prédios podem (e se calhar até devem) ficar todos à mesma altura, da mesma cor, etc.
O autor apenas fala em ele ter subido a altura do edificado. Mesmo que não haja mais nada, isso a mim basta-me para justificar um embargo.
Eu, que nem sou machadista, acho que desta vez quem está a tentar dar ou manter dignidade na zona e no prédio é a câmara. Qualquer câmara municipal no mundo, mas mesmas circunstâncias, faria o mesmo.
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