sexta-feira, 1 de junho de 2007

OS POLÍTICOS QUE MERECEMOS

(IMAGEM DE LEONARDO BRAGA PINHEIRO)



 Segundo o Diário de Notícias de ontem, 23 de Maio, é dado como certo que o governo vai pagar a campanha para a Câmara Municipal de Lisboa. E que, por isso mesmo, pretende avançar com a mudança da lei eleitoral, de forma a que todas as candidaturas sejam financiadas por dinheiros públicos –extractos retirados do jornal Diário das Beiras.
Não há dúvida de que, cada vez mais, somos um país com dois sistemas. Um (DOMINANTE), que será os dos privilegiados, os do vértice da pirâmide, entre eles os administradores de empresas cotadas em bolsa, cujos aumentos chegarão aos 350 por cento ( in jornal público de 07 de Maio de 2007), administradores de empresas de capitais públicos, funcionários públicos em topo de carreira, bem como os políticos “profissionais” partidários e também os mais ricos deste pais, e, quase paradoxalmente, os que estão na base, constituídos pelos subsídiodependentes, que nada fazem, nada produzem e vivem, literalmente, à custa do sistema.
Outro sistema (DOMINADO) será constituído pelos restantes, ou seja, pelos destroçados que restam de uma classe média, outrora forte e representativa, que movimentou este país, e hoje é o saco de boxe, onde os ditos privilegiados dão pancada e treinam novas medidas extorsivas, de modo a que à custa da sua debilidade económica, física e anímica, aqueles, como vampiros sugando o sangue às suas vítimas se vão alimentando e tornando mais fortes.
Uma classe média que vê desmoronar-se o Estado Providência por gestão danosa, peculato e apropriação ilegítima, de administradores nomeados pela sua cor, tantas vezes camaleónica, e que a única experiência que tiveram em gestão foi gerir (mal) a mensalidade patrocinada por seus pais, enquanto estudantes nos bancos da Universidade.
Uma classe média que vê, diariamente, desaparecerem direitos básicos fundamentais, como a saúde, com o encerramento esquizofrénico de maternidades e os SAP (serviços de atendimento permanente), como o ensino, levando ao fecho desmesurado de tantas escolas pelo país e que eram garante de permanência de agregados familiares e que, inevitavelmente, vão conduzir a uma acentuada desertificação do interior.
E como se não chegasse, vem o ministro dizer que está a pensar alterar o sistema de financiamento do Serviço Nacional de Saúde, propondo o fim da isenção das taxas moderadoras para todas as crianças com menos de 12 anos e, como fosse pouco, o fim das isenções fiscais nos custos da saúde. É pertinente perguntar ao senhor ministro:
Não estará a pensar também obrigar os casais a pagarem, ainda que por presunção, um imposto sobre as relações sexuais praticadas? Ora nem é muito dificil, há estudos sobre a regularidade mensal do acto…é só fazer as contas.
O que não deixa de ser curioso, e apenas o refiro sob o ponto de vista histórico, é que Salazar, durante a vigência do Estado Novo, premiava, com prémios pecuniários, os casais que tivessem muitos filhos. Refiro este facto, hoje considerado anacrónico, apenas para reflectirmos.
Uma classe média que vê o Estado assumir cada vez mais um controlo, tornando-se estado-polícia, sobre todos os seus actos e cada vez menos liberal, como apregoa. Um Estado que, por um lado, está a tornar-se cada vez mais neoliberal em relação ao colectivo, através da cedência de serviços públicos para privados e desonerando-se da sua necessária função reguladora, cedendo aos grandes grupos económicos, em detrimento do pequeno negócio familiar, levando este à sua extinção e desaparecimento total. Transformando o universo comercial numa espécie de selva, onde sobrevirá apenas o mais forte. Por outro lado, em relação ao individual, torna-se concentracionista e invasor da sua esfera privada, imiscuindo-se, no absurdo, nos seus gostos particulares –veja-se por exemplo as novas restrições ao tabaco- e absorvendo, todos os dados pessoais do indivíduo e, com esse conhecimento, poder controlar todos os seus passos, fazendo juz às professias Orewllianas.
Um Estado neoliberal para o que lhe convém e limitador da liberdade contratual. Veja-se o absurdo controle e interferência que é feito no Regime de Arrendamento Urbano, em que, pela sua invasão na livre negociação particular, todos estamos a pagar caro, nomeadamente, na decrepitude das zonas velhas das cidades e no contínuo aumentar dos juros, em que pouco falta para o caos social das famílias que, acreditando em promessas de estabilidade, adquiriram casas, pensando puder suportar as mensalidades, e hoje são confrontados com a falência técnica iminente. E a procissão ainda vai no adro: em Espanha, devido aos aumentos de juros, começa-se a assistir já a um “crash” na construção, onde os imóveis, adquiridos em alta, estão continuamente a desvalorizar-se.
Uma classe média que cada vez mais sente a precariedade do trabalho e, com angústia, vê o seu futuro mais carregado de negro e um mês que, pela carestia da vida, num ápice, se transforma em duas semanas, prazo temporal da duração do seu magro orçamento.
Uma classe média que vê, como mau exemplo, a alteração e a rescisão unilateral do vínculo contratual, por parte do empregador Estado, em relação aos funcionários públicos, quando esse mesmo Estado, sendo o "Prius", o "Quid", o "Primado", deveria, obrigatoriamente, zelar pelo cumprimento da lei, dos usos e bons costumes. Assim como, se assiste a uma absurda avaliação, destes mesmos funcionários, por notas dadas por superiores hierárquicos, quando esta avaliação deveria ser, obrigatoriamente, exarada por uma entidade externa e independente.
Avaliação do funcionário, cuja nota depende do tempo que perde com um utente que recorre aos serviços públicos, tempo esse controlado pelos chefes em cerca de 6 minutos para cada recorrente que necessite de ajuda. Pouco importa o conteúdo da informação, o que interessa é o racionalismo e a contenção de custos. A onde nos levará esta (i)racionalidade?...O tempo, a breve prazo, o dirá.
Uma classe média que vê o contínuo aumento das custas judiciais, sonegando, com esse artifício, o constitucional direito de aceder à justiça, numa tentativa vã de dirimir a litigância crónica. Quando o que o Estado deveria fazer era apostar na educação cívica, no escrupuloso cumprimento bilateral dos contratos, tentando incutir a “honra” desaparecida desde o tempo dos nossos pais. Além disso, e necessariamente, contrariamente ao seu normal procedimento, deveria responsabilizar a montante, a quem concede, num facilitismo exacerbado, acesso a créditos pecuniários, telemóveis e outros desmesurados bens de consumo.
Uma classe média que vê o Estado preocupar-se mais com o delinquente, através de uma extensa panóplia de Direitos, Liberdades e Garantias, e na sua ressocialização. Parodoxalmente, esquece-se dos legítimos direitos indemnizatórios da vítima, fazendo esta penar de recurso em recurso, intentado pelo agressor e apelando a Deus para que a acção não prescreva.
Uma classe média esfrangalhada que vê, por parte do Estado, uma elevada e descarada protecção a algumas minorias, sabendo que esta subserviência mina a autoridade e põe em causa a equidade entre os cidadãos. Depois brada-se aos céus quando se vê o recrudescimento e o renascimento de partidos ligados a ideologias identificadas com a extrema –direita e nomeadamente nazi.
Uma coisa é certa, cada um terá sempre o que merece. Isto é, a sua recompensa será sempre proporcional ao seu grau de exigência e comportamento nesta vida (ou espaço de vida) que nos cabe individualmente. E, em conformidade com este pensamento, tenho a certeza absoluta de que temos os políticos que merecemos.
Gostaria de acabar esta crónica com uma notícia boa, positiva. Confesso que, se calhar, neste encadeamento pessimista, esqueci-me, de certeza das coisas boas. Mas entenderão: estou cansado! Deixo esse trabalho para quem comentar este texto. Porque há muitas coisas boas, tenho a certeza absoluta.


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