terça-feira, 19 de junho de 2007

2-COIMBRA: UMA CARA SEM VERGONHA

(FOTO DE LEONARDO BRAGA PINHEIRO)
  Segundo O Diário as Beiras de hoje, dia 19 de Junho, noticiava que ontem, numa sessão de Câmara algo profícua ou talvez não, o Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Carlos Encarnação, num diálogo estilizado em que só um fala e outro não responde, foi acusado pelo vereador e ex-presidente da autarquia, Pina Prata, de “perseguição e gestão incapaz”. Continuando a citar este diário, “o social-democrata ex-vice-presidente da autarquia e ex-presidente da Associação Comercial e Industrial de Coimbra (ACIC), acusou, ontem, o presidente da autarquia, Carlos Encarnação, de perseguição e de gestão inconsequente e tecnicamente incapaz do município. Disse ainda que Encarnação não consegue pôr a instituição e o interesse público acima dos seus sentimentos de perseguição”.
Continuando a citar as acusações proferidas pelo vereador Pina Prata, noticiadas no mesmo jornal, é referido por aquele que “o contrato programa com o Turismo de Coimbra é o exemplo gritante do contínuo boicote de projectos existentes e a machadada final em projectos que eu tive ocasião de criar, pôr em pé e desenvolver”. Exemplificou com a Turismo de Coimbra, que disse ser “uma farsa e diferente do que foi aprovado pela Câmara de Coimbra e pela Assembleia Municipal de Coimbra”, e com a Associação das Festas da Cidade e da Rainha Santa Isabel, que será agora absorvida pela empresa municipal e à qual, segundo Pina Prata, a autarquia deve 650 mil euros.
Mas foram muitos outros os projectos que o ex-vice-presidente disse que Encarnação está a aniquilar: o observatório económico; o Parque Empresarial de Taveiro, o Mercado D.Pedro V, as Águas de Coimbra, que, disse, “estão em auto-gestão”, entre outros. “já para não falar das pessoas que comigo trabalhavam no GDEPE (Gabinete de Desenvolvimento Económico e Política Empresarial) e que ficaram cá, que são perseguidas e prejudicadas no seu desempenho profissional”, acusou, sem concretizar. Esta acusação já havia, recorde-se, sido feita, depois de lhe terem sido retirados os pelouros por Encarnação, continuando a citar o Diário as Beiras.
“O senhor tem uma incapacidade substantiva em alhear-se da realidade e ansiedade das gentes de Coimbra, o que leva à não acção das forças que estão sob o seu comando. Senhor Dr. Carlos Encarnação, pensei que conseguisse pôr a instituição e o interesse público acima dos seus sentimentos de perseguição, mas não e verifica-se que tem um conceito que é o dinástico”, rematou Pina Prata, acusando o presidente da autarquia e, ainda, citando o mesmo jornal. Disse ainda o vereador “que o facto de se manter em funções o presidente do concelho de administração das águas de Coimbra (AC), que foi substituído em Maio passado, por deliberação da autarquia, configura uma ilegalidade e torna alegadamente ilegais todos os actos tomados desde então”. Carlos Encarnação acabou por não tecer qualquer tipo de comentário às considerações do seu ex-vice-presidente, remata o jornal.
Quem leu até aqui, certamente, uma das conclusões que tirará, em jeito de balanço, é de que, de certeza absoluta, o presidente da autarquia é de um partido contrário ao do vereador citado. Pois, surpresa das surpresas, o presidente e o agora acusador são ambos da mesma família partidária, génese de Sá Carneiro. É evidente, também, que a oposição nesta câmara, nomeadamente o PS, podem até ressonar nas sessões que com amigos destes não é preciso ter inimigos, como quem diz opositores. E, entre o revanchismo e o zangar das comadres, assim, sem ser preciso fazer absolutamente nada, basta assistir à digladiação entre estes irmãos desavindos.
Mas há uma questão pertinente que salta à vista; afinal quem é o vereador, travestido de acusador público, boa consciência da inconsciência pesada de outros, poderá ele, duma forma algo libertina, macular-se de pudor, vestindo-se agora de anjo de S.Gabriel e vir matar o dragão?
Vamos, por momentos, fazer uma resenha histórica deste homem, que teve Coimbra a seus pés e, por demasiada ambição ou não –a história se encarregará de o julgar- perdeu tudo: a notoriedade e uma brilhante carreira politica. Hoje, para gáudio dos seus arqui-inimigos, vêem no seu estrebuchar, disparando em todas as direcções, o estertor, a morte política de um homem inteligentíssimo que, por opções que o destino tece, ou tecidas ardilosamente por pessoas que ele julgava camaradas, mas que, ao mínimo deslize, espetam uma faca nas costas do amigo usado nas suas ambições de poder desmesurado. Alguém disse um dia que a politica partidária é como o comércio internacional, interessa o objecto a alcançar e pouco ou nada de amizades. E, como ponto comum, quanto mais poder, maior meio de influência e maior possibilidade de alcançar os objectivos pretendidos. O problema é conseguir percorrer este sinuoso caminho minado pela ambição humana e chegar ao fim incólume.
Mas vamos então tentar traçar o currículo do engenheiro Pina Prata. Até 1997 esteve à frente da Anje (Associação de Jovens empresários ). Em princípios de 1998, foi convidado para presidir à ACIC. Esta associação, centenária de interesse público, estava a viver um momento muito difícil da sua história, quer economicamente, quer identitariamente. Por outro lado, a cidade era comandada pelo socialista Manuel Machado há mais de uma década. Este economista, embora tendo o mérito de conseguir controlar completamente as finanças da autarquia, por esta altura, talvez fruto do seu notável percurso, duma forma arrogante, encetou uma guerra surda contra tudo e todos, nomeadamente, associações cívicas e culturais. Ora, todos sabemos, os sistemas desmoronam-se ao serem minados por três poderes: pela força militar, pela rebeldia inconsequente dos jovens e pelo minar constante das mentes, através dos paladinos da cultura intelectualizada.
Coimbra, tal como Portugal, sofre há séculos do mito Sebastianista. Com o cenário atrás descrito, estavam criadas as condições para a emergência de um salvador que libertasse a cidade do poder machadista. E Pina prata, com toda a sua inteligência, duma forma brilhante, soube antever que em terra de cegos quem tem olho é rei. No primeiro mandato à frente da ACIC, 1998 a 2001, este homem, demagogicamente ou não, conseguiu pôr Coimbra no mapa. Duma forma planeada e ardilosa, desencadeou uma guerra contra o poder do executivo machadista, de desgaste por um lado, e de apresentação de projectos megalómanos por outro, que embora nunca passassem do papel, ajudaram a elevar a autoestima da urbe, acompanhados, sempre, por chavões psicanalíticos e normalmente muito bem publicitados nos média da cidade. Ele, enquanto presidente da ACIC, neste triénio, soube rodear-se, para além de um acessor de imprensa, de pessoas-chave, estrategas de gabinete, como ele, que pensavam tudo, até ao mais ínfimo pormenor. Além disso, senhor de uma persuasão e carisma inexplicável, conseguiu “usar”, na ACIC, toda uma equipa, uns desinteressadamente por amor à camisola, outros, de uma forma calculista, vendo nele uma escada para chamarem a si uma fatia de poder ou virem a realizar negócios no futuro à custa da sua notoriedade.
Perante este trabalho político, inevitavelmente Manuel Machado perdeu as eleições no início de 2002. Estava escancarada a porta de acesso ao poder, ou seja, Coimbra rendia-se completamente a uma nova filosofia social-democrata. E aqui começa o caminho ascensional, mas muito pedregulhoso e minado, com minas anti-pessoais contra a demasiada ambição. Ascende a vice-presidente de Carlos Encarnação mas comete um erro que lhe vai ser fatal: continua como presidente da ACIC. Não é preciso ser muito sábio para perceber que são dois lugares incompatíveis. Mas ele, estranhamente não o percebeu. Enquanto presidente da ACIC, perante os seus pares, propugnava a defesa do comércio tradicional e a não implementação de novas grandes superfícies. Enquanto vice-presidente da Câmara Municipal foi inaugurar o Retail-Parque de Eiras, consubstanciando a sua satisfação pela vitalidade e modernidade do comércio de Coimbra. Uma espécie de Olívia-patroa e Olívia-empregada. Como se não chegasse, acumulava ainda com a presidência das Águas de Coimbra. E, como se fosse pouco, ainda tinha as suas empresas. Era muito poder para um homem só. Os seus pares que lhe estenderam o tapete vermelho e o ajudaram a eleger encarregaram-se de, fatalmente, lho puxarem de forma brusca e o homem estatelou-se completamente ao comprido. Foi demitido por Carlos Encarnação.
Pelo meio ainda faz umas habilidades orgânicas para tomar a maioria do capital do “Coimbra Inovação Parque”, retirando a posição maioritária da autarquia.
Dos seus amigos de curta data, restarão muito poucos. Hoje, este homem, numa espécie de contorcionismo, vai clamando contra o que outrora fora a favor, defendendo o que noutro tempo, de forma displicente negligenciara e ostracisara. É uma pena.
Trabalhei, por acasos do destino, com este homem inteligentíssimo. Sei do que falo. Ele perdeu, mas, por incrível que pareça, Coimbra perdeu muito mais.

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