sexta-feira, 8 de junho de 2007

AS PALAVRAS QUE, NO SILÊNCIO, NUNCA PROFERIREI






 O que nos aconteceu? Porque, estando juntos, nos afastámos a ponto de nem nos falarmos? Até “os bons dias” saem, em sussurro, como se esforçados, tirados a ferros do fundo de nós? Porque nem nos olhamos? Nem vês a minha camisola nova. Nem reparas que estou mais pálido e magro. Eu olho para ti, apenas de perfil, ou então quando caminho atrás de ti, nunca de frente, como, se ao fazê-lo, evitando fitar-te e entrar dentro dos teus olhos, pensasse que ficaria fragilizado e, assim, essa minha vulnerabilidade fosse aproveitada por ti e, nesse caso, deixaria de poder usufruir do meu pedestal construído nos confins do meu orgulho, ao qual já me habituei, como se ele fosse a minha defesa, o meu escudo e, desse altar imaginário, pudesse continuar a justificar o silêncio que, como barreira intransponível, se instalou entre nós. Um silêncio que fere mais do que uma filarmónica, com os seus metais agudos a ribombar junto aos nossos ouvidos.
O que aconteceu aos nossos carinhos, àqueles toques no teu cabelo, no teu rosto, que eu afagava e beijava sofregamente, do mesmo modo, igual, há três dezenas de anos atrás?
O que mudou para deixarmos desaparecer aquele desejo animal, que nos fazia rolar no chão, na cama, no sofá, em cima da mesa da sala? Porque parecemos, hoje, duas pessoas que mal se conhecem e tudo fazem para evitar “encontrar-se”, quando, outrora, foram amantes inseparáveis e cada um era como o verso e o reverso, a metade complementar do outro? O que fez separar dois siameses e os transformou em dois estranhos (des)conhecidos que nada têm em comum, a não ser os filhos e as recordações que irão encher, de nada, uma mala vazia? Que nos irão marcar, como fantasmas presentes, no resto das nossas vidas? Aquela foto, aquele objecto, naquele lugar onde estivemos um dia? Aquele mar, nosso confidente, aquelas areias que, juntos, pisámos e que um dia, nelas, te escrevi um poema de amor que uma onda mais afoita apagou, como se, esse acto presciente, adivinhasse que, um dia, todo o nosso amor, também, assim, se esfumaria no ar, como bruma nublosa, numa manhã primaveril, varrido pelo sol, insensível aos gemidos e lamentos dum poeta por ter perdido a sua fonte inspiradora.
O que aconteceu àquelas juras de amor eterno e planos para envelhecermos juntos? E, lembras-te?, quando víamos um casal de velhotes abraçados e neles, como projecção futura, nos repercutíamos e antevíamos trôpegos, surdos e balhelhas, de bengala, amparados um ao outro, como paradigma dum enleio e deleite dos nossos netos.
O que aconteceu àquelas mensagens de amor, em verso, e às rosas vermelhas, como sangue correndo em direcção ao coração? Quem morreu? Foram as rosas ou foi o coração?

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