sexta-feira, 16 de julho de 2021

MEALHADA: NÓS POR CÁ…

 



MEALHADA: NÓS POR CÁ…


SAIR MELHOR QUE A (EN)COMENDA


1 - A história que vamos contar começa no Dia da Cidade da Mealhada, comemorado em 13 de Maio, com a atribuição de Medalhas de Mérito a diversos munícipes ilustres radicados no Concelho. Entre os agraciados estava o comandante do Destacamento de Anadia da GNR que integra os Postos de Anadia, Sangalhos, Mealhada, Bustos e Oliveira do Bairro, Cláudio Lopes, capitão da GNR.

Manda o bom-senso que uma autarquia – e sobretudo quando é de pequena dimensão - nunca deve homenagear o cura (padre), o comandante da polícia, o director do hospital, o Chefe do Serviço de Finanças e o/a presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), acima de tudo, se estiverem em exercício de funções. E porquê?

Vamos por partes. Porque no caso do presbítero, sendo um ministro da Igreja, e só a esta dever obediência, como contacta directamente com as gentes mais humildes, tomando conhecimento através do seu múnus das suas alegrias e tristezas, sendo um pastor de almas capaz de arrebanhar facilmente o povo que frequenta os templos da paróquia, deve ser um humanista de espírito livre e, se preciso for, ter a coragem de, nas suas homilias, denunciar atrocidades desencadeadas pelo poder político. Facilmente se vê a incompatibilidade de receber uma comenda pelo poder que tem por função observar e repreender discretamente. Se assim acontecer, se for condecorado, facilmente passa de pastor a ovelha servilista do regime.

Já com os outros elementos, nomeadamente o comandante da polícia, o director do hospital, o Chefe do Serviço de Finanças e o/a presidente da CCDR, por serem representantes de um poder fiscalizador autónomo entre eles e facilmente gerador de conflito, nunca devem receber uma comenda da entidade que lhes cabe supervisionar.

Pelas razões que se adivinham, se alguma destas entidades tiver sido louvada em sessão pública e for preciso intervir, quer a edilidade que concedeu o tributo, quer o agraciado que foi consagrado, por a sua independência ter ficado beliscada, fica limitada no seu âmbito de intervenção futura.

Prestes a saltar para o segundo ponto, já se vislumbra onde quero chegar. E não é só agora que escrevo sobre este manifesto conflito de interesses. Em 10 de Maio, com o título “Mealhada e os laureados no dia do município”, escrevi o seguinte:

Ressalvo que não tenho a honra de conhecer o digníssimo capitão, nem me move qualquer animosidade pessoal contra este senhor ou a força que representa.

Será que um elemento de uma polícia que, no activo, exerce fiscalização num concelho que lhe concede uma das mais altas distinções não poderá condicionar a sua independência e imparcialidade no seu desempenho? No limite, até acredito que não vai influenciar, mas que não fica bem, isso não. Nem a quem lha concede, nem a ele que a vai receber.


2 – Nas últimas semanas, paulatinamente, através das redes sociais, fomos tomando contacto com os lamentos de vários munícipes queixando-se de, por motivo de obras sobre responsabilidade camarária, numa espécie de “raid” diário, terem sido autuados várias vezes por agentes da GNR, por estacionarem em frente às suas casas em estradas municipais, aliás, onde sempre fizeram – sabe-se, naturalmente, que as aldeias não têm parques de estacionamento.

Perante esta alegada e desenfreada caça à multa, tendo os moradores feito chegar as reclamações à Câmara Municipal o que fez esta entidade representativa?


-Pediu uma audiência ao comandante do Destacamento de Anadia, capitão Cláudio Lopes (o agraciado no dia do município)?

- Fez uma exposição ao Ministério da Administração Interna, invocando excesso de zelo, abuso de autoridade?

- Pediu a intervenção da IGAI, Inspecção Geral da Administração Interna para avaliar o desempenho dos agentes de segurança?


Aparentemente nada disso foi desenvolvido.

Em contrapartida, no site do município, fomos confrontados com um comunicado onde se proclamava o seguinte:


A Câmara Municipal da Mealhada passou a ter competências no domínio do estacionamento público, mas os municípios pertencentes à CIM- Região de Coimbra (CIM-RC) estabeleceram protocolo com essa entidade para tramitação dos processos. Face ao número elevado de autos levantados em diversas aldeias do Município com constrangimentos ao tráfego, a Câmara da Mealhada explica que os munícipes não devem proceder ao pagamento da coima e devem aguardar pelo processo de contraordenação, no qual serão ponderadas as circunstâncias que motivaram a multa.”


3 – Ou seja, a câmara municipal, juntamente com a CIM, numa contra-procedência inexplicável, sendo uma entidade estatal incentiva os cidadãos a impugnar e a adiar o pagamento ao Estado.

Por outro lado, pasme-se, chamando a si os várias sujeitos processuais da justiça, neste intrincado de coimas leves, passou a ser advogado de defesa dos contraventores, advogado de acusação e juiz (em causa própria).

Não é preciso der bruxo para adivinhar que os autuados podem dormir descansados. Em princípio, em ano santo de eleições, vão ser todos amnistiados.

Mas há uma questão que se impõe: este procedimento de perdão cria um precedente vinculativo para o tempo que há-de vir. No futuro, como é que se vai fazer com as coimas relativas a estacionamento no Concelho?

Para o ano quem vai ser medalhado?


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