sábado, 20 de outubro de 2018

EDITORIAL: ESCREVER NA FOLHA BRANCA

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)






Depois de um fim-de-semana infernal, em que a destruição, em maior ou em menor grau, tocou todos, segue-se a contabilização dos milhões. Assim, seguindo o costume português de na primeira fase cada concelho procurar ser o maior na desgraça, tal como em Pedrogão com os incêndios, daqui a meses na subsequência, vai observar-se o apuramento de responsabilidades criminais por fraude. Tal como o fado será sempre cinzento e amargurado, por extensão, os portugas, que somos todos, na hora do aproveitamento escabroso, estarão sempre prontos a triplicar uma realidade ocasional.
Individualmente, quer sejamos portugueses, franceses, alemães ou outro povo qualquer no mundo, na sua idiossincrasia, seremos assim tão diferentes? Se calhar não! E vale mais deixar de pensar que pela diferença, não tendo nada a ver com os maus, nós somos os bons. Dentro de qualquer de nós, talvez porque é a nossa essência humana, existirá sempre uma Maria Leal qualquer pronta a vestir a indumentária camaleónica do novo-riquismo e a dar o golpe do baú. 
Numa espécie de doutrina marxista seguida à letra em cartilha universal, todos abominamos o grande capital, que nos há-de submergir, afirmamos com ênfase, mas, na hora de escolher o lugar e tomar os lucros, escolhemos a ganância. Provavelmente o maior sonho da humanidade é ser rico… para ser feliz – o que, digo eu, o dinheiro não será exactamente a chave que abre a fechadura da felicidade. O que, por conseguinte, nos leva a pensar que a satisfação é apenas um estado de alma incipiente e precário que balança entre coisinhas menores, como o que entendemos por bem e por mal. Por outras palavras, um pobre, sem o peso agregador de bens tangíveis, pode ser rico no constante sorriso marcado no rosto e um multimilionário, mesmo na sua opulência de abastança, pela tristeza impressa nos traços, pode ser um indigente digno de pena.
Não deixa de ser curioso que, certamente pela coincidência do Outono, por um lado, a Natureza, pelos incêndios do ano passado e pelo temporal deste ano, nos mostrar que, perante a sua imensa grandiosidade, somos meros papagaios de papel que, sem qualquer peso pela classe social, voam em ventos ciclónicos agitados. Por outro, os Governos, com a apresentação anual do Orçamento Geral do Estado, com o recurso coercitivo de regulação societária, sempre a crucificarem com maior crueldade os habituais que se esfalfam para viverem com dignidade, para distribuir pelos mesmos que nada fazem, encarregam-se de a médio prazo acabar com a acumulação de riqueza privada. Presumivelmente, caminharemos para um Estado ditatorial e absolutista, dono disto tudo. Pelos constantes abusos e atentados à propriedade privada, cá chegará o tempo - e os jovens caminham apressadamente neste sentido - em que, por opção, não quereremos ser donos de nada.
Valerá a pena pensar nisto?


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