Estamos
a 31 de Outubro, num outono vermelho sem igual. A dois meses da
passagem de Ano Novo, com o Inverno a bater à porta levemente, as
temperaturas teimam em subir além dos vinte e cinco graus célsius e
a chuva, como a pedir orações e promessas ao santo patrono,
continua a fazer um manguito.
A
Baixa de Coimbra, depois de uma temporada turística que só teria
sido positiva para a hotelaria, habitualmente num ambiente de modorra
pachorrenta, talvez por ser véspera de todos-os-santos e as
crianças, vestidas de negro, alunos de muitos colégios na cidade,
andarem a cantar os “bolinhos e bolinhós”, hoje, pelo
ruído dos cantares infantis, esteve tomada de uma atmosfera
diferente. Para além disso, a Praça 8 de Maio, normalmente
entreposto de circulação de cidadãos em trânsito de várias
nacionalidades, também esteve hoje, desde as 10h00, tomada pela RTP.
A televisão pública, sobre o mote do programa “Operação
Renascer Portugal”, que, através de donativos por chamada
telefónica para o 760 10 60 10, visa auxiliar as vítimas dos
incêndios, esteve a transmitir em directo da praça de Santa Cruz
até às 18h00. Mais logo, a partir das 22h00, o espectáculo de
beneficência a favor das vítimas de centenas de ignições que
devastaram Portugal no último 15 de Outubro, que se vai realizar no
grande auditório do Convento de São Francisco também será
transmitido em directo e passível de mais contribuições por parte
do público anónimo.
Se
o propósito é perfeitamente compreensível e o seu objectivo
louvável neste “Coimbra uma mão para Portugal”, a Baixa,
como bela adormecida à espera do beijo do seu príncipe que a há-de
acordar para os prazeres mundanos, parece alheia ao grande evento que
está acontecer no seu seio. Se o fluxo de transeuntes nas ruas
largas, que vão da Praça onde o Conquistador repousa no mais sereno
sono dos justos até ao Largo da Portagem, parece conferir uma
moldura humana própria de uma cidade média, já o movimento de
pessoas nas ruas estreitas é escasso, diminuto, e composto por
passantes pouco “ortodoxos” onde a conflitualidade parece rebentar a todo o momento: sem-abrigo e pessoal de
rostos duros e avermelhados pelos vapores etílicos.
Nos
últimos tempos, escrevendo sem recurso a dados estatísticos
oficiais, tudo indica que o Centro Histórico está a ser cada vez
mais um porto de abrigo para gente sem eira nem beira. A sensação
que nos percorre é que, se tomarmos alguma atenção, estamos a
regredir para 2011/2012, tempos de negra memória. A mostrar uma face
humana que não se erradicou de facto, os cenários de tragédia
anunciada são apopléticos, de deixar cair o queixo, revelam bem
como a Baixa precisa também, com muita urgência, de uma mão de
Portugal para a tirar do abismo em que se encontra.
Se
for necessário mostrar um caso concreto, a cerca de trinta metros da
festa televisiva hoje transmitida para todo o país e para o mundo esteve uma imagem desoladora que deveria envergonhar o presidente da Câmara.
No antigo prédio da desaparecida Sapataria Elegante, encerrada em
2011, que, abandonado, com vidros partidos, mostra bem o cuidado das
entidades camarárias em resolver um assunto que, sobretudo, pela
situação geográfica já deveria ter sido encaminhado para um final
mais feliz. Estamos a falar da via turística mais importante da
cidade.
MAS,
AFINAL, O QUE É ISTO?
Se
não há explicação para a destruição que percorreu Portugal
desde Junho até Outubro, como é que se pode compreender que na
entrada recolhida do prédio da Sapataria Elegante, aos olhos de
todos, hoje, dia de abraço solidário em transmissão televisiva
para o mundo, numa imagem que vale por mil palavras, uns cartões e
um cobertor, numa espécie de projecção para os “Miseráveis”,
de Vitor Hugo, retratados em livro em 1862, parece indicar que o
mundo, afinal, não pula nem avança como se faz crer aos menos
atentos.
Porta-com-porta,
ao lado desta ruína paisagística está uma loja de modas, a
Abilini. E se fosse consigo? Alguém consegue posicionar-se no lugar
do proprietário deste reputado estabelecimento?
A BAIXA
CONTINUA... NUM PROCESSO LENTO DE ALTERAÇÃO
Passado
um mês da campanha eleitoral, em que a reabilitação da Baixa foi
tema de todos os debates, pouco se ouve, nada se sabe sobre a
recuperação desta grande área monumental. No escuro da noite, tal
como abrem e surgem como cogumelos ao raiar da aurora, as lojas
comerciais desaparecem sem um grito de socorro. Embora continuem a
abrir comércios, tal como sido o caminho desde há cerca de cinco
anos para cá, a hotelaria está a tomar conta do bairro e, no lugar
de espaços comerciais, estão a nascer bons empreendimentos
hoteleiros.
Os
profissionais ligados ao comércio tradicional, mirando o futuro com
apreensão, vão tentando virar-se como podem para outras áreas mais
lucrativas -como fez a cantora Ana Leão, que actuou hoje em directo
da antiga praça de Sansão. Depois de muitos anos a atender ao
balcão na Baixa virou-se para o estrelato e, felizmente e com muito
agrado nosso, está a alcançar o merecido sucesso.
As
ruas mais estreitas e tão típicas continuam a ser olhadas por parte
da autarquia como uma espécie de filho de um deus menor. O lixo
continua a amontoar-se durante o dia, os automóveis tomaram conta de
cantos e recantos disponíveis. A paisagem, decrépita e
desconsolada, prenhe de montras sujas e forradas a papel meio
descolado, prossegue um caminho de abandono até ao desastre final.
Os
comerciantes que por cá continuam a lutar para manterem os seus
estabelecimentos de portas abertas, falando com eles, são claros a
mostrar o desânimo que invadiu a sua alma.
E
se a RTP, de Coimbra para o Mundo, fizesse por cá um trabalho sobre
o estado em que se encontra a Baixa? Será que os políticos
recentemente eleitos para a edilidade, tão acutilantes na campanha
eleitoral a denunciar e a apresentarem soluções em cima do joelho e
agora já adormecidos, iriam acordar da sonolência de que foram
tomados?
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