terça-feira, 31 de outubro de 2017

DE COIMBRA UMA MÃO PARA PORTUGAL. E PARA A BAIXA, NÃO VAI NADA?






Estamos a 31 de Outubro, num outono vermelho sem igual. A dois meses da passagem de Ano Novo, com o Inverno a bater à porta levemente, as temperaturas teimam em subir além dos vinte e cinco graus célsius e a chuva, como a pedir orações e promessas ao santo patrono, continua a fazer um manguito.
A Baixa de Coimbra, depois de uma temporada turística que só teria sido positiva para a hotelaria, habitualmente num ambiente de modorra pachorrenta, talvez por ser véspera de todos-os-santos e as crianças, vestidas de negro, alunos de muitos colégios na cidade, andarem a cantar os “bolinhos e bolinhós”, hoje, pelo ruído dos cantares infantis, esteve tomada de uma atmosfera diferente. Para além disso, a Praça 8 de Maio, normalmente entreposto de circulação de cidadãos em trânsito de várias nacionalidades, também esteve hoje, desde as 10h00, tomada pela RTP. A televisão pública, sobre o mote do programa “Operação Renascer Portugal”, que, através de donativos por chamada telefónica para o 760 10 60 10, visa auxiliar as vítimas dos incêndios, esteve a transmitir em directo da praça de Santa Cruz até às 18h00. Mais logo, a partir das 22h00, o espectáculo de beneficência a favor das vítimas de centenas de ignições que devastaram Portugal no último 15 de Outubro, que se vai realizar no grande auditório do Convento de São Francisco também será transmitido em directo e passível de mais contribuições por parte do público anónimo.
Se o propósito é perfeitamente compreensível e o seu objectivo louvável neste “Coimbra uma mão para Portugal”, a Baixa, como bela adormecida à espera do beijo do seu príncipe que a há-de acordar para os prazeres mundanos, parece alheia ao grande evento que está acontecer no seu seio. Se o fluxo de transeuntes nas ruas largas, que vão da Praça onde o Conquistador repousa no mais sereno sono dos justos até ao Largo da Portagem, parece conferir uma moldura humana própria de uma cidade média, já o movimento de pessoas nas ruas estreitas é escasso, diminuto, e composto por passantes pouco “ortodoxos” onde a conflitualidade parece rebentar a todo o momento: sem-abrigo e pessoal de rostos duros e avermelhados pelos vapores etílicos.
Nos últimos tempos, escrevendo sem recurso a dados estatísticos oficiais, tudo indica que o Centro Histórico está a ser cada vez mais um porto de abrigo para gente sem eira nem beira. A sensação que nos percorre é que, se tomarmos alguma atenção, estamos a regredir para 2011/2012, tempos de negra memória. A mostrar uma face humana que não se erradicou de facto, os cenários de tragédia anunciada são apopléticos, de deixar cair o queixo, revelam bem como a Baixa precisa também, com muita urgência, de uma mão de Portugal para a tirar do abismo em que se encontra.
Se for necessário mostrar um caso concreto, a cerca de trinta metros da festa televisiva hoje transmitida para todo o país e para o mundo esteve uma imagem desoladora que deveria envergonhar o presidente da Câmara. No antigo prédio da desaparecida Sapataria Elegante, encerrada em 2011, que, abandonado, com vidros partidos, mostra bem o cuidado das entidades camarárias em resolver um assunto que, sobretudo, pela situação geográfica já deveria ter sido encaminhado para um final mais feliz. Estamos a falar da via turística mais importante da cidade.


MAS, AFINAL, O QUE É ISTO?

Se não há explicação para a destruição que percorreu Portugal desde Junho até Outubro, como é que se pode compreender que na entrada recolhida do prédio da Sapataria Elegante, aos olhos de todos, hoje, dia de abraço solidário em transmissão televisiva para o mundo, numa imagem que vale por mil palavras, uns cartões e um cobertor, numa espécie de projecção para os “Miseráveis”, de Vitor Hugo, retratados em livro em 1862, parece indicar que o mundo, afinal, não pula nem avança como se faz crer aos menos atentos.
Porta-com-porta, ao lado desta ruína paisagística está uma loja de modas, a Abilini. E se fosse consigo? Alguém consegue posicionar-se no lugar do proprietário deste reputado estabelecimento?


A BAIXA CONTINUA... NUM PROCESSO LENTO DE ALTERAÇÃO

Passado um mês da campanha eleitoral, em que a reabilitação da Baixa foi tema de todos os debates, pouco se ouve, nada se sabe sobre a recuperação desta grande área monumental. No escuro da noite, tal como abrem e surgem como cogumelos ao raiar da aurora, as lojas comerciais desaparecem sem um grito de socorro. Embora continuem a abrir comércios, tal como sido o caminho desde há cerca de cinco anos para cá, a hotelaria está a tomar conta do bairro e, no lugar de espaços comerciais, estão a nascer bons empreendimentos hoteleiros.
Os profissionais ligados ao comércio tradicional, mirando o futuro com apreensão, vão tentando virar-se como podem para outras áreas mais lucrativas -como fez a cantora Ana Leão, que actuou hoje em directo da antiga praça de Sansão. Depois de muitos anos a atender ao balcão na Baixa virou-se para o estrelato e, felizmente e com muito agrado nosso, está a alcançar o merecido sucesso.
As ruas mais estreitas e tão típicas continuam a ser olhadas por parte da autarquia como uma espécie de filho de um deus menor. O lixo continua a amontoar-se durante o dia, os automóveis tomaram conta de cantos e recantos disponíveis. A paisagem, decrépita e desconsolada, prenhe de montras sujas e forradas a papel meio descolado, prossegue um caminho de abandono até ao desastre final.
Os comerciantes que por cá continuam a lutar para manterem os seus estabelecimentos de portas abertas, falando com eles, são claros a mostrar o desânimo que invadiu a sua alma.
E se a RTP, de Coimbra para o Mundo, fizesse por cá um trabalho sobre o estado em que se encontra a Baixa? Será que os políticos recentemente eleitos para a edilidade, tão acutilantes na campanha eleitoral a denunciar e a apresentarem soluções em cima do joelho e agora já adormecidos, iriam acordar da sonolência de que foram tomados?

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