(Imagem da Web)
O
Partido Social Democrata (PSD), com a anunciada não recandidatura de
Passos Coelho, está à deriva. Se é certo que, nesta agremiação
política social-democrata, o desnorte já vem de longe e esta
não-inscrição de Passos é apenas mais um episódio num percurso
de pouco mais de quatro décadas, é também correcto afirmar que se
está perante uma oportunidade de renovação e não uma fatalidade,
um percalço num longo caminho cheio de clientelas.
Antes
de prosseguir, apresento uma ressalva, vou escrever na primeira
pessoa. Não é que este modo verbal altere ou dê alguma importância
de maior, mas somente por uma questão de facilitar a minha exposição
de cidadão comum.
Embora
me sinta independente de todas as forças partidárias, é com o
PPD-PSD que, desde a primeira eleição nacional, em 1976, para o
Parlamento, me sinto mais identificado ideologicamente. Curiosamente,
depois da morte de Sá Carneiro, em Dezembro de1980, progressivamente
fui-me afastando e só esporadicamente votei nas suas listas para as
legislativas.
Depois
do desaparecimento de Sá Carneiro foi
eleito Pinto Balsemão, reinando entre 1981-83. A seguir foi Nuno
Rodrigues dos Santos em 1983-84; depois Carlos Mota Pinto entre
1984-85. Destes presidentes, que ocuparam o cargo por curto espaço
de tempo, para além de figurarem na história do partido, nenhum
deles marcou profundamente a sua passagem.
Em
1985, depois da célebre viagem até ao congresso da Figueira da Foz,
entrou em cena Cavaco Silva. Durante vários mandatos, até 1995, foi
o que foi, ou seja, um conservador cinzentão à frente de um partido
que nasceu “como
reação contra o corporativismo de estado; uma linha Social-Liberal,
ligada à Social-Democracia defensora da democratização do Estado
Novo e ligada ideologicamente à ‘ala liberal’ e, finalmente, uma
linha Tecnocrática-Social, com preocupações mais ligadas ao
desenvolvimento económico, privilegiando mudanças sociais e
culturais como meio determinante de promover e alargar a democracia”.
Talvez
se deva a Cavaco o que Portugal é hoje, ou seja um país periférico,
improdutivo na agricultura e dependente em cerca de oitenta por cento
das importações, que só agora, embora com dificuldade e com
políticas envergonhadas, está renascer e a fazer recuperar o
primeiro sector.
A
seguir, em 1995, na mesma linha de Cavaco, foi eleito Fernando
Nogueira que se manteve no cargo até ao ano seguinte. Em 1996 foi
eleito Marcelo Rebelo de Sousa (actual Presidente da República) e
manteve-se no cargo até 1999. Neste ano tomou assento Durão
Barroso, que, depois de ganhar as eleições legislativas e ser
nomeado primeiro-ministro em 2001, se manteve até 2004. Após três
anos à frente do governo, trocando a chefia do executivo por um
ordenado de 25 mil euros à frente da Comissão Europeia, entregou o
partido e o comando do governo a Pedro Santana Lopes. Num acto muito
duvidoso, este seria demitido do governo por Jorge Sampaio, mas
manter-se-ia ao leme do PSD até 2005. Entrou Luís Marques Mendes e
liderou o partido até 2007, ano em que seria substituído por Luís
Filipe Menezes, que esteve até 2008. Manuela Ferreira Leite,
a “dama de ferro”,
tornando-se
na única mulher-presidente esteve até 2010.
Para além de
sustentadas teses económicas a indicar o caminho do descalabro
nacional liderado por José Sócrates, pouco ou nada acrescentou ao
PSD. No fundo, na linha programática de Cavaco Silva, foi mais um
timoneiro a contribuir para envelhecer ainda mais um agrupamento
político que estava cada vez mais afastado das suas bases populares,
que assentavam “numa
adesão a um conjunto de valores e opções fundamentais, cuja
consagração e respeito considera indispensáveis para a construção
e consolidação de uma sociedade mais justa e mais livre.”
Depois
de várias tentativas falhadas para aceder ao poder, em 2011, entrou
como presidente do partido Pedro Passos Coelho. Por demissão de José
Sócrates, viria a assumir o cargo de primeiro-ministro até 2015.
Se
até este ano de 2011 o PSD era já uma manta de retalhos onde, na
mesma onda sucessória de outros partidos políticos, a “grande
família”
ocupava lugares e bons empregos na função pública, com a eleição
de Passos Coelho os verdadeiros sociais-democratas ficaram com um
líder que, desprezando a social-democracia, apenas buscava o poder a
qualquer custo. Ao actuar no âmbito do ultra-liberalismo, no
radical, mas sempre em nome do liberalismo, destruiu completamente a
bondade de uma tese social de convivência humana e a matriz de um
partido que outrora fez parte do seu programa.
A
meu ver, Passos foi talvez o comandante laranja que mais mal fez à
super-estrutura ideológica do partido.
Quem
vier a seguir -imagino que Rui Rio- vai ter um trabalho dobrado. Se
quiser recuperar muitos dos antigos apoiantes, o cidadão comum, o
trabalhador assalariado, o pequeno e pequeníssimo empresário, vai
ter de começar por fumigar e expulsar o “caruncho”
que corrói o vigamento da estrutura há décadas. O PSD precisa de
se reinventar. Necessita de um líder acima de tudo sério, que seja
um exemplo para a sociedade -lembremo-nos por momentos o escândalo
da Tecnoforma e da Segurança Social, de Passos. Que seja justo, quer
com os fracos, quer com os fortes. Quem for eleito em Janeiro
próximo, para além de ter de ser um homem desvinculado do aparelho,
sem rabos-de-palha, terá de mostrar que é um político de verdade,
não de circunstância mas para o futuro.
O QUE FOI
O LIBERALISMO?
Sabemos
todos que o liberalismo germinou na Revolução Francesa, em 1789, na
tal trilogia “Igualdade, Liberdade e Fraternidade”.
Ganhou personalidade logo no princípio do século XIX –por cá, no
sobe e desce, implantou-se em 1820. Com as premissas revolucionárias
de “eleições democráticas”, “liberdade
de religião”, “liberdade de imprensa”,
“livre comércio” –com mais iniciativa privada e
menos Estado-, “direitos civis” -o cidadão como
centro do universo, com direitos e prerrogativas sociais- e defesa
intrínseca da “propriedade privada”
–descentralização da terra e respeito absoluto pela pertença
individual- desenvolveu-se e atingiu a celebridade por volta de 1850
e arrastou-se até finais do mesmo século XIX.
A
SOCIAL-DEMOCRACIA
A
social-democracia, enquanto ideologia política, surgiu no final do
século XIX. De certo modo como evolução do liberalismo mas para
suavizar a filosofia Marxista. No fundo pretendia combater a
ortodoxia Marxista. Esta, denegando a acção política, entendia a
supremacia económica num determinismo planeado. Por outro lado, Marx
defendia que a mudança social só era possível em corte horizontal,
com uma revolução. O conceito de social-democracia, embora sendo de
esquerda, preconizava que, através do reformismo, era possível a
transição para o Socialismo gradualmente, tornando a sociedade mais
igualitária, sem golpes transversais.
Com
a Primeira Grande Guerra a decorrer, após a revolução bolchevique,
em 1917, com milhares de mortos, que derrubou a autocracia russa e
elevou ao poder Lenine, estava criado o vírus pandémico de temor
para a Europa e para a necessidade de um novo conceito de
social-democracia. A crise de 1929 veio mostrar a indispensabilidade
de criar o Estado de bem-estar Social para proteger e
defender a população de grandes cataclismos naturais, sociais, e
económicos garantindo o mínimo de dignidade social, desde o
nascimento até à sua morte. Com o sucesso da Social-Democracia nos
países do Norte da Europa logo a seguir ao final da 2ª Guerra
Mundial, após a queda dos regimes ditatoriais e autoritários, os
países do Sul, incluindo Portugal, por alturas de 1970, adoptando a
Democracia, transformando-se em estados de Direito,
aplicaram a mesma fórmula de Estados Providência dos
países nórdicos. Porém, com enormes diferenças. Lá, nas nações
escandinavas, retirando os pilares estruturantes como educação,
saúde e justiça, só é distribuído pelo Estado o que cada um,
proporcionalmente, contribui ao longo da sua vida. No Sul da Europa,
mais essencialmente em Portugal, fez-se o contrário. Num
igualitarismo exacerbado, entendeu-se que, pelo simples facto de
serem cidadãos, todos tinham direito a receber, mesmo sem
contra-prestação. Para piorar, os directores-gerais, outros e
políticos de carreira, com as suas subvenções e reformas
milionárias e outras benesses que chamaram para si e para as suas
famílias, para além de erros crassos na administração (sobretudo
com a crise bancária) elevando até ao infinito a dívida pública,
fizeram com que, em consequência, o que resta hoje da matriz
social-democrata seja um esqueleto.
O
ULTRALIBERALISMO
O
ultraliberalismo, também chamado de neoliberalismo, embora
absolutista, é inspirado na corrente social-democrata da segunda
metade do século XX no Norte da Europa mas com diferenças radicais
e autoritárias. O liberalismo/social-democracia defendia a livre
concorrência e a livre iniciativa mas sempre com o Estado a regular
a economia, evitando as assimetrias económicas, acautelando que o
grande capital mundial, pela sua força aglutinadora, não
submergisse a pequena economia. Por outro lado, garantindo os
direitos dos trabalhadores, regulando as leis do trabalho, e, ainda e
sobretudo, que as grandes empresas nacionais estruturantes se
mantivessem na sua posse. O ultraliberalismo veio derrubar todas
estas antigas premissas de equilíbrio entre o Estado e cidadão e
entregar de bandeja as nações, o seu povo, ao grande capital,
selvagem e sem pátria.
Pode
afirmar-se sem possibilidade de erro que em Portugal começou com
José Sócrates, em 2005. Com o “crash” de 2008,
tornou-se viral e com a motivação substantivada na razão para o
endurecimento de medidas cada vez mais cerceadoras dos direitos e
aflitivas para o cidadão. Com Passos Coelho a usar e a abusar da
mesma fórmula baseada na crise, desvalorizando o valor do trabalho
no custo da produção e com a quebra de direitos levando-nos ao
empobrecimento colectivo, aproximamo-nos cada vez mais dos países
emergentes. O que resta hoje da Social-Democracia versus Liberalismo
é uma mera sombra. É um projecto inscrito num livro empoeirado que
repousa no sótão da nossa esperança.
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