(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
Como
escrevi no anterior apontamento, em 2006 nasceu oficialmente a
Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra (APBC). Os estatutos
desta entidade foram elaborados na ACIC, Associação Comercial e
Industrial de Coimbra -hoje desaparecida por insolvência.
Como
afirmei, na génese deste nascimento da APBC, que ocorreu no seio da
ACIC, por parte das sucessivas direcções da extinta gloriosa
agremiação comercial e industrial esteve sempre uma intenção bem
vincada de manter um domínio e um controle, plasmados num permanente
cordão umbilical, sem nunca perder o comando territorial sobre a
agência.
Então
qual foi a forma engendrada para manter a APBC sob a sua égide?
Precisamente através de um instrumento que, se o tempo económico
decorresse sempre igual, asseguraria a sua supervisão: os Estatutos.
Mas como? Através de uma cláusula blindada.
(A
blindagem de uma cláusula estatutária, entre outros, é exercida através de um
exacerbado número de votos atribuídos a um pequeno grupo fundador.
Na essência, visa assegurar um, ainda que legal, abusivo direito de
uma parte (chamemos-lhe associados-fundadores) e condicionar ou
limitar a acção da outra (chamemos-lhe associados não-fundadores).
Pode ser de tal modo gravoso para os associados não-fundadores que,
pela sua pouco expressiva representatividade em votos, ficam
restringidos à mera condição de espectadores, sem intervenção no
processo de dinâmica natural e necessária. Com maiorias, absoluta e
qualificada, sempre asseguradas pelas partes maioritárias, são
retirados completamente os intrínsecos poderes de decisão aos
associados com menos poderio, incluindo a fiscalização dos actos
administrativos, que nunca deveria ser permitido, até à
possibilidade de extinção -a não ser por insolvência. Ou seja,
como os Estatutos ficam petrificados e imutáveis, por impossibilidade de impugnação, qualquer resolução,
por mais estapafúrdia que seja, fica sempre sujeita à vontade e ao
critério de um ou poucos mais sócios-fundadores.)
Mas
a Natureza é matreira e, volta que não volta, troca as
voltas ao mais graduado estratega. Em extrapolação, é de supor que
o jurista que “cozinhou” estes Estatutos estaria a pensar
que, nesta altura, a ACIC estaria em condições financeiras para
participar com a parte de leão em contribuições para o Fundo
Associativo, o que seria proporcionalmente remível em votos e lhe
daria um controle sem contestação.
Acontece
que neste ano de 2006 a vestusta e reputada associação comercial
começava a atravessar sérias dificuldades de tesouraria. Foi por
esses dias que a sua sede, na Avenida Sá da Bandeira, foi hipotecada
em garantia de um empréstimo de 500 mil euros à Caixa Geral de
Depósitos. As suspeitas de que a sua gestão, até aí, era tudo
menos clara perpassava na boca de algumas pessoas. Em 2007 foi feita
uma denúncia na Polícia Judiciária. Seria arquivada pelo
Ministério Público com o seguinte teor: (…)
a alguns contratos de fornecimento de equipamentos prestados à ACIC,
não foram muito favoráveis à associação (alguns vieram mesmo a
ser resolvidos com recurso a acções judiciais). No entanto, e na
sequência dos dados apurados pelos elementos da actual direcção,
estes contratos apenas foram mal negociados, não existiu qualquer
intenção de benefício ilegítimo em detrimento da associação”.
“Assim, o mais que se apurou foi a existência de contratos que
poderão ter acarretado prejuízos para a ACIC, nada tendo resultado,
em termos indiciários (...)
Por
conseguinte, pressupõe-se, seria por este motivo que a contribuição
maior para o Fundo Associativo passaria para a Câmara Municipal de
Coimbra e, por inerência, lhe viria a dar a maioria de votos.
A NORMA
DE BETÃO ARMADO
Para
melhor se perceber, começo por transcrever dois artigos dos Estatutos da APBC que servem
de suporte à cláusula, a tal considerada blindada:
Artigo
Quinto
(Associados)
2.
São associados fundadores todos aqueles que outorgaram a escritura de constituição da Agência.
Artigo
décimo-terceiro
(Proveitos
e Fundo Associativo)
1.
Constituem receitas da Agência as comparticipações dos
associados, os subsídios e os honorários por serviços prestados
em benefício dos associados e terceiros.
2.
O Fundo Associativo é constituído pelas contribuições iniciais e
pelas jóias, a pagar pelos associados, no acto da sua inscrição
ou em conformidade com o que estiver estatuído no regulamento
interno, bem como doações e legados.
E
então a Cláusula blindada que cerceia totalmente a intervenção
dos associados não fundadores:
Artigo
Vigésimo Oitavo
(Deliberações)
1.
As deliberações da Assembleia Geral são tomadas por maioria
absoluta de votos dos associados presentes, cabendo um voto a cada
cinquenta euros de contribuições para o Fundo Associativo.
ENTÃO... É SÓ FAZER
AS CONTAS
Ficou
escrito na anterior crónica que a Câmara Municipal de Coimbra (CMC)
subscreveu o Fundo Associativo com 20 mil euros. Se dividirmos esta
verba por 50 euros, a autarquia tem direito a 400
votos.
Relembro que os outros signatários do Fundo Associativo são: a
Caixa Geral de Depósitos, com uma tranche de, creio, 10 mil euros, o
que dá 200
votos;
a ACIC com uma verba de 10 mil euros, creio, tinha 200
votos;
a Associação do Centro dos Industriais de Panificação com, creio, 5 mil
euros, tem 100
votos. As Juntas de Freguesia de São Bartolomeu e Santa Cruz, salvo
erro, entraram também no Fundo Associativo com 1000 euros cada, o
que dá uma atribuição de 40
votos.
O total dos votos dos participantes do Fundo Associativo é de 940
votos.
Actualmente
a APBC tem cerca de 70 associados, que de grosso modo corresponderá
ao mesmo número: 70
votos -o
pico máximo de associados que se atingiu noutros tempos foi de 180.
Então,
facilmente se chega à conclusão por que razão, por exemplo, nunca
houve listas candidatas a eleições -qualquer propositura seria
sempre chumbada. Também é certo que, porque não interessava, nunca
se procurou abrir a porta a outras dinâmicas. Os órgãos sociais da
APBC, desde a sua fundação, em 2006, e até agora foram sempre
nomeados pela CMC.
Há
uma questão importante: neste processo sempre reinou a ignorância,
sobretudo por parte dos associados não-fundadores. Quantos já leram
alguma vez os Estatutos?
(Artigo
em continuação)
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