domingo, 21 de janeiro de 2024

BARRÔ: ENSAIO PARA UMA SAÍDA AIROSA

 




O relógio na torre sineira da Capela de Barrô está prestes a martelar as doze badaladas e anunciar o meio-dia de um dia soalheiro que promete aquecer qualquer osso, até de imagem de santo.

A porta da capela está encerrada. Paro e sento-me no patim da entrada. Ponho-me a pensar que hoje, Dia de São Sebastião – o meu amigo Sebastião, como o trato em longas conversas mudas -, a pequena catedral deveria estar de portas escancaradas. Não é por nada mas é muito natural que o Sebastião se sinta como preso no presídio. Sim porque, durante um ano, só vê a luz do dia quando há missa – e na procissão da Festa de Ano, se houver. Hoje vai haver.

Como já escrevi anteriormente, o meu amigo, por estes dias, tem andado com a psico às voltas. Por outras palavras, muito deprimido, coitadinho. Sobretudo quando anunciaram só missa e sem procissão para o dia do seu aniversário – que foi ontem, mas isso não interessa nada. É preciso é que se lembrem, sem esquecer, a pobre alma.

Mas ontem, quando se soube que iria haver mesmo procissão, o meu fiel já parecia outro.

Dizia eu então que, parando e sentando-me no patim do pequeno adro, comecei a ouvir uns ruídos esquisitos, uns murmúrios do lado de dentro da pequena ermida. Não eram barulhos inquietantes, nada disso. Era mais para o adocicado. Eram mais ou menos assim: “estes ficam-me bem. Gosto mais da cor daquele”…

Ó pá, vão-me desculpar, bem sei que é feio, muito feio espreitar pelo buraco da fechadura, mas não resisti ao chamamento da curiosidade.

Rodeados por vários andores todos engalanados por flores naturais – um mimo, sim senhor!- junto ao altar-mor, estavam várias imagens a ensaiar roupa. Mas atenção, não era uma roupita qualquer da marca “el cigano”. Nada disso, tudo marcas de grande qualidade, “Lacoste”, por exemplo, mas original, que de modas percebo eu. Fiquei levemente indignado. Estas imagens santíficas levam à letra o comportamento papal. Não é admirar se os sapatos forem da marca “pravda”.

Mas isso vá que não vá. O que me fez saltar a tampa – ou seja, não saltou por respeito ao meu amigo do peito – foi ver a imagem de Nossa Senhora de Fátima em trajes menores, também a vestir e despir roupa. Francamente! É preciso ter lata, digo eu, uma Senhora daquela idade, e naqueles preparos! Pouca vergonhice, é o que é!

Acabei por perceber a razão da porta da capela estar encerrada – para não mostrar poucas-vergonhas.


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