sábado, 20 de janeiro de 2024

BARRÔ: AFINAL, AMANHÃ, SEMPRE HÁ FESTA RELIGIOSA




Antes de escrever o que me levou a pegar na folha branca, gostaria de tranquilizar as centenas de amigos que desde ontem, logo que coloquei a crónica no ar, inquietadíssimos com a saúde de São Sebastião, não pararam de me telefonar para saber o estado físico e anímico da santidade. Só para exemplificar, não consegui pregar olho. Estou como umas olheiras mais sombrias que um silvado no ribeiro.

Logo de manhã, pouco mais do que o romper da aurora, fui ao Largo da Capela. Pé-ante-pé, para não acordar o Sebastião – pela nossa longa amizade, é assim mesmo que o trato -, cheguei perto da porta encerrada do pequeno templo e encostei o meu ouvido direito à madeira. Para meu alarme, comecei a ouvir a voz do padroeiro: “ai… ai… ai. Deixem-me, não me atormentem mais. Ai...ai!

Comecei a ser invadido por suores frios. Querem ver que o Sebastião luta com espíritos malignos, ou, quem sabe, está a pôr termo à sua vida de “não fazer nada”, e ser reconhecido por isso? Relembro que ontem escrevi aqui que o meu amigo estava mais em baixo que as pedras da calçada. Completamente desmoralizado, repetia que as pessoas à sua volta eram egoístas, só lhe pediam, pediam, favores, sem se preocuparem minimamente com o seu estado de alma. Sim, porque imagem de santo, para além de sofrer como nós, também terá alma. Pode é ser de outra cor, como quem diz, talvez branca.

Está de ver como fiquei. A agonia começou a tomar conta de mim.

Voltei a ouvir a sua voz ofegante e trémula: “ai… ai… ai. Por amor de Deus, não me toquem mais. Não aguento mais… ai...ai...

Mau, mau. Não estava nada a gostar do que ouvia. Mas uma coisa parecia certa, aquilo não eram gemidos aflição.

Foi então que espreitei pelo buraco da fechadura e fiquei a perceber quase tudo. Duas senhoras zeladoras da capela ocupavam-se em limpar o corpo do Sebastião. No chão de mosaico, dois baldes com esfregona dentro indicavam que iria haver mesmo festa grossa na capelinha e redondezas.

Olhando à volta, um bocado envergonhado pela minha cusquice, não fosse apanhado em falso, fiquei mais tranquilo. O meu amigo já não chorava, dava gritos de contentamento: “ai… ai… Tenho cócegas!”

Tinha de, imediatamente, tentar saber o que se passava. Sim, porque alguma coisa aconteceu para o meu amigo Sebastião, de ontem para hoje, ter mudado da chuva copiosa para um Sol radiante.


AFINAL, AMANHÃ, VAI HAVER PROCISSÃO


Consumido pela curiosidade, fui a casa, enfiei o meu colete de “freelancer” (trabalhador independente), peguei no meu gravador e na minha velha máquina fotográfica, e voltei à rua.

Tive sorte, muita sorte. Primeiro, por dar de caras com uma fonte idónea e credível. Segundo, por, embora na condição de anónimo, estar na disposição de falar. Ainda não contei, mas aqui, na aldeia, é muito difícil encontrar alguém que fale seja sobre o que for. Talvez seja medo de se exporem, sei lá! A verdade é que o meu futuro como "jornalista" tem os dias contados – e não é pela crise da imprensa em papel. O meu papel na informação é que está em crise.

Bom, contava eu que encontrei a tão desejada informação. Afinal, amanhã, Domingo, Dia da Festa do meu amigo Sebastião, para além da sagrada missinha, às 15h00, logo de seguida vai realizar-se a popular procissão. E mais: a abrilhantar os dois eventos, com música de anjos, teremos uma orquestra vinda de Vila Nova de Monsarros.

Segundo a minha fonte, foi tudo resolvido ontem, em cima da hora, em cima do joelho, como sói dizer-se.

Até antes de ontem não havia pilim para fazer cantar um cego. “Os residentes são pouco generosos para se poder fazer festas”, enfatizou o meu informador anónimo.

Tivemos sorte, por que ontem encontrámos um emigrante, o… não sei se conheces… que nos deu uma maquiazinha jeitosa. Depois mais uma nota de aqui e outra acolá. Contámos a massa e vimos que já dava para fazer arruada durante a manhã e procissão, no Domingo. E até fomos comprar uma dúzia de foguetes!

Fiquei então a compreender a completa mudança do meu amigo Sebastião.

Ainda bem. Sem ressentimentos. Estamos todos de parabéns.


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