terça-feira, 7 de novembro de 2017

EDITORIAL: PARA QUE SERVIU E SERVE A APBC? (3)

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)




Em jeito de contar histórias que que apenas alguns lembrarão, metendo a Baixa ao barulho, sempre a Baixa, com remissão para crónicas que fui escrevendo ao longo dos últimos anos, umas interessantes outras nem por isso. É uma forma de me sentir vivo e participante. Tal como comecei há cerca de uma década aqui no blogue, vou continuar a descrever um fim anunciado de um Centro Histórico comercial que, durante mais de um século, foi o coração da cidade e, digo eu que ainda estou por cá, a meter dó ao mais insensível, com a complacência de entidades, umas mortas e outras moribundas, que devendo pugnar pela sua defesa não se importam, continua no plano inclinado da degenerescência. Coimbra é mesmo uma lição de desamor pela tradição.
No anterior apontamento contava que a APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, tinha sido gerada na ACIC, Associação Comercial e Industrial de Coimbra, esta, hoje já extinta por insolvência. Escrevia ainda que desde o princípio houve sempre uma preocupação de, por parte da ACIC, nunca perder o comando desta entidade sem fins lucrativos.
Como disse, por volta de 2002/2003, começou por ser baptizada de Condomínio Comercial da Baixa de Coimbra. Na altura, Pina Prata, presidente da ACIC e ao mesmo tempo vice-presidente da Câmara Municipal de Coimbra, sondou Armindo Gaspar para aceitar o cargo de presidente. Para além de não ser remunerado, sendo pouco apetecível, obrigava a despender muito tempo. Aquele, com muita entrega e prejuízo da sua vida empresarial, continuaria como presidente quando deixou de ser condomínio comercial e passou a ser agência de promoção, em 2006. Gaspar, nesta altura presidente do sector comercial da ACIC, manter-se-ia à frente da APBC até 2013.
Em 2007 houve eleições gerais na ACIC e o candidato foi Paulo Mendes, até aí e já há uma dezena de anos tinha sido o tesoureiro da nobel instituição empresarial. Armindo Gaspar, deixando a presidência do sector comercial, passou para a Assembleia-geral da ACIC –acumulando a presidência da APBC- e Arménio Pratas passou a ocupar o cargo de presidente do Sector Comercial.
A entrar pelo declive do precipício financeiro, a presidência da ACIC continuava a ser disputada.
Apesar de ser amigo de Armindo Gaspar e de Arménio Pratas, em 2008, eu já questionava os supérfluos gastos na animação das ruas da Baixa e algumas declarações exortivas, assim como o papel inactivo da ACIC no enterro, à vista de todos, do comércio tradicional. A loja típica, tão gravada na nossa memória, uma atrás de outra, morria sem um ai ou grito de alerta por parte da grande agremiação sectorial.
Por seu lado, a autarquia, agravando taxas e posturas, parecia empurrar os estabelecimentos mais antigos para o charco. Dava com uma mão uns políticos rebuçados envenenados e, sem pejo nem vergonha, tirava a alma aos comerciantes com outra.
As ruas, sem luz pública e sem reclames, iam ficando cada vez mais escuras e, por consequência, assaltadas umas a seguir a outras. O estado da Baixa era simplesmente apoplético, de cair o queixo, mas não preocupava ninguém, nem a edilidade nem os próprios interessados. Anestesiados, os comerciantes somente procuravam sobreviver. Por um lado, procurando rendas mais baixas, iam transferindo as suas lojas para tentarem manter-se vivos, por outro, escusavam-se a mudar os hábitos. O velho mercador estava com dificuldade em se adaptar aos novos tempos.
A Baixa, perdida e sem identidade, procurava desesperadamente um rumo. A Junta de Freguesia de São Bartolomeu, antes de ser agregada, socialista e em oposição ao regime vigente do PSD/CDS, nessa altura fazia um bom trabalho. Carlos Clemente, o edil da junta, rivalizava com o seu congénere Pinto dos Santos, já falecido, presidente da Junta de Freguesia de Santa Cruz. Clemente, com o seu feitio algo truculento mas respeitado, era um homem sempre disponível e pronto a elevar a sua voz na Assembleia Municipal em defesa de qualquer assunto respeitante à Baixa de Coimbra.
O Mercado de Flores e Plantas, a decorrer nas ruas largas, discriminava as vias estreitas. Já havia uma guerra surda em torno da venda pública de artesanato. Esta Coimbra era uma cidade que fazia parte de um país atrasado e com dois alter-egos. Ou, sei lá, a Baixa era uma feira de retalhos. As diferenças marcam a vida das gentes. É como um sol da meia-noite. Apesar de tudo o que se escrevia, a Baixa tinha um encanto natural. Ainda se realizava a CIC, Feira Comercial e Industrial de Coimbra, no Choupalinho. Mas, numa urbe sem espírito económico, faria algum sentido? Muitas actividades comerciais começavam a deslocalizar-se para outros pontos da cidade. Eram os tempos que se viviam.
A Baixa, sem apelo nem agravo, pelo abandono geral, caía aos bocados. Mas, talvez pelas boas graças da Rainha Santa, chovia em Julho. O problema do lixo na via pública era um escândalo recorrente. A segurança passou a ser colocada em carta. Muito teve de se transpirar para fazer acordar as entidades competentes. Esta área velha era o abrigo dos sem-abrigo.
O projecto de cobertura das ruas largas foi enterrado em campa rasa e sem direito a epitáfio.
A Feira das Cebolas, tal como hoje, continua a provocar lágrimas ao transeunte mais sensível.
A venda ambulante, tal como hoje, continua a envergonhar o citadino menos pudico. No entanto, a Baixa, com palavras jogadas ao vento, sempre foi muito falada, comentada e discutida.
O nosso sistema de ensino continuava igual, digo eu, e não se recomendava.
Tal como hoje, atribuíam-se casas camarárias por 35 cêntimos mensais. Os políticos, tal como agora, não tinham ideias para as cidades. A demagogia e o aproveitamento, como sempre existiu, vai continuar. Vão uns maus, virão outros pior. A vida política é mesmo assim.
Neste ano de 2009, perante a total passividade camarária, encerrou a última fábrica de faianças de Coimbra. Comércio, arrastando a indústria, para onde vais?, interrogava eu sem obter resposta.
Neste ano, ficou célebre o caso da cadeira vazia. Havia muita miséria humana, via-se pelo saqueador de contentores. O nervosismo dos comerciantes era palpável a olho nu.
Esta Coimbra que tanto escrevemos e comentamos, nessa altura, e igualmente agora, pouco contava para a RTP. A nossa televisão pública continua a olhar para a cidade dos estudantes como uma grande aldeia, uma parvónia perdida nos confins do Centro de Portugal.

E VEIO 2010...

Em 2010 houve novamente eleições na ACIC e Paulo Mendes, comerciante da Baixa, foi recandidato. Arménio Pratas, também comerciante, continuou como presidente do Sector Comercial e Armindo Gaspar transitou para presidente do Conselho Fiscal.
O incumprimento com pagamentos a fornecedores e funcionários por parte da ACIC saltou para os jornais e Armindo Gaspar, incomodado com a situação, foi o primeiro a entrar em choque com Paulo Mendes e a abandonar o barco em rotura financeira. A seguir foi Arménio Pratas que se demitiu da ACIC. 
Os estabelecimentos mais antigos, paulatinamente, uns atrás dos outros, continuaram a encerrar na Baixa. A APBC, se é certo que pouco poderia fazer para o evitar, continuou alheia ao processo de extermínio de lojas de tradição e prosseguiu o seu trabalho de missão para animar o Centro Histórico. Anualmente, inscrito no orçamento municipal, foram saindo dos cofres camarários cerca de 35 mil euros. A esta verba afectada foram sendo averbados outros milhares de euros inscritos em programas operacionais contemplados para o efeito na CCDRC, Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro.
A Câmara Municipal de Coimbra, liderada por Carlos Encarnação desde 2001, em vez de direccionar a sua acção para a recuperação da área monumental, revitalizando a habitação e o comércio tradicional, torrava milhares de euros a financiar festas e festinhas, mais que certo para abafar os gritos lancinantes dos comerciantes que, em estertor, partiam envoltos em depressão, angústia e desolação. A imprensa diária, sempre alinhada ao lado do poder mais forte camarário, encarregava-se de ampliar os ecos da música da marcha fúnebre e, sem editoriais ou questões introspectivas, apresentava uma face reluzente de um centro histórico que, definhando diariamente, não existia. Por parte dos operadores comerciais havia uma certa esperança de que quem viesse a seguir poderia inverter a situação. O futuro, sem dó nem piedade, viria a mostrar que os que vêm depois, seguindo a mesma cartilha, são muito pior. 

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