(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
Em
jeito de contar histórias que que apenas alguns lembrarão, metendo
a Baixa ao barulho, sempre a Baixa, com remissão para crónicas que
fui escrevendo ao longo dos últimos anos, umas interessantes outras
nem por isso. É uma forma de me sentir vivo e participante. Tal como comecei há cerca de uma década aqui no blogue, vou continuar a descrever um fim anunciado de um Centro
Histórico comercial que, durante mais de um século, foi o coração da cidade
e, digo eu que ainda estou por cá, a meter dó ao mais insensível, com a complacência de entidades, umas mortas e outras moribundas, que devendo pugnar pela sua defesa não se importam, continua no plano inclinado da degenerescência. Coimbra é mesmo uma lição de desamor pela tradição.
No
anterior apontamento contava que a APBC, Agência para a Promoção
da Baixa de Coimbra, tinha sido gerada na ACIC, Associação
Comercial e Industrial de Coimbra, esta, hoje já extinta por
insolvência. Escrevia ainda que desde o princípio houve sempre uma
preocupação de, por parte da ACIC, nunca perder o comando desta
entidade sem fins lucrativos.
Como
disse, por volta de 2002/2003, começou por ser baptizada de
Condomínio Comercial da Baixa de Coimbra. Na altura,
Pina Prata, presidente da ACIC e ao mesmo tempo vice-presidente da
Câmara Municipal de Coimbra, sondou Armindo Gaspar para aceitar o
cargo de presidente. Para além de não ser remunerado, sendo pouco
apetecível, obrigava a despender muito tempo. Aquele, com muita
entrega e prejuízo da sua vida empresarial, continuaria como
presidente quando deixou de ser condomínio comercial e passou a ser
agência de promoção, em 2006. Gaspar, nesta altura presidente do
sector comercial da ACIC, manter-se-ia à frente da APBC até 2013.
Em
2007 houve eleições gerais na ACIC e o candidato foi Paulo Mendes,
até aí e já há uma dezena de anos tinha sido o tesoureiro da
nobel instituição empresarial. Armindo Gaspar, deixando a
presidência do sector comercial, passou para a Assembleia-geral da
ACIC –acumulando a presidência da APBC- e Arménio Pratas passou a
ocupar o cargo de presidente do Sector Comercial.
A
entrar pelo declive do precipício financeiro, a presidência da ACIC
continuava a ser disputada.
Apesar
de ser amigo de Armindo Gaspar e de Arménio Pratas, em 2008, eu já
questionava os supérfluos gastos na animação das ruas da Baixa e algumas declarações exortivas,
assim como o papel inactivo da ACIC no enterro, à vista de todos, do
comércio tradicional. A loja típica, tão gravada na nossa memória,
uma atrás de outra, morria sem um ai ou grito de alerta por parte da
grande agremiação sectorial.
Por
seu lado, a autarquia, agravando taxas e posturas, parecia empurrar
os estabelecimentos mais antigos para o charco. Dava com uma mão uns
políticos rebuçados envenenados e, sem pejo nem vergonha, tirava a
alma aos comerciantes com outra.
As
ruas, sem luz pública e sem reclames, iam ficando cada vez mais
escuras e, por consequência, assaltadas umas a seguir a outras. O
estado da Baixa era simplesmente apoplético, de cair o queixo, mas
não preocupava ninguém, nem a edilidade nem os próprios
interessados. Anestesiados, os comerciantes somente procuravam
sobreviver. Por um lado, procurando rendas mais baixas, iam
transferindo as suas lojas para tentarem manter-se vivos, por outro,
escusavam-se a mudar os hábitos. O velho mercador estava com
dificuldade em se adaptar aos novos tempos.
A
Baixa, perdida e sem identidade, procurava desesperadamente um rumo.
A Junta de Freguesia de São Bartolomeu, antes de ser agregada,
socialista e em oposição ao regime vigente do PSD/CDS, nessa altura
fazia um bom trabalho. Carlos Clemente, o edil da junta, rivalizava com o seu congénere Pinto dos Santos, já falecido, presidente da Junta de Freguesia de Santa Cruz. Clemente, com o seu feitio algo truculento mas respeitado, era um homem sempre disponível e pronto a elevar a sua voz na Assembleia Municipal em defesa de qualquer assunto respeitante à Baixa de Coimbra.
O
Mercado de Flores e Plantas, a decorrer nas ruas largas, discriminava
as vias estreitas. Já havia uma guerra surda em torno da venda
pública de artesanato. Esta Coimbra era uma cidade que fazia parte
de um país atrasado e com dois alter-egos. Ou, sei lá, a Baixa era
uma feira de retalhos. As diferenças marcam a vida das gentes. É
como um sol da meia-noite. Apesar
de tudo o que se escrevia, a Baixa tinha um encanto natural. Ainda se
realizava a CIC, Feira Comercial e Industrial de Coimbra, no
Choupalinho. Mas, numa urbe sem espírito económico, faria algum
sentido? Muitas actividades comerciais começavam a deslocalizar-se
para outros pontos da cidade. Eram os tempos que se viviam.
A
Baixa, sem apelo nem agravo, pelo abandono geral, caía aos bocados.
Mas, talvez pelas boas graças da Rainha Santa, chovia em Julho. O
problema do lixo na via pública era um escândalo recorrente. A
segurança passou a ser colocada em carta. Muito teve de se transpirar para fazer acordar as entidades competentes. Esta área velha era o
abrigo dos sem-abrigo.
O
projecto de cobertura das ruas largas foi enterrado em campa rasa e
sem direito a epitáfio.
A
Feira das Cebolas, tal como hoje, continua a provocar lágrimas ao
transeunte mais sensível.
A
venda ambulante, tal como hoje, continua a envergonhar o citadino
menos pudico. No entanto, a Baixa, com palavras jogadas ao vento, sempre foi muito falada, comentada
e discutida.
O
nosso sistema de ensino continuava igual, digo eu, e não se
recomendava.
Tal
como hoje, atribuíam-se casas camarárias por 35 cêntimos mensais.
Os políticos, tal como agora, não tinham ideias para as cidades. A
demagogia e o aproveitamento, como sempre existiu, vai continuar.
Vão uns maus, virão outros pior. A vida política é mesmo assim.
Neste
ano de 2009, perante a total passividade camarária, encerrou a
última fábrica de faianças de Coimbra. Comércio, arrastando a indústria, para onde vais?, interrogava
eu sem obter resposta.
Neste
ano, ficou célebre o caso da cadeira vazia.
Havia muita miséria humana, via-se pelo saqueador de contentores. O
nervosismo dos comerciantes era palpável a olho nu.
Esta
Coimbra que tanto escrevemos e comentamos, nessa altura, e igualmente
agora, pouco contava para a RTP. A nossa televisão pública continua
a olhar para a cidade dos estudantes como uma grande aldeia, uma
parvónia perdida nos confins do Centro de Portugal.
E VEIO
2010...
Em
2010 houve novamente eleições na ACIC e Paulo Mendes, comerciante
da Baixa, foi recandidato. Arménio Pratas, também comerciante,
continuou como presidente do Sector Comercial e Armindo Gaspar
transitou para presidente do Conselho Fiscal.
O
incumprimento com pagamentos a fornecedores e funcionários por parte
da ACIC saltou para os jornais e Armindo Gaspar, incomodado com a
situação, foi o primeiro a entrar em choque com Paulo Mendes e a
abandonar o barco em rotura financeira. A seguir foi Arménio Pratas
que se demitiu da ACIC.
Os
estabelecimentos mais antigos, paulatinamente, uns atrás dos outros,
continuaram a encerrar na Baixa. A APBC, se é certo que pouco
poderia fazer para o evitar, continuou alheia ao processo de extermínio de lojas de tradição e prosseguiu o seu trabalho de missão para animar o Centro
Histórico. Anualmente, inscrito no orçamento municipal, foram
saindo dos cofres camarários cerca de 35 mil euros. A esta verba
afectada foram sendo averbados outros milhares de euros inscritos em
programas operacionais contemplados para o efeito na CCDRC, Comissão
de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro.
A Câmara Municipal de Coimbra, liderada por Carlos Encarnação desde 2001, em vez de direccionar a sua acção para a recuperação da área monumental, revitalizando a habitação e o comércio tradicional, torrava milhares de euros a financiar festas e festinhas, mais que certo para abafar os gritos lancinantes dos comerciantes que, em estertor, partiam envoltos em depressão, angústia e desolação. A imprensa diária, sempre alinhada ao lado do poder mais forte camarário, encarregava-se de ampliar os ecos da música da marcha fúnebre e, sem editoriais ou questões introspectivas, apresentava uma face reluzente de um centro histórico que, definhando diariamente, não existia. Por parte dos operadores comerciais havia uma certa esperança de que quem viesse a seguir poderia inverter a situação. O futuro, sem dó nem piedade, viria a mostrar que os que vêm depois, seguindo a mesma cartilha, são muito pior.
A Câmara Municipal de Coimbra, liderada por Carlos Encarnação desde 2001, em vez de direccionar a sua acção para a recuperação da área monumental, revitalizando a habitação e o comércio tradicional, torrava milhares de euros a financiar festas e festinhas, mais que certo para abafar os gritos lancinantes dos comerciantes que, em estertor, partiam envoltos em depressão, angústia e desolação. A imprensa diária, sempre alinhada ao lado do poder mais forte camarário, encarregava-se de ampliar os ecos da música da marcha fúnebre e, sem editoriais ou questões introspectivas, apresentava uma face reluzente de um centro histórico que, definhando diariamente, não existia. Por parte dos operadores comerciais havia uma certa esperança de que quem viesse a seguir poderia inverter a situação. O futuro, sem dó nem piedade, viria a mostrar que os que vêm depois, seguindo a mesma cartilha, são muito pior.
(Artigo
em continuação)
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"Editorial: Para que serviu e serve a APBC? (2)"
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"Editorial: Baixa, Afinal, o que precisas tu?"
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