quinta-feira, 9 de novembro de 2017

EDITORIAL: ENCERROU A PRONOVIAS

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)




Encerrou a Pronovias, na Rua Visconde da Luz. Depois de cerca de meia-dúzia de anos a vender vestidos de cerimónia para noivas e acompanhantes, esta marca franchisada com sede em Barcelona cerrou portas. Para além de se saber que o prédio está à venda, desconhecem-se outros detalhes, mas, tendo em conta a continuada queda da procura comercial na Baixa da cidade, adivinham-se os motivos.
Se até há poucos anos se verificava que o fecho de lojas era mais e sobretudo nas vias estreitas, agora, como doença contagiosa que alastra, assistimos que o claudicar perpassou para as artérias de maior movimento de transeuntes no Centro Histórico, como é o caso.
A título de curiosidade, constata-se que a Rua Ferreira Borges -a extensão que liga ao Largo da Portagem-, certamente por ser usada por muito mais turistas que percorrem o triângulo Hotel Astória, Arco de Almedina e Universidade, comparativamente com a área restante, tem muito mais vitalidade comercial. Ainda que sejam lojas de artesanato muito idênticas, a verdade é que, aparentemente, se nota um certo crescimento na venda de artigos em cortiça e outros artefactos manuais. Neste momento, esta centena de metros, entre o Arco de Barbacã e o antigo largo Miguel Bombarda, está transformada na zona mais cara da cidade. Qualquer espaço para comércio pode rondar os cinco mil euros mensais.
Refiro os valores de rendas praticados para mostrar que a Baixa, a bem de todos, precisa de ser ordenada e planeada ao pormenor. Aproveitando o fluxo turístico, é preciso criar novas rotas e aproveitando a sua estadia distribuí-los pela cidade. Há alguns anos que, como se pregasse aos peixes, escrevo e falo sobre o que está acontecer aos olhos do maior cego. Se é certo que, progressivamente, as coisas vão melhorando -já se vêem mais grupos de visitantes pelas ruas estreitas- a verdade é que ainda não chega para o necessário equilíbrio que se se precisa para manter a zona comercial minimamente activa. Sobre um manto de protecção ao turismo que demanda a Universidade, num tapar de vistas de omissão, os nossos políticos com assento na Câmara Municipal, para não criarem conflitos, fazem de conta que está tudo bem. O resultado deste esquecimento canalizado somente para uma instituição é verificarmos que, num empobrecimento conhecido, os espaços comerciais, em toda a zona monumental, continuam a encerrar.

MAS, E O RESTO DA BAIXA?

Numa altura em que, na televisão e nos jornais, permanentemente se fala de queda do desemprego, subida do consumo interno, aumento de turistas a entrarem no país, crescimento económico, a Baixa de Coimbra parece estar em contra-ciclo. Quem andar por aqui, vendo que a desertificação continua a ser um enorme problema, apercebe-se facilmente que, em face de uma procura cada vez mais rarefeita, a oferta comercial, para além de ir minguando pelos encerramentos, é cada vez mais débil. É verdade que a renovação de espaços com outros ramos diferenciados continua, porém o substituto é sempre muito fraco e mais do mesmo. Nota-se que o novo investimento é apenas para ganhar um emprego por conta-própria.
Como já escrevi há pouco tempo, constata-se que a transformação de lojas de comércio para hotelaria é uma constante.
Pelo menos aqui na Baixa, apesar de não se falar muito sobre o que está acontecer, o comércio dito tradicional, intuo, está a atravessar a maior crise de sempre. Desde 2007/2008 que as vendas têm vindo a cair acentuadamente, mas, numa certa esperança que acompanha todos os vendedores, pensava-se que já se tinha batido no fundo. Quando se acaba o declive? É a pergunta que anda no ar.

MAS, O QUE É QUE ESTÁ ACONTECER À MERCANTILIZAÇÃO?

Sem querer parecer ser mais sabido do que um simples escriba, os motivos da fragilidade comercial, local e nacional, serão vários. Tudo radica numa procura escassa e numa oferta desmesurada. A razão da escassez da procura fixa-se na queda dos rendimentos das famílias, que não recuperaram desde os cortes de há pelo menos, sete anos para cá. Tentar explicar as razões da oferta agigantada, retirando as grandes superfícies como os maiores ofertantes, penso, resume-se ao facto do comércio constituir a única via fácil e possível de poder constituir o auto-emprego. Quando tudo em redor da criação de bens não dá garantias de lucro e sucesso opta-se pelo investimento de menor risco -e, no caso, o comércio. Por ser assim, esta actividade mercantil está transformada numa espécie de porto de confluência social de todas as profissões em desaparecimento.
Depois vêm as consequências previstas nos manuais de economia:

Se a oferta suplanta em muito a procura os preços baixam. Mas baixam até onde? Diz-se nos livros que estudam a macro e micro economia que os preços arreiam até ao seu custo total de produção em que é disponibilizado ao cliente -a chamada linha vermelha.
Acontece que, diz-nos o bom senso, quando o comerciante já oferece os seus artigos na linha vermelha e não vende, para fazer face às despesas do dia-a-dia, começa a alienar com manifesto prejuízo. O resultado de tal iniciativa, a curto prazo, é a falência.
Quando este comportamento passa do acto particular, isolado, para o geral, para o todo, entramos num processo que dá pelo nome de deflação -ou seja, a inflação ao contrário. Em vez da valorização contínua ou estável dos bens, assiste-se a um processo desacelarativo, a um embaratecimento contínuo, sobretudo nos produtos que não sejam de primeira necessidade. Salienta-se que, quando atingimos este estado anémico da economia, o comprador passa a jogador calculista e transforma-se num predador do custo mais baixo. Ou seja, passa a ser um vigilante dos preços e, para lesar ainda mais o vendedor, vai adiando o seu adquirir até conseguir aguentar a necessidade de obtenção. Isto é, o consumidor tomando conhecimento da fragilidade do vendedor, para seu proveito egoísta, fazendo uso de uma informação que lhe é providencial, procede como um abutre e esmifra o operador até ao tutano. Como é natural, com a balança completamente desequilibrada, o vendedor desaparece nos confins de uma luta que lhe é profundamente desigual.
A soma destas parcelas é o comércio entrar num processo viciado. Por parte do comprador, todas as compras realizadas, para além da ideia do ter comprado barato, terão de ter acopladas a frase “promoções” ou “saldos”, o que, como é óbvio, obriga os vendedores a constantes jogadas de parecer e não ser.

MAS, COMO SAIR DISTO?

Num universo de artigos globalizados, em que a oferta radica na pouca diversidade e oriunda quase sempre dos mesmos produtores, ganha aquele operador que conseguir comprar em grandes quantidades. Não é por acaso que se assiste às grandes superfícies a liderarem o processo contínuo de (falsas) promoções. Vivemos o tempo da (falsa) concorrência sã -selvagem. Quanto mais pequeno for o vendedor mais próximo estará do seu iminente desaparecimento.
Verifica-se um fenómeno curioso, antigamente, naquele tempo em que um comerciante era sinónimo de grande respeitabilidade social, concretizava-se um investimento para gerar riqueza -e esta, pela distribuição, fazia prosperar o país-, agora, procurando vender mais barato que o vizinho e levá-lo à insolvência, é simplesmente para ganhar uma ocupação temporária -claro que, nesta aposta isolada, há sempre um ganhador certo: o Estado.
A haver volta a dar a isto, só largando esta neo-liberalização de preços em que a economia debandou, o que nos parece impossível já que quem manda na Europa e no mundo são, a montante, os grandes grupos do grande capital, os vampiros do rendimento do trabalho, e, a jusante, os interesses dos grandes países produtores, exploradores da mão-de-obra esclavagista.
Com o aliciamento propalado pelos políticos que nos governam de que a concorrência é boa para os consumidores, está-se a entrar pelo cano abaixo onde se prevê, a médio-prazo, uma catástrofe... a não ser que a Web Summit, a decorrer em Lisboa, nos salve (evidentemente que é para rir).


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