(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
Encerrou
a Pronovias,
na Rua Visconde da Luz. Depois de cerca de meia-dúzia de anos a
vender vestidos de cerimónia para noivas e acompanhantes, esta marca
franchisada com sede em Barcelona cerrou portas. Para além de se
saber que o prédio está à venda, desconhecem-se outros detalhes,
mas, tendo em conta a continuada queda da procura comercial na Baixa
da cidade, adivinham-se os motivos.
Se
até há poucos anos se verificava que o fecho de lojas era mais e
sobretudo nas vias estreitas, agora, como doença contagiosa que
alastra, assistimos que o claudicar perpassou para as artérias de
maior movimento de transeuntes no Centro Histórico, como é o caso.
A
título de curiosidade, constata-se que a Rua Ferreira Borges -a
extensão que liga ao Largo da Portagem-, certamente por ser usada
por muito mais turistas que percorrem o triângulo Hotel Astória,
Arco de Almedina e Universidade, comparativamente com a área
restante, tem muito mais vitalidade comercial. Ainda que sejam lojas
de artesanato muito idênticas, a verdade é que, aparentemente, se
nota um certo crescimento na venda de artigos em cortiça e outros
artefactos manuais. Neste momento, esta centena de metros, entre o
Arco de Barbacã e o antigo largo Miguel Bombarda, está
transformada na zona mais cara da cidade. Qualquer espaço para
comércio pode rondar os cinco mil euros mensais.
Refiro
os valores de rendas praticados para mostrar que a Baixa, a bem de
todos, precisa de ser ordenada e planeada ao pormenor. Aproveitando o
fluxo turístico, é preciso criar novas rotas e aproveitando a sua
estadia distribuí-los pela cidade. Há alguns anos que, como se
pregasse aos peixes, escrevo e falo sobre o que está acontecer aos olhos do
maior cego. Se é certo que, progressivamente, as coisas vão
melhorando -já se vêem mais grupos de visitantes pelas ruas
estreitas- a verdade é que ainda não chega para o necessário
equilíbrio que se se precisa para manter a zona comercial
minimamente activa. Sobre um manto de protecção ao turismo que
demanda a Universidade, num tapar de vistas de omissão, os nossos
políticos com assento na Câmara Municipal, para não criarem
conflitos, fazem de conta que está tudo bem. O resultado deste
esquecimento canalizado somente para uma instituição é
verificarmos que, num empobrecimento conhecido, os espaços
comerciais, em toda a zona monumental, continuam a encerrar.
MAS,
E O RESTO DA BAIXA?
Numa
altura em que, na televisão e nos jornais, permanentemente se fala
de queda do desemprego, subida do consumo interno, aumento de
turistas a entrarem no país, crescimento económico, a Baixa de
Coimbra parece estar em contra-ciclo. Quem andar por aqui, vendo que
a desertificação continua a ser um enorme problema, apercebe-se
facilmente que, em face de uma procura cada vez mais rarefeita, a
oferta comercial, para além de ir minguando pelos encerramentos, é
cada vez mais débil. É verdade que a renovação de espaços com
outros ramos diferenciados continua, porém o substituto é sempre
muito fraco e mais do mesmo. Nota-se que o novo investimento é
apenas para ganhar um emprego por conta-própria.
Como
já escrevi há pouco tempo, constata-se que a transformação de
lojas de comércio para hotelaria é uma constante.
Pelo
menos aqui na Baixa, apesar de não se falar muito sobre o que está
acontecer, o comércio dito tradicional, intuo, está a atravessar a
maior crise de sempre. Desde 2007/2008 que as vendas têm vindo a
cair acentuadamente, mas, numa certa esperança que acompanha todos
os vendedores, pensava-se que já se tinha batido no fundo. Quando se
acaba o declive? É a pergunta que anda no ar.
MAS, O
QUE É QUE ESTÁ ACONTECER À MERCANTILIZAÇÃO?
Sem
querer parecer ser mais sabido do que um simples escriba, os motivos
da fragilidade comercial, local e nacional, serão vários. Tudo
radica numa procura
escassa e numa oferta
desmesurada. A razão da escassez da procura
fixa-se na queda dos rendimentos das famílias, que não recuperaram
desde os cortes de há pelo menos, sete anos para cá. Tentar
explicar as razões da oferta
agigantada, retirando as grandes superfícies como os maiores ofertantes, penso, resume-se ao facto do comércio constituir a única
via fácil e possível de poder constituir o auto-emprego. Quando
tudo em redor da criação de bens não dá garantias de lucro e
sucesso opta-se pelo investimento de menor risco -e, no caso, o
comércio. Por ser assim, esta actividade mercantil está transformada numa espécie de porto
de confluência social de todas as profissões em desaparecimento.
Depois
vêm as consequências previstas nos manuais de economia:
Se
a oferta suplanta em muito a procura os preços baixam. Mas baixam
até onde? Diz-se nos livros que estudam a macro e micro economia que
os preços arreiam até ao seu custo total de produção em que é disponibilizado
ao cliente -a chamada linha vermelha.
Acontece
que, diz-nos o bom senso, quando o comerciante já oferece os seus
artigos na linha vermelha e não vende, para fazer face às despesas
do dia-a-dia, começa a alienar com manifesto prejuízo. O resultado
de tal iniciativa, a curto prazo, é a falência.
Quando
este comportamento passa do acto particular, isolado, para o geral,
para o todo, entramos num processo que dá pelo nome de deflação
-ou seja, a inflação ao contrário. Em vez da valorização
contínua ou estável dos bens, assiste-se a um processo
desacelarativo, a um embaratecimento contínuo, sobretudo nos
produtos que não sejam de primeira necessidade. Salienta-se que,
quando atingimos este estado anémico da economia, o comprador passa
a jogador calculista e transforma-se num predador do custo mais
baixo. Ou seja, passa a ser um vigilante dos preços e, para lesar
ainda mais o vendedor, vai adiando o seu adquirir até conseguir
aguentar a necessidade de obtenção. Isto é, o consumidor tomando
conhecimento da fragilidade do vendedor, para seu proveito egoísta,
fazendo uso de uma informação que lhe é providencial, procede como
um abutre e esmifra o operador até ao tutano. Como é natural, com a
balança completamente desequilibrada, o vendedor desaparece nos
confins de uma luta que lhe é profundamente desigual.
A
soma destas parcelas é o comércio entrar num processo viciado. Por
parte do comprador, todas as compras realizadas, para além da ideia
do ter comprado barato, terão de ter acopladas a frase “promoções”
ou “saldos”, o que, como é óbvio, obriga os vendedores a
constantes jogadas de parecer e não ser.
MAS, COMO
SAIR DISTO?
Num
universo de artigos globalizados, em que a oferta radica na pouca
diversidade e oriunda quase sempre dos mesmos produtores, ganha aquele operador
que conseguir comprar em grandes quantidades. Não é por acaso que
se assiste às grandes superfícies a liderarem o processo contínuo
de (falsas) promoções. Vivemos o tempo da (falsa) concorrência sã -selvagem. Quanto mais pequeno for o vendedor mais próximo estará do seu iminente desaparecimento.
Verifica-se
um fenómeno curioso, antigamente, naquele tempo em que um
comerciante era sinónimo de grande respeitabilidade social,
concretizava-se um investimento para gerar riqueza -e esta, pela
distribuição, fazia prosperar o país-, agora, procurando vender
mais barato que o vizinho e levá-lo à insolvência, é simplesmente
para ganhar uma ocupação temporária -claro que, nesta aposta isolada, há sempre um ganhador certo: o Estado.
A
haver volta a dar a isto, só largando esta neo-liberalização de
preços em que a economia debandou, o que nos parece impossível já
que quem manda na Europa e no mundo são, a montante, os grandes
grupos do grande capital, os vampiros do rendimento do trabalho, e, a
jusante, os interesses dos grandes países produtores, exploradores
da mão-de-obra esclavagista.
Com
o aliciamento propalado pelos políticos que nos governam de que a
concorrência é boa para os consumidores, está-se a entrar pelo
cano abaixo onde se prevê, a médio-prazo, uma catástrofe... a não
ser que a Web
Summit, a
decorrer em Lisboa, nos salve (evidentemente que é para rir).
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