(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
Neste
último Sábado, a Câmara Municipal da Mealhada, sob o lema
“Comércio em
Festa”, levou a
efeito um desfile de moda, “em
que eram apresentadas as grandes propostas das lojas da cidade”,
e abrilhantado com música ao vivo de DJ's contratados. Seguindo o
exemplo de anos anteriores (creio), e a prossecução, em imitação,
do que se faz pelo país de Norte a Sul sobe o mote de “Noite
Branca”, a ideia
seria manter os estabelecimentos comerciais abertos até à meia-noite e, para além disso, “um
sorteio de vales de desconto num valor acumulado superior a 500
euros” -in Diário
de Coimbra.
Cerca
das 21h30, tanto quanto me apercebi, na principal artéria da cidade
bairradina, para além de alguns cafés, havia três lojas comerciais
abertas, sendo que duas pertenciam ao mesmo proprietário.
Transeuntes a circular nas ruas contavam-se pelos dedos. No entanto,
saliente-se, no fim do espectáculo de moda realizado na Quinta da
Nora deu para ver que largas dezenas de pessoas assistiram e depois
de concluída a mostra recolheram directamente às suas casas sem
sequer se preocuparem em visitar os poucos comerciantes “resistentes”
que seguiram o programa anunciado.
Num
dos espaços comerciais abertos, em cuja montra poderia ler-se “leve
dois e pague um”, troquei algumas impressões com o lojista.
Pela longa conversa, facilmente percebi que o que se passa com o
comércio tradicional em Coimbra, cidade média de cerca de cem mil
habitantes, é igual à Mealhada, urbe com pouco mais de vinte mil. Lá como cá, o comércio de rua arrasta-se pelas pedras
da calçada sem que, por parte do poder político, se vislumbrem
soluções honestas de salvação que possam pôr fim à sangria que
inevitavelmente levará ao desaparecimento destes espaços tão
populares e necessários a todos os lugares habitados. Na Mealhada
como em Coimbra, a solução apresentada de recorrer à festa nos
centros das cidades e chamando os comerciantes a estarem abertos visa
essencialmente dois objectivos:
Primeiro,
mostrar aos consumidores em geral, enquanto massa abstracta que vota
e que não está ligada ao comércio de rua, que os “senhores
feudais” (o poder político local instituído) estão muito
preocupados com a desertificação e a notória queda abrupta nas
vendas. E por isso mesmo promovem iniciativas que, aparentemente, têm
por objecto revitalizar os centros urbanos. Ficam muito bem na
fotografia e o povo, acrítico, sem pensamento de análise e que
adora circo, bate palmas.
Segundo,
como os comerciantes não aderem a estas festarolas, porque há muito
se aperceberam do que daí advém, a intenção é passar o ónus da
responsabilidade de decrepitude destas zonas para os que lá exercem
as suas profissões de compra e venda. Paulatinamente, como um enorme
toro de madeira numa lareira, os mercadores, sem destrinça entre
velhos e novos e indiciados como causadores da falência vivificante dos centros, vão sendo
queimados em lume brando pela opinião pública.
É
óbvio que, na primeira premissa, estes políticos estão fartos de
saber que o comércio local caiu nas ruas da amargura muito por culpa
do licenciamento desbragado e falta de planeamento urbanístico da
oferta nas actividades existentes. A desculpa para se continuar a
falar em urbanismo comercial e não se fazer nada para a sua
implantação, num preceito constitucional que dá jeito assente na
liberdade de investimento, reporta-se para Constituição da
República e para as directivas emanadas de Bruxelas, em que o que
importa é a concorrência sem regulação. Quanto mais oferta
selvagem houver maior será a destruição na pequena e pequeníssima
empresa. Não é preciso ser presciente para adivinhar que a
médio-prazo esta anomia, perdas de identidade, de objectivos e de
regras, vai conduzir ao caos, em que o desequilíbrio vai imperar
pela transformação de tudo em hotelaria -até ao dia em que este
sector rebentará também como bolha de água inflaccionada.
É
também claro que, na segunda premissa, os eleitos condutores das
cidades estão fartos de saber que os comerciantes não aderem porque
estas acções festivaleiras não trazem absolutamente nada de
positivo para os lojistas. Pelo contrário, pela despesa em cima de
despesa, sem que se vislumbrem melhorias, é extremamente negativo.
Utilizando-os como arlequins do reino, sem um pingo de vergonha,
faz-se deles actores gratuitos de um teatro trágico-cómico.
Tal
como se verificou neste último Sábado na Mealhada, e igualmente em
Coimbra, as pessoas são atraídas apenas pela alegoria e poucos e
raramente vão para comprar nessa noite. É assim uma espécie de ida
à romaria do Santo Amaro.
Neste
cortejo à Senhora das Aflições, todos fingem. Começa no
comerciante que, sentindo que o negócio é cada vez mais a
conta-gotas e a cair dia-após dia, finge que está tudo bem -a não
adesão a estes movimentos circenses é o único protesto silencioso
que se conhece. Fingem os grupos parlamentares com assento na
Assembleia da República, fingem os políticos governamentais,
fingem os eleitos locais, fingem os candidatos às eleições
autárquicas -em Coimbra todos os novos concursantes, nos seus
programas eleitorais, falam em “requalificar” a Baixa. A
questão é saber interpretar a palavra “requalificar” para
além de ser uma bandeirola política que serve para tudo menos para
ser objectiva.
Só
para ser mais claro, de dois em dois anos, normalmente sob a sigla
“Comércio Invest”, com promessas de um “eldorado”, lá
vem subsídios propalados e, na subsequência, o convite e
aceitamento para a forca. Este ano, para variar e alargar os créditos
às autarquias, inserido no âmbito do Quadro Comunitário 2020-2020,
foi apresentado o “Coimbra Invest”. Numa animada marcha fúnebre comercial, para ser contemplado, exige-se que tenham de ser
criados postos de trabalho e, para o seu preenchimento, de recorrer
aos centros de emprego. Facilmente se adivinha que num sector que
agoniza, como é lógico, esta não será a solução viável para a sua recuperação.
NÓS
POR CÁ TUDO BEM...
Em
Coimbra, quando o comércio de rua apresenta sinais evidentes de
esgotamento colectivo na Baixa, e em que os comerciantes não aderem
ao alargamento de horário nas chamadas “Noites Brancas” e
pelo contrário estão a abrir mais tarde e a encerrar as suas lojas
mais cedo – para além de alguns já não estarem cá ao Sábado,
nos outros dias, abrem por volta das 9h30 e encerram por volta das
18h00-, o executivo municipal continua a apostar na torrefacção de
mais uns milhares de euros para festas populares em nome do Santo
Onofre, protector dos comerciantes.
Depois de ter financiado há poucos meses com a verba de 35 mil euros, segundo o Diário de Coimbra de hoje, desta vez o “Município apoia
Agência de Promoção da Baixa” com 55 mil euros. “A autarquia
reconhece que a APBC tem aumentado, com qualidade, as dinâmicas de
actuação e que pretende dar continuidade ao projecto, que contempla
a concretização de iniciativas de carácter estruturante, de
promoção e modernização da zona da Baixa de Coimbra. A sua acção
e foco têm vindo a incidir em actividades que atraiam o maior número
de pessoas à Baixa de Coimbra e, em 2016, houve uma considerável
aposta na formação e sensibilização dos comerciantes, em acções
de responsabilidade social, na captação de investidores e na
promoção de concursos de empreendedorismo”.
Não
há nada com cair em graça! Quando se precisa de justificar o
injustificável até se inventam desempenhos e conceitos. Entretanto, os castelos vão caindo, mas não há problema porque a banda continua a tocar. Ah, grande
Manuel Machado! O que seria da Baixa sem você?!?
Sem comentários:
Enviar um comentário