domingo, 11 de abril de 2021

EDITORIAL: UM ESTADO POLÍCIA GERA INCAPACIDADE DE PENSAR

Um estado polícia, na sua cegueira legalista, isento de discricionariedade, sem pedagogia e sem indulgência perante a contra-ordenação, gera na colectividade um ressabiamento, um ódio visceral contra os incumpridores. De forma calculista, perseguindo unicamente resultados para preencher a sua ambição desmedida, apresenta-se à sociedade como o grande protector dos bons usos e costumes, manipulando os fins sem olhar a meios. Sem a mínima preocupação social pelas pessoas, onde não existem sentimentos de inquietação e piedade pela sua sorte, buscando apenas o consenso de aprovação popular para as suas medidas regulamentares injustas e arbitrárias, transforma os cidadãos em algozes de outros cidadãos (homem lobo do homem). Insensível à dor e ao sofrimento causado ao caso particular, gerando bufos, denunciantes e “borra-botas”, como Pilatos, lava as mãos no erro lavrado na sua própria ineficácia e limpa-as na inconsciência do dano, material e intelectual, causado à idoneidade do lesado. Num tempo onde, a passos de gigante, a humanidade cada vez mais perde a capacidade individual de pensar pela sua própria cabeça, escolher somente pela sua vontade, avaliar com a serenidade indispensável e se deixa manobrar pelo desejo hábil dos “influencers” das redes sociais, com programas de televisão sem criatividade e alienantes para as massas, este estado autoritário tem todas as condições necessárias para, sem revolta dos prejudicados, agir na maior das impunidades. Vem esta introdução a propósito de três casos paradigmáticos. O primeiro, foi há cerca de três semanas a GNR ter aplicado coimas de duzentos euros a cada um de cinco jovens que se encontravam juntos em plena Serra do Bussaco. A segunda, foi ter lido que em várias cidades portuguesas, mas mais concretamente em Aveiro, a ASAE aplicou coimas de dois mil euros a proprietários de cafés e restaurantes por clientes sentados não manterem entre si a distância regulamentar de dois metros. Ou seja, em vez de ser usada a didática, foi usada a régua e o esquadro. Terceiro, O que se está a passar com a não pronúncia no Tribunal Central de Instrução Criminal na denominada Operação Marquês, em que o actor principal é José Sócrates, na forma, é inconcebível. Na substância é muito provável que o desfecho parcial deste mega-processo eleve um certo descontentamento cidadão. Voltando à forma, é inqualificável esta execução pública do Juiz de Instrução Ivo Rosa – não estou a afirmar que a sua decisão esteja isenta de erros, porém, não sou eu, não será você que, sem conhecer a matéria de facto, pode cilindrar o magistrado na praça pública. A justiça possui mecanismos de controle para, através de recurso, poder reparar alguns erros, se é que os houve no instrutório de Ivo Rosa – que, sejamos justos, a sua sentença é passível de inexactidão. Um juiz é “irresponsável” na sua deliberação precisamente para poder decidir com ponderação, independência e imparcialidade e baseado na sua convicção. Mais, o circo mediático que está montado em torno das assinaturas em Petição Pública endereçada à Assembleia da República para o togado ser afastado serve para pouco. O poder judicial, sendo independente do poder político e legislativo, só pode ser escrutinado pelos seus pares superiores hierarquicamente. Antes de pronunciar o juiz de parcialidade, de incompetente, e violador das leis, não seria melhor aguardar a decisão do Tribunal da Relação? A questão que se coloca é: a quem interessa todo este “bota-a-baixo” do edifício da Justiça?

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