domingo, 4 de abril de 2021

BARRÔ: SEIS FIÉIS E UMA ABELHA…

O interior da capela estava todo engalanado. E, afinal, não seria caso para menos, comemorava-se o Dia da Redenção do Senhor. Por isso mesmo, por ser Dia de Páscoa, foi combinado nos dias antecedentes com a cuidadora da capela, Edite Pedro, que a pequena ermida de Barrô estaria aberta neste Domingo entre as 15h00 e as 17h00. Na mesa do altar um bonito arranjo de orquídeas em tom de lilás, ladeado por uma vela acesa a simbolizar a luz divina pareciam dar as boas-vindas ao muito povo que se esperava para celebrar a Ressurreição de Cristo na pequena capelinha da aldeia. O chão, impecavelmente limpo, pedia encarecidamente perdão para que ninguém deixasse mácula ao ser pisado. Com os bancos e cadeiras tão brilhantes e alinhados davam ideia de uma casa de bonecas. O resultado não seria outro de esperar, já que no dia anterior, Sábado, Edite, a zeladora, passou a tarde inteira a pôr tudo a reluzir para receber as largas dezenas de fiéis. Acontece que nas duas horas em que a pequena catedral esteve aberta, entraram lá seis pessoas, incluindo a responsável da comissão da capela, que se manteve lá dentro durante todo o tempo, e uma abelha – este insecto, pelo eminente zumbido, sempre impediu que o silêncio questionável fosse atroador. Mas no que toca as religiões, sobretudo nos meios pequenos, há muitos comportamentos que, para além de se tornarem imprevisíveis, não são para entender. Nestes pequenos micro-cosmos há sempre questiúnculas, poderzinhos arreigados, invejas, rivalidades, falsidade e outras coisas que não digo. ATÉ AOS SANTOS LHES SALTOU A TAMPA Lá atrás, junto ao púlpito, do lado esquerdo, a imagem de Santa Teresinha, com a cruz ao colo, chamando a si a defesa de Edite Pedro, não deixava o seu descontentamento por mãos alheias: “isto faz-se? Andou a senhora, ontem, a deixar tudo num brinquinho para receber bem as pessoas e esta cambada não se dignou aparecer? Tenham paciência, mas isto faz-me saltar a tampa! Deixem-nos vir para cá a bater com a mão no peito, a pedirem milagres que eu cá estou para lhes fazer a folha. Ai se estou! Estou indignadíssima! Logo hoje, neste dia tão especial para as comunidades?!?…” Abruptamente, foi interrompida pela imagem de São Judas Tadeu, que posicionado do lado direito do altar, mostrando alguma presunção, parecia gozar com a situação: “ Ó Teresinha, tem lá calma, pode ser? Primeiro, há quanto tempo não fazes um milagre por esta gente? Se fizesses, e aponta aí, cuidavas que fossem mais amigos uns dos outros, e, acima de tudo, que não dissessem mal uns dos outros pelas costas. Segundo, sabes muito bem que este pessoal só vem à capela, por norma, uma vez por ano, no caso, no dia da festa do nosso colega Sebastião. E por excepção, quando morre alguém. Estás-me a dar música é? Terceiro, achas bem a nossa zeladora manter-se aí durante todo o tempo em que estivemos abertos? Parecia que nos estava a vigiar... Não gostei nada disso! Pronto!!” Antes de Santa Teresinha replicar meia furibunda, interrompeu o padroeiro da aldeia, a imagem de São Sebastião: “Vamos acabar com a discussão? Pode ser? Que mania a vossa! Sempre a arranjarem bodes expiatórios! Não têm mais nada com que se preocuparem? Não? Façam milagres…”

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