“Na
segunda ressalva, juro que não tenho por intenção colocar
em
causa o valor cultural nem do salão, como espaço monumental
de
memória, nem do esforço da direcção do Jazz ao Centro para
revitalizar
o Centro Histórico. Nesta avaliação faço escusa.
Tento
focar-me apenas no montante do investimento público.”
Os
jornais locais de ontem noticiavam que a Câmara Municipal de Coimbra
quer comprar o edifício do Salão Brazil, no Largo do Poço, na
Baixa de Coimbra. Citando o Diário de Coimbra, “para o qual já
existe uma proposta de aquisição, por parte de investidores
estrangeiros, ao que foi possível apurar de nacionalidade chinesa,
no valor de um milhão de euros. A decisão de adquirir o imóvel,
que foi colocado à venda pelos respectivos proprietários, é
“assegurar a continuidade da dinamização de actividades
socioculturais já existentes naquele edifício, nomeadamente da Jazz
ao Centro Clube, o que eventualmente poderia ser colocado em causa
com uma transacção do imóvel para investidores privados”,
confirma a a autarquia em nota enviada à imprensa. A proposta de
aquisição do imóvel, que se encontra integrado na Área de
Reabilitação Urbana (ARU) e em zona Especial de Protecção do
Património Mundial Classificado pela UNESCO da Universidade de
Coimbra, Alta e Sofia. “A situação coloca-se depois de ter dado,
já este mês de Novembro, um anúncio no site “Casa Pronta” (uma
ferramenta disponibililazada pelos serviços do Ministério da
Justiça que permite realizar de forma imediata todas as formalidades
necessárias à compra e venda de prédios urbanos, mistos ou
rústicos) (…).
(…) Carina
Gomes, vereadora da Cultura, citada no documento, destaca “a
relevância cultural do trabalho promovido pelo Jazzz ao Centro
Clube”, considerando que “o edifício, a sua localização e as
funções culturais que ali têm lugar constituem uma mais valia
estratégica para o importante processo que a autarquia vem
desenvolvendo, em termos culturais e socioeconómicos, no âmbito da
candidatura de Coimbra a Capital Europeia da Cultura 2027.”
Começo
com duas ressalvas. A primeira, hesitei muito em escrever sobre este
assunto. Afinal, na qualidade de micro-comerciante da Baixa, cujo
passado nesta vida foi a compra e venda, estou em fim de carreira e,
saindo da cidade, estando quase a despedir-me da actividade
mercantil, por que raio vou lançar a confusão em muitas mentes
decisoras ou usufrutuárias que, perante o anúncio, já aprovaram
sem reserva e, por só vislumbrarem a virtude angelical, sem
conhecimento profundo do que está em cima da mesa, dão saltos de
contentes. Na minha qualidade de cidadão anónimo mais ou menos
informado, achei que, mesmo contrariando a onda, por uma questão de
honestidade intelectual, sobretudo para comigo, deveria plasmar o que
sei e dar a minha opinião. Esta minha crónica – aliás longa e
que só lerão os pouquíssimos interessados no tema - vai ter algum
impacto nos órgãos decisores? Claro que não. A decisão já está
mais que tomada. Para uns, os que a apresentam na mesa executiva, é
uma forma de, fazendo de conta que a medida é essencial, mostrar
trabalho, para outros, os que deveriam ser o travão para impedir o
desperdício e a arbitrariedade, por que têm medo de serem acusados
de pôr o pau na roda, alinham na aprovação só para ganharem
votos. Então, perguntará o leitor, nesse caso, se adivinha o que
vai acontecer, por que o faz?
Na segunda
ressalva, juro que não tenho por intenção colocar em causa o valor
cultural nem do salão, como espaço monumental de memória, nem do
esforço da direcção do Jazz ao Centro para revitalizar o Centro
Histórico. Nesta avaliação faço escusa. Tento focar-me apenas no
montante do investimento público.
Como
é normal, os relatos jornalísticos são apresentados a frio, sem contraditório e desprovidos de qualquer informação prévia de suporte que leve o cidadão a
avaliar o negócio. Trata-se de um investimento, isto é, trata-se de
uma aplicação de capital com expectativa de retorno futuro? Ou,
pelo contrário, estamos perante uma aplicação morta, onde o
benefício a médio ou a longo prazo é difícil de vislumbrar?
É preciso não
esquecer que, a consumar-se, é de dinheiros públicos que falamos,
dos meus, dos seus e de outros concidadãos como nós. Os gestores
políticos, embora com plenos poderes de representatividade, são
(devem ser) simplesmente os executores da vontade popular e, no
desempenho da missão, devem agir como um chefe de família avisado,
ponderado e com visão estratégica de futuro. Sem pretender grandes
juízos de valor, mas estando certo ser impossível fingir que não
tenho opinião negativa, vou então mostrar o passado, o presente e o
futuro (em especulação) do Salão Brazil.
UM
POUCO DE HISTÓRIA
Recordar
o Salão Brazil, na memória dos mais velhos, é tocar a saudade de
uma efervescente Baixa cujo movimento de pessoas não voltará
jamais. Transportar
essa época para os nossos dias é como pretender voltar aos comboios
a vapor.
Na sua época
áurea, e até meados da década de oitenta, do século passado, o
Salão Brazil e a Baixa, como irmãos siameses, caminhavam lado a
lado. Escrever sobre este antigo salão de bilhares é pedir ao tempo
que nos dê tempo para voltarmos atrás e nos fazer outra vez
meninos. Falar no Salão Brazil é reviver memórias do Centro
Histórico, é rebobinar um filme mudo onde as pessoas nas suas ruas
e vielas parecem formigas em carreiro de sequeiro. (Clique
aqui em cima e leia a história completa em
crónica por mim escrita para o semanário O Despertar, em 2012)
Por volta de 1994
morreu já
velhinho o
Juvenal, o timoneiro do velho salão, e com ele apagou-se a
espiritualidade deste histórico
espaço de entretenimento.
Durante pouco tempo ainda
funcionou com uma senhora como funcionária, mas acabou encerrado
durante alguns anos.
OS
NOVOS INQUILINOS DO SALÃO
Como
curiosidade, creio que em 1998, cheguei a ir à Figueira da Foz falar
com o proprietário para me arrendar o espaço para fazer leilões de
antiguidades. Como a renda pedida era, a meu ver, exagerada não
aceitei.
Pouco
tempo depois o nobel salão de
bilhares foi arrendado ao
falecido Fernando, “do café Samambaia” - assim conhecido por ter
trabalhado muito tempo no estabelecimento do Bairro Norton de Matos.
Durante uns anos, com a ajuda da esposa na cozinha, os seus pitéus
ganharam fama em toda a Baixa. Nessa altura, o Fernando, retirando
a maioria, deixou apenas dois
Snooker’s e na restante área
tinha mesas.
Em
2004, uma sociedade,
constituída pelo Manuel e o Telmo, toma conta do primeiro-andar do
Largo do Poço e, acabando de vez com os bilhares, faz um restaurante
de renome e de ambiente “Art
Deco”.
Entretanto,
estabeleceram um protocolo com o Jazz ao Centro (JACC),
sob direcção de Pedro Rocha Santos, e incluíram animação
musical.
Em
2012, O Telmo, o dono do restaurante, passou de vez e na totalidade o salão ao Jazz ao
Centro, que se transferiu do
Adro de Baixo.
A renda do
estabelecimento era, por esta altura, creio, cerca de 1500 euros
mensais. Para ultrapassar o problema dos custos de funcionamento, já
com Barbosa de Melo em substituição de Carlos Encarnação à
frente da edilidade e com Maria José Azevedo como vereadora da
Cultura, o JACC
passou a ser contemplado anualmente com 60 mil euros.
Veio 2013, com a
Coligação
Mais Coimbra, com o
PSD/CDS-PP/MPT/PPM, a ser apeada pelos socialistas, com Carina Gomes
como vereadora da Cultura, o PS manteve a atribuição o mesmo
subsídio todos os anos subsequentes.
Em
Fevereiro de 2015, encerrou a Daline, um loja de roupas, no
rés-do-chão do edifício do Salão Brazil. Pagava uma renda de,
creio, 2200 Euros. Pouco tempo depois a
superfície foi tomada de
arrendamento por um comerciante de ascendência chinesa por,
creio, 2500 Euros.
Naturalmente, o JACC procurava alargar a sua actividade e chegou a gerar algum descontentamento na vizinhança.
BALANÇO
DO QUE FICOU ESCRITO
O
rendimento actual do edifício para um investidor particular é,
portanto, de cerca de 4000 euros mensais.
Ou seja, um dividendo convidativo que tenta um qualquer milionário
com milhões disponíveis.
Porém, é preciso
salientar que este provento não é o mesmo para a Câmara Municipal
de Coimbra, já que, anualmente,
injecta 60 mil euros na
associação Cultural sem fins lucrativos.
PERGUNTAS
SEM RESPOSTA
1-Tendo
em conta o momento inflacionado para o edificado, será uma boa altura para a CMC exercer o direito de preferência num prédio que,
tendo em conta o seu mau-estado de conservação, está
hiper-valorizado?
Será que, para
fazer uma ponderada avaliação que se exige tomando em atenção o
elevado montante, foram consultadas várias imobiliárias em Coimbra?
2
- Sabendo-se que a
compra está relaccionada no
âmbito da candidatura de Coimbra a Capital Europeia da Cultura 2027,
remetendo para os “elefantes
brancos” do Euro 2004,
fará sentido esta compra? Não
deu para aprender nada com o descalabro financeiro que a experiência
desencadeou no país?
3
– Qual o uso
destinado ao edifício por parte do investidor chinês?
Antecipadamente, não pediu a informação-prévia? Os cidadãos não deveriam saber?
4
– Imaginemos
que se tratava de um futuro Centro Comercial. No interesse de
revitalização da Baixa comercial, será melhor manter lá uma
associação cultural cujos custos de funcionamento reverte por
inteiro para os cofres públicos?
5
– E, pensemos, de
aqui a quatro anos ganha a edilidade um partido, movimento, ou uma
coligação que não concorda com a atribuição do subsídio ao JACC
e “fecha a torneira”.
O que vai acontecer? Justifica-se o investimento de um milhão de
euros unicamente por causa de uma entidade que, praticamente, não
tem receitas próprias?
6
– Ao adquirir um
edifício alegando o trabalho profícuo de uma entidade sem fins
lucrativos a autarquia não estará a promover um quid
pro quo, tomar uma coisa
por outra? Ou seja, valorizando um por excepção, não estará a
gerar conflitos futuros,
criando
noutras congéneres a
reivindicação do mesmo tratamento de igualdade?
Apenas como exemplo
equitativo: a APBC, Agência
para a Promoção da Baixa de Coimbra, tal
como o JACC, é praticamente suportada por dinheiros camarários.
Acontece que a sua sede no
edifício do Arnado, por simpatia, tanto quanto julgo saber, é, há
muitos anos, cedida gratuitamente pela gerência do Centro Comercial.
Tomando o precedente, levando em boa nota as alegações de que esta
agremiação tem feito um bom trabalho, na linha do mesmo
tratamento, a CMC não deverá comprar uma sala, ou outro qualquer
sítio para esta agência? Se não o fizer, a meu ver, estará a usar
de discriminação.
Sem comentários:
Enviar um comentário