domingo, 23 de dezembro de 2018

BAIXA: UMA NARRATIVA QUE PARECE IMPOSSÍVEL MAS...







Apesar de ser Domingo, a dois dias do Natal seria de supor, por um lado, que todas as lojas comerciais estivessem abertas, por outro, que toda a cidade, em massa e em nome dos velhos tempos, acorresse a fazer compras no coração da tradição. Ora, nem em um nem noutro casos aconteceu assim. Ou seja, nem os estabelecimentos abriram em bloco - só cerca de dez por cento compareceu à chamada laboral –, nem a esperada clientela pôs os pés na zona histórica.
Quer por uns quer por outros, é de admirar este procedimento? Ou não? A ver vamos! Pelos primeiros, os comerciantes, por alguma lamúria avulsa que graça por entre becos e ruelas, seria de supor que abririam portas nesta véspera que já foi tão importante nas vendas anuais. Pelos segundos, os citadinos, sempre tão críticos com a classe política, afoitos e generosos com discursos pungentes sobre o estado da Baixa, também custa a entender. A menos que, nos dois estratos, ocorresse qualquer acaso que forçasse a não comparência. Por conseguinte, se todos temos curiosidade em saber, nada melhor do que perguntar, é ou não é verdade?
A passear calmamente numa das ruas largas como se aferisse o movimento de passantes, de sobretudo comprido com golas coçadas, que já viu melhores dias e mãos nos bolsos, encontrámos um nosso amigo e colega estabelecido -que não identifico por questões de reserva. Depois do cumprimento da praxe, atirei-lhe de supetão: Então não abriste hoje? Anda pouca gente a circular, não é? Tentei contemporizar.
- Não é por isso, pá! – respondeu-me irritado, como se tivesse entendido a minha observação à laia de provocação.
Eu não abri a minha loja em solidariedade com os nossos Coletes Amarelos, que se manifestaram há três dias no nosso país. Por culpa do Governo, do Presidente da República, dos partidos políticos e do nosso presidente da Câmara a nossa cidade está de rastos! Eu nunca vi isto assim! No negócio, o pior Natal dos últimos vinte anos! O mal de tudo é a apatia das pessoas! Ninguém quer saber! Fossem todos como eu e Portugal estaria virado do avesso!


E OS CITADINOS? POR QUE NÃO VIERAM À BAIXA?


Sempre que preciso de escrever sobre questões de cidade, acima de tudo com grande imparcialidade, socorro-me da menina Pulquéria, solteira, boa rapariga e virgem prendada, uma munícipe muito interventiva mormemente nas redes sociais. No Facebook fazem história para a posteridade os seus lamentos memoriáveis: “Quem viu esta Baixa e quem a vê! Meu Deus, os culpados são os políticos da autarquia! Atenção, todos, incluindo a oposição! Ao que chegou a cidade! Ainda sou do tempo em que não se podia romper nas ruas estreitas! São só lojas e mais lojas fechadas! Abandonaram esta parte da cidade à sua sorte, é o que é!
Cerca das 14h30 cliquei nos números para contactar e ouvir a menina Pulquéria. Como pescador a lançar a rede, atirei: Então a menina nem hoje veio à Baixa? Sigo os seus escritos com atenção no Facebook. Desculpe a franqueza mas a gota não bate com a perdigota! Nem a véspera de Natal mereceu uma visita sua?
- Ai senhor Luís, não me fale nesse tom, por favor! - retorqui muito irritada. Tenho muita consideração por si, mas primeiro escute as minhas razões e só depois tira conclusões!
- Sou todo ouvidos, menina -enfatizei como a tentar colocar água na fervura extemporânea.
- Já não vou à Baixa desde Quinta-feira, dia da manifestação dos Coletes Amarelos. Em solidariedade com os protestantes, estou de greve. Este país, esta cidade, ambos estão um caos e ninguém quer saber. Haviam de ser todos como eu. Ai se deviam! Então é que isto mudava!
- Mas, presumo que esteve na Casa do Sal com os (poucos) manifestadores. Esteve lá, não esteve? Interroguei.
- Infelizmente não pude estar. Deus não quis! Estive de cama todo o dia com uma pancreatite aguda. Valha-me Deus! Nem quero recordar! Quem havia de dizer que seria forçada a faltar?!?


UMA BAIXA SILENCIOSA


Por coincidência com esta quadra natalícia, ou não, a Baixa está muito mais silenciosa. Até parece que o remanso dos cemitérios se instalou nesta parte da cidade. Já não se houve uma cantoria como no tempo da minha ex-vizinha Imaculada, que migrou para norte da cidade, quando, com as suas cantorias, invadia tudo em redor e até os pombos se punham em sentido para a escutar. Nem uma discussão na viela, nem uma desavença no beco, que resultava em trolitada de nariz partido. A minha esperança residia na “Rádio Baixa”, um recente projecto de emissões de música durante o dia. Foi prometido que, pelo menos nos primeiros tempos, a alegria musical seria difundida ao fim-de-semana na Rua Eduardo Coelho e área envolvente e através de meios digitais em streaming -“tecnologia que envia informações multimédia, através da transferência de dados, utilizando redes de computadores, especialmente a Internet.”
Subitamente a “Rádio Baixa” deixou de emitir sons que contribuíam para quebrar a rotina de uma urbe envelhecida. O que aconteceu?
À questão formulada, respondeu uma das fundadoras: “Fomos silenciados por um vizinho. Um destes domingos passados, estava eu a emitir música acompanhada com uma colega quando, de repente, vimos entrar intempestivamente um homem de mão em riste para me bater. Quando viu que eu estava acompanhada com uma testemunha refreou o ímpeto, mas, mesmo assim, ainda me retirou os auscultadores dos ouvidos com violência. Chamámos a PSP para identificar o agressor. Depois da tramitação processual o agente aconselhou-nos a não colocar a coluna difusora de som à nossa porta. É por isto que estamos nesta quietude!

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