Apesar
de ser Domingo, a dois dias do Natal seria de supor, por um lado,
que todas as lojas comerciais estivessem abertas, por outro, que toda
a cidade, em massa e em nome dos velhos tempos, acorresse a fazer
compras no coração da tradição. Ora, nem em um nem noutro casos
aconteceu assim. Ou seja, nem os estabelecimentos abriram em bloco -
só cerca de dez por cento compareceu à chamada laboral –, nem a
esperada clientela pôs os pés na zona histórica.
Quer por uns quer por outros, é de admirar este procedimento? Ou não? A ver
vamos! Pelos primeiros, os comerciantes, por alguma lamúria avulsa
que graça por entre becos e ruelas, seria de supor que abririam
portas nesta véspera que já foi tão importante nas vendas anuais.
Pelos segundos, os citadinos, sempre tão críticos com a classe
política, afoitos e generosos com discursos pungentes sobre o estado
da Baixa, também custa a entender. A menos que, nos dois estratos,
ocorresse qualquer acaso que forçasse a não comparência. Por
conseguinte, se todos temos curiosidade em saber, nada melhor do que
perguntar, é ou não é verdade?
A
passear calmamente numa das ruas largas como se aferisse o movimento
de passantes, de sobretudo comprido com golas coçadas, que já viu
melhores dias e mãos nos bolsos, encontrámos um nosso amigo e
colega estabelecido -que não identifico por questões de reserva.
Depois do cumprimento da praxe, atirei-lhe de supetão: Então
não abriste hoje? Anda pouca gente a circular, não é?
Tentei contemporizar.
-
Não
é por isso, pá! –
respondeu-me
irritado, como se tivesse entendido a minha observação à laia de
provocação.
Eu
não abri a minha loja em solidariedade com os
nossos Coletes Amarelos, que se manifestaram há três dias no nosso
país. Por culpa do Governo, do Presidente da República, dos
partidos políticos e do nosso presidente da Câmara a nossa cidade
está de rastos! Eu nunca vi isto assim! No
negócio, o
pior Natal dos últimos vinte anos! O mal de tudo é a apatia das
pessoas! Ninguém quer
saber! Fossem todos como eu e Portugal estaria virado do avesso!
E
OS CITADINOS? POR QUE NÃO VIERAM
À BAIXA?
Sempre
que preciso de escrever sobre questões de cidade, acima de tudo com
grande imparcialidade, socorro-me da menina Pulquéria, solteira,
boa rapariga e virgem prendada, uma
munícipe muito interventiva mormemente nas redes sociais. No
Facebook fazem história para a posteridade os seus lamentos
memoriáveis:
“Quem
viu esta Baixa e quem a vê! Meu Deus, os culpados são os políticos
da autarquia! Atenção, todos, incluindo a oposição! Ao que chegou
a cidade! Ainda sou do tempo em que não se podia romper nas ruas
estreitas! São
só lojas e mais lojas fechadas! Abandonaram esta parte da cidade à
sua sorte, é o que é!”
Cerca
das 14h30 cliquei nos números para contactar e
ouvir
a menina Pulquéria. Como
pescador a lançar a rede, atirei: Então
a menina nem hoje veio à Baixa? Sigo os seus escritos com atenção
no Facebook. Desculpe a franqueza mas a gota não bate com a
perdigota! Nem a véspera de Natal mereceu uma visita sua?
-
Ai senhor Luís, não me fale nesse tom, por favor!
- retorqui muito irritada. Tenho
muita consideração por si, mas primeiro escute as minhas razões e
só depois tira conclusões!
-
Sou todo ouvidos, menina
-enfatizei como a tentar colocar água na fervura extemporânea.
-
Já não vou à Baixa desde Quinta-feira, dia da manifestação dos
Coletes Amarelos. Em solidariedade com os protestantes, estou de
greve. Este país, esta cidade, ambos estão um caos e ninguém quer saber.
Haviam
de ser todos como eu. Ai se deviam! Então é que isto mudava!
-
Mas, presumo que esteve na Casa do Sal com os (poucos)
manifestadores. Esteve lá, não esteve?
Interroguei.
-
Infelizmente não pude estar. Deus não quis! Estive de cama todo o
dia com uma pancreatite aguda. Valha-me Deus! Nem quero recordar!
Quem
havia de dizer que seria forçada a faltar?!?
UMA
BAIXA SILENCIOSA
Por
coincidência com esta quadra natalícia, ou não, a Baixa está
muito
mais silenciosa. Até parece que o remanso dos cemitérios se
instalou nesta parte da cidade. Já não se houve uma cantoria como
no tempo da minha ex-vizinha Imaculada, que migrou para norte da
cidade, quando, com as suas cantorias, invadia tudo em redor e até os pombos se punham em
sentido para a escutar. Nem uma discussão na viela, nem uma desavença no beco, que
resultava em trolitada de nariz partido. A minha esperança residia
na “Rádio Baixa”, um recente
projecto
de
emissões de música durante o dia. Foi
prometido que, pelo
menos nos primeiros tempos, a
alegria musical seria
difundida ao fim-de-semana na
Rua Eduardo Coelho e área envolvente e
através de meios digitais em streaming -“tecnologia
que envia informações multimédia, através da transferência de
dados, utilizando redes de computadores, especialmente a Internet.”
Subitamente
a “Rádio
Baixa”
deixou de emitir sons que contribuíam para quebrar a rotina de uma
urbe envelhecida. O que aconteceu?
À
questão formulada, respondeu uma das fundadoras: “Fomos
silenciados por um vizinho. Um destes domingos passados, estava eu a
emitir música acompanhada com uma colega quando,
de repente, vimos entrar intempestivamente
um
homem de mão em riste para me bater. Quando viu que eu estava
acompanhada com uma testemunha refreou o ímpeto, mas, mesmo assim,
ainda me retirou os auscultadores dos ouvidos com violência.
Chamámos a PSP para identificar o agressor. Depois da tramitação
processual o agente aconselhou-nos a não colocar a coluna difusora
de som à nossa porta. É por isto que estamos nesta quietude!”
Sem comentários:
Enviar um comentário