domingo, 31 de agosto de 2008

CULTURA: FILHA DE UM DEUS MENOR (2)



 Em Maio, do corrente ano, li no Jornal da Mealhada, em que sou colaborador e assinante, num excelente editorial do seu director, Nuno Castela, em que este defendia determinados pontos de vista para a futura utilização do “Parque Urbano da Mealhada”. Este espaço, junto à Nacional nº1, com cerca de doze hectares, foi recentemente adquirido pela autarquia mealhadense. Nuno Castela defendia uma boa utilização do parque, nomeadamente através de infra-estruturas de lazer, que tornassem aquele espaço, para além de lúdico, também único no concelho. Que não servisse apenas para implantação de um bar, como estava previsto pela Câmara da Mealhada.
Como sou natural do concelho da Mealhada e esta cidade não possui nenhum museu, e, para além disso, possuo muitos objectos antigos, e relativos a profissões em desaparecimento, propus cedê-los gratuitamente a termo em prol deste projecto. Peguei na ideia que tinha apresentado em Coimbra, ou seja o “Centro de Mesteres Antigos –Artes & Ofícios Tradicionais”, adaptei-a a novo figurino, tendo em conta que agora teria de ser implantado em pré-fabricados, mas se estes eram necessários para a construção do bar, facilmente seriam acoplados ao projecto, isto segundo a minha opinião. Elaborei um novo Anteprojecto, fiz um “boneco” para melhor compreensão da minha “proposta académica”, e entreguei um pequeno dossier na autarquia da terra do leitão nos primeiros dias de Junho, e fiquei à espera.
O tempo foi passando. Passou Junho, Julho e Agosto estava no fim e, da autarquia da Mealhada, nada. No dia 26, uma terça-feira, pondo os pés ao caminho, entrei na autarquia, e, na mesma secção onde anteriormente entregara o anteprojecto, mesmo ao lado do Gabinete do Presidente, agora com outra funcionária, e expliquei ao que ia e, mostrando a minha estranheza pelo silêncio, pedi para ser recebido pelo chefe da edilidade. A senhora ficou com o meu número de telemóvel e prometeu que, depois de falar com o presidente, rapidamente me ligaria a responder. Pedi-lhe que, no caso de vir a ser recebido pelo chefe do executivo, se possível, fosse durante esta semana, uma vez que estava de férias e, consequentemente, mais disponível.
Na quinta-feira, à tarde, recebi uma comunicação telefónica da funcionária: “O senhor presidente não recebeu nenhum anteprojecto seu. A minha colega (que o recepcionou anteriormente) está de férias, de modo que só é possível analisá-lo se o senhor voltar a entregar o documento. Para além disso, o senhor presidente não pode recebê-lo esta semana. Quando for possível recebê-lo contactá-lo-ei novamente”. Irritadíssimo por esta profundíssima falta de respeito, neguei-me na hora em entregar novo documento. Se o senhor presidente me quisesse receber muito bem, se não quisesse, tudo bem na mesma.
Depois de pensar melhor, tentei ligar para o mesmo número de telefone mas ninguém me atendeu. No dia seguinte, logo de manhã, estava junto da mesma funcionária a retirar o pedido para ser recebido pelo presidente Carlos Cabral. Pura e simplesmente, com este executivo não queria mais nada. Retorque a funcionária: “não quer? Olhe que afinal o anteprojecto está cá. Alguma coisa aconteceu para o senhor presidente não o ter lido. Não quer mesmo que seja apresentado?” Não, não quero mesmo! Estou farto da vossa falta de respeito. Prefiro apresentar o meu protesto na Assembleia Municipal, respondi irritado.
Dali, saí à procura da funcionária encarregue de fazer a inscrição para a Assembleia que, segundo informações prestadas, trabalhava numa secção de “obras particulares”, num outro edifício, a cerca de 100 metros da Câmara Municipal.
Entrei na referida secção e, ao funcionário presente, dizendo ao que vinha, solicitei a senhora encarregue da anotação. Responde o funcionário secamente: “a senhora (…), de facto trabalha aqui, mas agora está na Câmara Municipal, portanto, se quiser falar vá lá e procure por ela!”. Eu já estava irritado pelo que me tinha acontecido e, ainda para mais, como se estivesse em dia não, ainda tinha que aturar um mau funcionário, que de prestador de serviço público tinha muito pouco. Passei-me. Exigi que ele, através do telefone, contactasse a senhora, que era a sua obrigação. O seu serviço público era servir o cidadão e não contrário. O homem é que não estava pelos ajustes: se o interesse era meu que fosse à procura da senhora. Então atirei-lhe com o ultimato: o senhor não a chama, nesse caso, faça o favor de me apresentar o “livro amarelo”. Como uma mola, o homem virou-se para trás e colocou-mo à frente. Para os meus botões pensava: bom, não tenho mesmo outro remédio senão lavrar o meu protesto no livro.
Numa fracção de segundos, o homem pega no telefone e procura a funcionária e fala com ela, dando-lhe conta de que eu estaria à espera.
Veio a senhora, depois dos cumprimentos, disse-lhe que pretendia inscrever-me para a próxima sessão da Assembleia Municipal. A funcionária, de meia-idade, muito simpática por sinal, dividida entre a surpresa e a dúvida, exclamou: “inscrever-se para a Assembleia? Mas olhe, que aqui, nunca inscrevi ninguém! Quem quer assistir ao debate vai, sem inscrição, e no fim da sessão, depois dos dossiers apresentados, o Presidente da Assembleia Municipal pergunta aos presentes se algum se quer pronunciar acerca dos assuntos em debate. Mas é sempre só e apenas sobre os assuntos pendentes”.
Lá expliquei à senhora que, para denunciar ou anunciar qualquer assunto referente ao município, o acesso a uma assembleia municipal, depois de inscrição prévia, é público, enquanto órgão fiscalizador do executivo municipal. Para além disso, é um direito Constitucional de qualquer cidadão em exercício pleno dos seus direitos.
Lá ficou então, mais uma vez, com o meu número de telemóvel para, depois de falar com o presidente da assembleia, me contactar.
Agora pergunto-lhe leitor: que tipo de país é este? Que raio de pacovismo enfermam estas autarquias, em forma de paróquias, capelas e capelinhas? Esta ignorância, este obscurantismo, esta falta descarada de respeito pelo cidadão e pela cultura, a quem beneficia?
Como pode um país, com este serviço público, caminhar para a frente em direcção ao TGV, à Internet, ao século XXI, se ainda estamos na idade da pedra, no paleolítico social?

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