sábado, 2 de agosto de 2008

E DEPOIS DAS PRATAS O QUE RESTA?



Há um velho aforismo, no país, de que, em caso de necessidade urgente de realizar dinheiro, dentro de uma casa solarenga, vende-se primeiro as faianças antigas, a seguir as mobílias consideradas excedentárias e só em último lugar, e na total impossibilidade de as salvar, as pratas. Curiosamente, creio, que embora de menor valor este metal, seguindo os usos e os costumes mantêm-se na casa, e o ouro segue o caminho do penhor.
Lembrei-me deste rifão como introdução para mostrar, num misto de curiosidade, de indignação e de impotência, como os sucessivos governos de Portugal, em relação às pequenas empresas tradicionais, nada fazem para as manter. Estas pequeníssimas explorações industriais ou comerciais, com 3, 4 ou 8 funcionários, sob o ponto de vista económico e social têm uma importância vital. Para além de, através da actividade privada, dar trabalho a estas pessoas, evitando que seja o Estado a assistenciá-las, desenvolvem pequenas actividades, quase sempre em vias de extinção, que, no dia-a-dia, constatamos a sua total imprescindibilidade, e mais, tomamos consciência dessa necessidade, sobretudo quando batemos os olhos no placard da porta de entrada: ENCERRADO.
E foi o caso comigo esta semana. Em Coimbra, à entrada do Monte Formoso, existe (existia) uma carpintaria e serração, há cerca de setenta anos, a Batista e Pratas, Lª –daí fazer o preâmbulo, em analogia, com as pratas. De tempos a tempos, quando tinha necessidade, ia lá encomendar umas madeiras. Podia ser uma Janela, uma tábua de meio-solho, ou até um perfil de desenho esquisito para substituição. Como esta casa tornava realidade qualquer ideia pré-concebida por muito diferente que fosse, através dos imensos ferros polidos pelo manuseamento de décadas da tupia, qualquer residente na cidade, ou outro, estava sempre desenrascado.
Através do gerente, o senhor Óscar (de cinquenta e poucos anos de idade), com quatro décadas de casa e muito saber acumulado, com as suas ajudas interventivas, tudo era possível de pôr em prática. Sem o dizer –não precisava- parecia transmitir-nos de que se havia boa-vontade –e havia mesmo- naquela casa tudo era possível. Não precisava de explicar muito acerca do que pretendia. Aquele homem, certamente fruto de muitos anos de experiência, numa intuição rápida, rematava: “deixe ficar!”. Por entre um sorriso, como a querer dizer, eu sei o que você quer, não perca tempo a explicar, concluía: “venha buscar tal dia!”. E no dia combinado lá ia ao Batista Pratas, ao meu amigo Óscar, e o meu pedido estava realizado.
Naquela velha serração trabalhavam com ele mais quatro pessoas. No escritório, a Dona Isabel (cerca de 40 anos de idade). O João (cerca de quarenta e poucos anos de idade), com 36 anos de casa, o António (com cerca de 60 anos de idade) e o Paulo (com trinta e poucos anos de idade) na carpintaria. Esta semana encerraram para férias…sem prazo. Não voltarão abrir portas. Segundo uma destas pessoas aqui citadas, quando o interroguei, porque fechou de vez esta firma, respondeu-me, com os olhos humedecidos e a voz entrecortada pela emoção: “sabe?, havia pouco trabalho, é certo, mas ia andando, o problema são os impostos, não dava lucro para tudo. Então, a solução foi esta! Encerraram!”.
Ao que podemos constatar, num autismo atroz, ninguém se importa que estas casas, companheiras da nossa vivência urbana, museus interactivos das nossas memórias, pedaços da história industrial do país. Se falarmos nisto a um político, regional ou nacional, tenho a certeza, num disco riscado, por tanta vez ser usado, vai dizer: “que quer que se faça? É o mercado a funcionar, as empresas são como as pessoas, nascem e morrem!”. Pois! Mas, se são como as pessoas, e estas têm um Serviço Nacional de Saúde, seria normal fazer-se tudo para as salvar. Nesse caso, ilusoriamente, deveria ser criado um serviço nacional de solvência da pequeníssima empresa familiar. E se pensa que estou a descobrir a pólvora, desengane-se, é apenas uma questão de bom senso. E na vizinha Espanha tomaram medidas drásticas que evitassem o total desaparecimento destas pequenas unidades. E como, perguntará? Muito fácil. Isentaram estas pequenas firmas de impostos até ao limite de 150.000 Euros de receita bruta.
Se o governo português o fizesse, todos ganharíamos, não só no aspecto social, como sobretudo no aspecto económico. Pensemos um pouco: o que vai acontecer, como vão viver, as cinco pessoas que nomeei em cima? Evidentemente que vão receber o subsídio de desemprego! E quem o paga? Os poucos activos que ainda vão trabalhando, descontando e pagando impostos.
Acontece que esta “grande vaca”, que é o Estado Social, tem as tetas a secar, porque, por um lado, há demasiados “marmanjos" a mamar à custa do sistema, por outro, este mesmo sistema, num ensimesmamento patológico, alheado do real, em vez de apoiar, salvando o que resta com políticas proactivas, empurra toda a gente para viver à sua custa, como se as suas costas fossem até ao infinito. E o mais grave: é que, ao dar de mão-beijada sem contrapartidas, sobretudo a algumas minorias, está a concorrer directamente para a sua extinção e, sem critério social, desenvolve a desmotivação dos poucos que trabalham.
Como diria o meu pai, Estamos bem f*****s!

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