(Foto retirada, com a devida vénia, da página "Somos Coimbra"
Poucos
minutos passam das 10h30 desta última quarta-feira. O Sol, como a
espalhar esperança a todos os seres vivos, resplandece e faz reflexo
nas montras das lojas. A Baixa, como um velho aposentado que se
levanta tarde por nada ter para fazer, tarda em pôr-se em movimento.
Apesar de haver um vaivém notório de transeuntes nas ruas largas e
Praça 8 de Maio, os lojistas, como pescador que lançou a rede e
espera com paciência, estão às portas à espera de quem não
prometeu vir. Para uma classe de profissionais cansada e envelhecida
que, recordando outros tempos de grande azáfama comercial que não
voltarão mais, agora se habituou a (sobre)viver a conta-gotas,
qualquer primeiro cliente, mesmo que seja de uma venda de cêntimos, que lhe
inaugure o dia e o transforme em memorável, será recebido com todo
o carinho.
Encontrei-me
junto à Câmara Municipal com o Arménio Pratas e José Manuel
Silva, médico e ex-bastonário da Ordem dos Médicos, agora
candidato à Câmara Municipal de Coimbra. Eu fora convidado pelo Pratas, amigo do
concorrente à edilidade, para os acompanhar numa visita ao Mercado
Municipal D. Pedro V onde seriam recebidos pelo presidente da ACMC,
Associação do Comércio de Mercados de Coimbra, Paulo Dinis. Pela
amizade e consideração que detenho pelo Arménio, aceitei. Afinal, é
sempre uma oportunidade para tomar o pulso ao candidato e medir a a
tensão ao cidadão comum.
Em passo ligeiro, com
José Manuel Silva a comandar o pequeníssimo pelotão com toda a
convicção de quem sabe para onde quer ir, depressa calcorreámos a
centena de metros que dista a mais antiga praça popular da cidade.
Enquanto percorríamos o caminho, Silva, sem perder a oportunidade de
captar mais um voto, interrogou: “já é amigo da página “Somos Coimbra”?
Poucos
minutos depois transpusemos os portões do mercado municipal, o mercado da agonia. Como se
tivéssemos entrado num enorme teatro sem espectadores e as pessoas
presentes fossem somente os artistas, deparámo-nos com um enorme
espaço de vendas, com muitas bancas desocupadas, e vazio de
compradores. Os vendedores, alguns deles de braços cruzados e rosto
fechado ou a trocarem conversa de circunstância, eram muitos. Apesar
da disponibilidade, parecendo não conhecer o candidato, não houve
grandes manifestações efusivas.
Depois das apresentações
e cumprimentos da praxe, fomos encaminhados para uma sala da ACMC,
Associação do Comércio de Mercados de Coimbra, onde Paulo Dinis, o
presidente, acompanhado de dois membros da agremiação, Paula Grade
e Clara Marisa, se prontificaram a ouvir e despejar as mágoas e
frustrações que carregavam na alma.
UM
CANDIDATO TODO “ELÉCTRICO”
José
Manuel Silva abriu a dissertação com a frase: Coimbra está assente
em dois pilares estruturais, a Universidade e os HUC, Hospitais da
Universidade Coimbra. Continuou Silva, acontece que, devido ao défice
demográfico, a Universidade de Coimbra corre sérios riscos de no
futuro não ter alunos. Por outro lado, os HUC, sendo um dos maiores
polos hospitalares portugueses, detém uma cabimentação orçamental
das mais baixas do país, o que, a médio/longo prazo vai criar
problemas de eficácia na assistência de saúde pública.
Ainda José Manuel não
tinha acabado a introdução e Já Dinis estava engatilhado a refutar: “pois esse é mesmo o problema! A
cidade não pode estar dependente dessas duas entidades!”.
Apaziguou o candidato que não estavam em contradição, o que quisera
dizer fora exactamente isso o mesmo.
Prosseguiu Dinis, “o
Mercado Municipal precisa de investimento. Há tantas grandes
superfícies que até estorvam”.
(Referindo um antigo
ante-projecto de João Orvalho, vereador dos mercados no tempo de
Barbosa de Melo) “um projecto de hotelaria não serve para
revitalizar este espaço comercial. Eu fui ao mercado de Campo de
Ourique e vi o que se passava. As compras para os restaurantes que lá
estão dentro não são feitas lá.”
Quase aposto que a
câmara está a pagar arrendamentos de lojas na cidade. Este espaço
é camarário. Porque é que não são colocados aqui serviços? A
loja do Cidadão, por exemplo, porque não transferi-la para aqui?”
(Com
amargura na voz e corroborado pelas suas colaboradoras)
Admite-se estar ali aquele edifício dos correios ali abandonado e
vazio? Olhe que ainda hoje há pessoas que puxam as portas a pensar
que ainda está aberto.”
Parecendo não ter
percebido, adianta o médico: “quando eu era miúdo vinha
para aqui vender catos mais o meu irmão reitor da Universidade de
Coimbra, e vendia tudo. Eu tenho uma ligação de afinidade com este
mercado.”
Atira Dinis: “eu
nunca vi Coimbra tão em baixo como está actualmente.
(Referindo
as obras do Metro) Pagou-se para levar as pessoas
da Baixa. Hoje nem temos obras nem pessoas!”
As obras do
Terreiro da Erva foram a pior asneira que se podia ter feito. Retiraram
um estacionamento do centro da cidade.”
José Manuel não perde a oportunidade para jogar ao ataque: “por
isso mesmo, em “mainstream” (para ser uma corrente
dominante de ideias), vou ser o próximo presidente da câmara.
E continua: “a Rua da Sofia precisa de uma paragem de
autocarros. A Baixa precisa de se ligar ao rio.”
Há 30 anos que
os HUC estão com o problema do estacionamento. A câmara trata mal
os cidadãos com as permanentes multas da Polícia Municipal. Até
agora, porque não conseguiu construir um silo para o estacionamento?
Isto é o que eu chamo multas de sangue” -e
puxou de um texto seu escrito no JN.
Prosseguiu Dinis: “é
preciso realizar uma hasta pública para as lojas, mas a preços
convidativos. O que se fez na última (no
tempo de Barbosa de Melo e João Orvalho), com os
preços praticados, afasta qualquer possibilidade de reanimar o
mercado.”
A meia-hora que se
oferece no estacionamento não funciona. É para as pessoas irem
tratar de coisas à Baixa. Não é para os clientes do mercado.”
Manuel Machado,
nestes quatro anos, nunca nos recebeu” (referindo a
associação a que preside).
Já há muito que
deviam ter retirado as bancas de madeira. Se tiver de entrar aqui uma
maca do INEM não passa!”
De supetão, atira José
Manuel: “diga-me, o senhor não quer ir para a Assembleia
Municipal?”. Durante a conversa, que demorou cerca de uma
hora, o candidato voltaria a repetir a mesma interrogação. E por
duas vezes Dinis disse não estar interessado.
A
DESCRENÇA DO CIDADÃO
Embora
o candidato independente por “Somos Coimbra” fosse
recebido com simpatia e cordialidade, ficou bem patente a dificuldade
em conseguir passar a mensagem. Não por sua culpa, obviamente, mas
pelo estado psicológico dos comerciantes, em negação, que, nos
últimos dezassete anos ouviram promessas e mais promessas e tudo
continuou para pior.
Embora as ideias de José
Manuel Silva fluíssem com a mesma naturalidade que uma fonte debita
um caudal certo e harmonioso, a verdade é que os ouvintes, talvez
pelo desânimo de verem os seus negócios caírem a pique, pareciam
imunes a qualquer tentativa de sensibilização.
1 comentário:
Sr. Luís Fernandes, vai-me desculpar, não leve a mal, mas já deve ter percebido que isto do comércio tradicional em Coimbra é uma tragicomédia a que o resto da população assiste com espanto, se não com indiferença, pior ainda. Já temos as queixas dos comerciantes da baixinha, os mesmos que têm horário de abertura e fecho que ninguém percebe e não abrem aos sábados à tarde, e agora temos uma associação dos comerciantes do mercado que quer mudar para lá a loja do cidadão, que é o que ainda dá vida aos seus colegas da baixinha, e recusa que existam actividades hoteleiras no mercado, uma prática comum em qualquer bom mercado do mundo. Está bem, está. Eu nem sequer sei ainda em que vou votar, mas nenhum deles substitui o próprio esforço e imaginação dos comerciantes… Ou isso, ou fecham de vez as grandes superfícies, para irmos comprar à baixa. Bons tempos, aqueles em que íamos comprar os legumes ao mercado e as mercearias mais finas ao Colmeia da Rua Ferreira Borges. Está lembrado? Eu estou, porque até nasci aí. Pois é transmitir ao sr. representante dos mercados que, para além das boas intenções, tem de puxar um pouco pela imaginação, porque as coisas mudaram entretanto um pouco.
Já agora, quanto ao estacionamento que se perdeu no Terreiro da Erva, segundo o senhor representante, deixe-me brincar, mas perdeu-se ainda mais estacionamento na Praça do Comércio e parece que em breve ainda se vai perder mais… a falta de estacionamento é uma queixa comum nos comerciantes da baixa? É que o bota abaixo está cheio dele.
Deixe lá quem eu sou, ou deixo de ser. Sou de Coimbra e consumidor como qualquer outra pessoa, ainda por cima com uma ligação sentimental à baixa, onde nasci e vivi uma parte da minha vida.
Enviar um comentário