segunda-feira, 13 de março de 2023

GRANDE COMÉRCIO: A DEMAGOGIA CONTINUA A CAVALGAR JUNTO COM O POPULISMO (2)

 

(imagem de Leonardo Braga Pinheiro)





Começo por tentar explicar as duas curiosidades que elenquei no artigo anterior. E inicio com a respeitante a Manuel Machado para se tentar compreender como é que, apesar da contestação, continuou a ganhar eleições até 2001.

Faço uma ressalva: à distância de trinta anos, consigo entender o comportamento deste presidente e dos que vieram a seguir. Coimbra estava numa camisa de sete varas e, sem dúvida, ainda que custe admitir, as grandes superfícies vieram libertar e projectar a urbe da cércea que manietava a sua expansão.

O que tem de se chamar a atenção é o facto desta descentralização, a deslocalização do centro para novas centralidades, ter sido feita sem planos de urbanismo comercial, isto é, sem equilíbrio das partes em confronto, em que, quase criminosamente, se esvaziou uma importantíssima parte da cidade.

Como vou tentar demonstrar mais à frente, este licenciamento desbragado de novas áreas comerciais, para além da aprovação dos autarcas que vieram a seguir na cadeira do poder da Praça 8 de Maio, teve sempre a mãozinha por baixo dos sucessivos governos. Mas houve uma excepção, talvez uma tentativa de emendar a mão: Machado, reeleito em 2013 e com mandato repetido até 2021, tentou ser um forte obstáculo à implantação do IKEA, no Planalto de Santa Clara, o que segundo se sabe, corre uma demanda em tribunal da multinacional Sueca contra a Câmara Municipal de Coimbra.

Voltando outra vez às curiosidades, se as manifestações contra o Continente e a Macro instaladas no Vale das Flores em 1993, como um grande fogo, começaram com enorme força de combustão, foi certo e sabido que depressa se apagaram. E como? E porquê?

A meu ver, teria sido resultado de uma estratégia de Machado em tentar “aliciar” com promessas de emprego para familiares e outras benesses os chefes revoltosos dos comerciantes, conotados com o PCP e o PS.

Para ajudar à festa, em 1995 caiu Cavaco Silva e subiu a primeiro-ministro António Guterres, com o ministro da economia Pina Moura. Com a promessa de revitalizar o tecido comercial de proximidade – chegava a sugerir-se substituir mobiliário antigo por fórmica -, foi um bodo aos pobres e remediados do comércio de rua. Mas era um presente envenenado, e isto, sem tomarem consciência do endividamento que estava em marcha, poucos recusaram o rebuçado.

Se o licenciamento governamental seguia em forte marcha no sentido da total liberalização – que veio a acontecer já no novo milénio –, para entreter os merceeiros, os tendeiros e outros ramos de comércio, foi lançado o PROCOM, Programa de modernização ao pequeno Comércio. Este pacote de medidas demasiado benevolentes para serem sérias, salvo erro, com um limite por unidade de meio milhão de contos (quinhentos mil euros), era oferecido aos lojistas um bónus de 70 por cento a fundo perdido. Ou seja, o proponente apenas tinha de apresentar 30 por cento de garantia para que o remanascente precentuário lhe caísse no regaço sem grandes entraves. Acontece, porém, que, nesta altura a venda de rua já apresentava algumas debilidades fracturantes. Começava a ser notória a concorrência, selvagem e desleal, entre o elefante e a formiga. A maioria recorreu à banca para financiamento de 30 por cento do projecto. Anos mais tarde, esta ligação ao banco revelar-se-ia mortal. Basta dizer que na Baixa todos os que recorreram ao PROCOM faliram ou encerraram. A seguir, no mesmo tipo de ajudas, na década seguinte, ainda vieram o URBCOM e o MODCOM.

O regabofe era tão grande na distribuição de dinheiro que desde que fosse apresentado o montante inicial a aprovação era certa e garantida, de tal modo que muitos se envolveram na feitura e venda porta-a-porta de projectos, incluindo empresas particulares e as próprias associações comerciais do sector. Todos ganhavam.

Segunda curiosidade no que toca à minha pessoa, no início de 1995 adquiri uma loja na Baixa. Não quero parecer visionário, mas, contrariamente ao que pensava antes, imediatamente me apercebi que o comércio de rua, perante a grande oferta, mais tarde ou mais cedo, estava condenado ao desaparecimento. E escrevi imensos textos de alerta no Diário de Coimbra.

(CONTINUA)


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