domingo, 12 de março de 2023

GRANDE COMÉRCIO: A DEMAGOGIA CONTINUA A CAVALGAR JUNTO COM O POPULISMO (1)

 

(imagem de Leonardo Braga Pinheiro)





No início de 1990, sempre que passava em Leiria, onde havia já uma grande superfície da Modelo e Continente, ia ver a grande catedral de consumo, ao lado da A1, e ficava extasiado.

Nesta altura eu era proprietário de um pequeno café e restaurante na Alta – e refiro este facto por que a forma de ver o grande comércio, como ameaça ou não, varia consoante a profissão que desempenhamos e a posição que ocupamos na sociedade e nos toca individualmente.

Foi no ano de 1993 que abriram, pela primeira vez, o Continente e a Macro no Vale das Flores – a primeira grande superfície, com 6500 m2, que abriu no país foi em Matosinhos no ano de 1985.

Por parte dos comerciantes estabelecidos com pequenas lojas na Baixa, temendo uma concorrência selvagem que levasse ao extermínio de tudo o que era ponto de comércio, organizaram-se grandes manifestações em frente a estas grandes lojas e já depois da sua instalação.

Salienta-se que, nesta época, o Centro Histórico, sendo considerado o Centro do Centro, transmitindo uma aura cosmopolita à cidade, pela sua efervescência e demasiada concentração de lojistas, constituía um ponto de atração para quem vinha de fora. Com as suas muitas características próprias e singulares, a Baixa era um micro-cosmo onde labutavam milhares de vidas entrelaçadas umas nas outras. Eram consultórios médicos, eram escritórios de advogados, eram bancos, era tudo e mais alguma coisa. Ou seja, estava completamente sufocada com milhares de pessoas a acotovelarem-se diariamente nas ruas e com uma procura excedentária em relação à oferta – o que, naturalmente, encarecia todos os produtos. Como é lógico, perante uma procura incontrolável de espaços comerciais para as pessoas se estabelecerem. Uma entrada de porta para vender fechos de correr poderia chegar aos 5 mil contos (vinte e cinco mil euros).

Esta desmesurada procura pode ser explicada por Cavaco Silva, nesta altura primeiro-ministro, ter espalhado milhões de contos a rodos vindos da então CEE, Comunidade Económica Europeia, a agricultores, a pescadores e outros para abandonarem a sua faina, considerada excedentária por Bruxelas, em comparação com outros países da Comunidade.

Mas havia ainda outro detalhe a contribuir para a procura de espaços: os trespasses. Sempre que havia uma transmissão no negócio em locado arrendado, esta passagem era feita unicamente entre o novo adquirente e o arrendatário. Por conseguinte, o proprietário não podia opor-se à cessão, a não ser que pagasse o mesmo que o novo adquirente – esta solução anómala viria a ser parcialmente corrigida por José Sócrates, com o NOVO RAU de 2006.

O presidente da autarquia era Manuel Machado. Nesta altura de grande contestação por parte dos mercadores na cidade, Machado estava no final do seu primeiro mandato – Foi eleito em 1990, e sucessivamente reeleito até 2001.

Primeira curiosidade que salta à vista: perante uma massa tão cerrada de controvérsia – que, salvo erro, até meteu ameaças de morte ao edil -, como é que Machado continuou à frente da edilidade?

Segunda curiosidade, embora sem qualquer relevância, nesta altura de 1990, e da implantação do Continente e da Macro, eu escrevia muito para o Diário de Coimbra e para o Diário as Beiras. Mais que certo por não me sentir amedrontado pela vinda do grande comércio, publiquei vários textos a contrariar o que era defendido pelos vendedores de rua.

(CONTINUA)

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