quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A TERRÍVEL PARTIDARITE

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)



 Não me tenho na conta de ser o melhor da “cantareira”. Não me julgo exemplo para ninguém. Como tantos milhares de portugueses da minha geração, comecei a trabalhar ainda criança. Então com 10 anos, em 1966, mal finalizei a então escola primária, como era conhecida, saí de casa dos meus pais e nunca mais parei de trabalhar até hoje. Encontrei há dias o meu primeiro cartão da então “Caixa de Previdência do Distrito de Coimbra, tem a data de inscrição de 1 de Setembro de 1968. Ou seja, com 56 anos, retirando alguns meses que perdesse na transição de empregos, terei cerca de 44 anos de descontos. Até hoje, felizmente, nunca estive de baixa, mas sou, naturalmente usufrutuário do Serviço Nacional de Saúde como outro qualquer cidadão e também não me julgo com mais direitos por isso.
A minha formação intelectual foi conseguida com o trabalho diário, com o que fui lendo e apreendendo e pelo fazer continuado, e nos intervalos –estudando à noite. A minha educação foi feita a “martelo”, pela experiência empírica da vida. Via aqui, ali e acolá como se relacionavam as pessoas, fui memorizando a sua metodologia e fazendo igual. No escrever textos a mesma coisa. Foi lendo tudo o que me aparecia, colocando em prática no papel. Foi assim que aprendi –hoje, quando pego em folhas de jornal da década de 1980 e 1990 onde estão crónicas que lá plasmei na “página do leitor” de diários da cidade até me arrepio com tantas "calinadas". Mas foi assim, dando erros atrás de erros, que aprendi. Fui um poço de virtudes até agora? Não senhor! Fui o que pude ser e me deixaram. Como outros, sou apenas e só o resultado de várias circunstâncias. Tentei sempre satisfazer com as minhas obrigações para com todos os que me rodeavam, incluindo instituições. Tive sempre uma preocupação: cumprir para ter o registo criminal limpo. Até hoje tenho. Tive sorte? Sim, claro, mas não tanto quanto possa parecer. A fronteira entre o imaculado e o pecado é uma linha ténue. É o fio de uma navalha. O mesmo é dizer que qualquer de nós, a qualquer momento, pode ser criminoso. Começou logo no cumprimento do serviço militar quando chamei “maçarico” –que era uma grande ofensa- a um sentinela à porta de armas e que me chateou a cabeça. Se calhar, se lhe tivesse arremessado um calhau era menos grave. Mas, na tropa dessa altura, apelidar “um praça”, um miliciano, de “maçarico” era blasfémia. Foi um dos muitos sapos que engoli ao longo da vida. E foram muitos. De tal forma que, por mais que tente, não consigo emagrecer. Naquele caso, recordado agora à colação, fui chamado ao comandante e a questão era tão simples quanto isto: “ou pede desculpas ao sentinela, e no caso de ele as aceitar retira a ofensa, ou avança-se para inquérito e provavelmente prepare-se para uma posterior sanção. É óbvio que optei pelo pedido de explicações e a coisa ficou sanada.
Depois, ao longo da vida, foram acontecendo coisas parecidas e sempre se resolveram da melhor forma. Algumas vezes dobrei a espinha contra a vontade? Ui! Tantas que nem sei! Que remédio! Quando não restava outro caminho, o que havia de fazer? De herói?
Já fui constituído arguido três vezes. Em duas delas fui absolvido e na terceira, por ter pedido a instrução do processo, foi-me dada razão, e já não houve julgamento –foi há cerca de três anos, por ter escrito aqui uma notícia sobre uma loja que encerrou na Baixa e deixou um funcionário com 40 anos de casa na rua. Tive sorte? Claro que sim, mas fiz por isso. Ou seja, não me coloquei nos braços do acaso e à espera que o destino me bafejasse com o seu sentido crítico de justiça. Nada disso. Fui sempre defendido por uma boa advogada, a Drª Helena Mendes –que, passando a publicidade merecida, para além de fazer o favor de ser minha amiga, é competentíssima, séria e de uma estirpe justa como já não há. Provavelmente, com todo o respeito pelos causídicos nomeados para este efeito, se me deixasse defender por um qualquer advogado oficioso, a minha sorte poderia não ter sido a mesma. “Ter sorte” não passa de uma opção em escolher o caminho certo e na subsequência das acções continuadas tudo se encaixar magistralmente. “Ter sorte” é estarmos no momento exacto e na hora certa de um acontecimento futuro que dá para o bem. Contrariamente ao que se pensa, nada é fortuito e resultado do acaso. Tudo é fruto de consequência e desfechos imbricados uns nos outros. A mesma acção idêntica em um indivíduo diferenciado pode não confluir no mesmo efeito. Tal como no direito, cada caso é um caso, jamais haverá dois iguais. Nos pormenores há sempre algo singular.
E comecei a escrever esta crónica com uma intenção: apenas escrever sobre a “partidarite”. Mas inevitavelmente caio na deriva e misturo alhos com bugalhos. Como já é hábito, acabo por escrever pouquíssimo do tema que tencionava fazer quando escrevi o primeiro parágrafo.
Como este texto já vai longo, tenho mesmo de plasmar o que lhe deu origem. Estamos a começar um período de pré-eleições autárquicas. Começo a aperceber-me da forma como as pessoas mudam radicalmente. Bons chefes de família, assertivos e calmos, de repente transformam-se em máquinas vorazes de conveniências obscuras. Parece que perdem a noção do ridículo e transfiguram-se em algo detestável e abominável. Por outro lado, e para piorar as coisas, desligam-se do azimute, que é o tão apregoado superior interesse colectivo, e passam a olhar só para o seu umbigo. É certo que, como bandeira desfraldada ao vento, fazem anunciar o desapego a toda a hora, mas não passa de um pregão popular de vendedores de “banha da cobra”. Entrámos no “vale tudo”. Se preciso for, para captar votos, arruínam-se planos sem pejo nem arpejo. O que conta é que a oposição não leve a melhor. Se a cidade e se os seus munícipes ficam mal isso não interessa nada. O que importa é cada uma das facções ficar por cima. Parece que estes candidatos, nestas alturas próximas de eleições, desligam a racionalidade e mostram o pior que há dentro deles. Repare-se que estas pessoas, para além de terem tido uma educação normal, tiveram uma formação intelectual superior. Como é que, perante certas atitudes destes fulanos, um tipo rústico, brutalhado e sem maneiras, como eu fica? Talvez mais burro… não?!?



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