sábado, 8 de dezembro de 2012

A BAIXA TENTA AGUENTAR-SE


 São 16h00 desta tarde de Sábado natalício na Baixa. O tempo está ameno, outonal. Se não está propriamente um clima de calor, também não está desagradável. Praticamente, todas as lojas comerciais estão abertas ao público. Embora se note pouco movimento no interior dos estabelecimentos, nas ruas largas e estreitas, vêem-se alguns transeuntes, mas sem os tradicionais sacos de compras e tão desejados nesta época. Contrariamente a anos atrás, muitas lojas já ostentam nas montras as faixas “descontos” e “promoções” de 25 a 50 por cento. Mais que certo que os comerciantes, antecipando uma quadra muito fraca, estão a tentar realizar “caixa” para fazer face aos seus compromissos. Com alguns que falei é patente nos seus rostos sisudos uma enorme nuvem de preocupação.
Dou uma volta muito rápida pelo perímetro compreendido entre as Ruas Eduardo Coelho, Corvo, Louça e Praça 8 de Maio. Nestas artérias mais estranguladas e onde o Sol só beijará o chão lá para a Primavera, os transeuntes caminham a passo dolente, com as mãos nos bolsos e como a quererem escondê-las de tentações materiais. Param nas montras, miram um artigo ou outro, mas não entram. Reparei nas suas expressões faciais. Não se acolhem sorrisos. É como se todos, em grande maioria, carregassem uma cruz às costas. Só captei um ou outro rosto mais iluminado nos mais jovens. Na praça da Igreja de Santa Cruz, como um porto inglês de confluência entre chegadas e partidas, o movimento, talvez porque mais junto e de paragem, está mais animado, no entanto, os mesmos semblantes tristes mantêm-se. Junto ao Banco Espírito Santo, quem sabe à sombra desta magnitude espiritual, o Pai Natal, muito magrinho, coitadinho, sabe-se lá se pela longa viagem se para mostrar que o pai de todos os pais desta quadra também sofre as agruras desta vida, por intermediação da APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, chegou há pouco a esta zona comercial e transportado num carro dos Bombeiros Voluntários. Num canto da esplanada do Café Santa Cruz, inserido nos “workshop’s” promovidos pela APBC, a face de uma criança sorri e ilumina-se mais com pinturas faciais.
Entro na Rua Visconde da Luz. O movimento de pessoas é maior aqui. Mais uma vez saliento a falta de sorrisos em quem passa. Reparo também que, provavelmente, mais de noventa por cento dos passageiros estão na casa dos “entas”, o que me faz pensar que a Baixa, a par do país, precisa de ter sangue novo. Verifico, por coincidência ou não, os visitantes destas ruas largas têm as mãos soltas, o que poderá dizer que se sentem mais livres, mais soltos, para uma possível compra.
Prossigo a minha marcha rápida, não tenho muito tempo, e estou agora a entrar na Rua Ferreira Borges. Não fosse uma tuna académica junto ao antigo Banco Pinto & Sotto Mayor, agora Millennium, que através dos seus risos orquestrados e da música mexida e convidativa para dançar, e a modorra de solidão seria igual. Felizmente que há sempre um ou vários músicos que se entregam à missão de alegrar estas artérias. E sigo em direcção ao Largo da Portagem. As esplanadas da Briosa, Montanha e dos congéneres estão repletas. Se é certo que ali é o ponto G da Baixa, onde o astro-rei, sem vergonha, acariciando e estimulando o solo e aquecendo as gentes sem pudor, num descarado envolvimento, se entrega com toda a plenitude, não será menos verdade que o facto de se juntarem muitos cafés acabam por funcionar muito bem e em protecção de todos. E desço as escadas do Gato, onde, no espaço onde ruíram dois prédios em 2006, para irritação de uma senhora que conheço e como monumento ao “nem lá vou nem faço nada”, lá permanece, há cerca de um ano, um sobrado em madeira que seria para esplanada. No mínimo, perante esta obra “emperrada”, pede-se à Câmara Municipal celeridade na decisão. Ou licencia ou manda retirar. Assim, neste limbo de sofrimento para o proponente e para a tal senhora, é que, a bem do bom-senso e do princípio da prontidão, não pode continuar. E entro na Praça do Comércio. Apesar da anunciada promessa camarária de substituir os decrépitos pontos de venda dos vendedores de artesanato por modernos quiosques tudo continua na mesma. A comentar com os meus botões interrogo a razão de tudo o que sai da casa do paço, na Praça 8 de Maio –e não é um problema recente, sempre foi assim- é a passo de caracol. É como se, quem decide, tenha de pensar uma vez, outra e mais outra. E quando está mesmo já decidido a decidir, tenha de voltar atrás e, em solilóquio, interrogar-se: “ será que estou certo?”
E nestes interlúdios de estados de alma a Baixa, através de várias iniciativas, com a APBC à frente, como se mareasse num oceano tempestuoso, tenta equilibrar-se a todo o custo para não sucumbir a estas ondas alterosas que a querem fazer submergir.



1 comentário:

www.anildo-motta.com disse...

Sinto saudades dessa terrinha, dos amigos, das vielas e becos decorado com as suas famosas "tascas", do vinho, das esplanadas, do arroz de pato, do bacalhau a brás, das voltas de bicicletas pelo chopal, das estradas em direção ao Algarve em cima da minha Kawasaki, e fico realmente triste em ver esse país nessa situação. Enquanto isso escondo-me nas sombras dos coqueiros aqui no Brasil bebendo uma água de coco com o calor assolando as praias e lembrando-me de Portugal. Para o ano vou ai sofrer com vocês! Um abraço a todos.
Anildo Motta