sábado, 27 de dezembro de 2008

UM CHUMBO NA ORTODOXIA LABORAL



Em Portugal, habituámo-nos a aceitar as decisões institucionais como dogmas inquestionáveis, axiomas, verdades sem contestação. E se estas instituições estiverem erradas? E se a sua composição estiver viciada ideologicamente, poderão as suas deliberações serem isentas na procura do bem comum?
Podemos interrogar, em tempo de crise de valores e princípios, porque há-de a doutrina ideológica, assente numa cúpula, defender, petrificada e acerrimamente, os paradigmas sociais que, paradoxalmente, nada têm a ver com os dias que vivemos, e comportar-se como um elefante numa loja de porcelanas?
Como certamente já viram estou a escrever sobre o recente chumbo do Tribunal Constitucional sobre o alargamento do período experimental para a generalidade dos trabalhadores de 90 para 180 dias.
Metaforicamente, e, sem ofensa, perdoem-me os visados, o estúpido exemplo a que vou recorrer: faz-me lembrar as Testemunhas de Jeová deixarem morrer um seu membro porque, por princípio, são contra as transfusões de sangue. A sociedade se, por um lado, não deve perder de vista os seus valores e princípios –eles serão os fios condutores da nossa fundamentação e orientação na nossa forma de agir- por outro, se não tivermos em conta a dinâmica da vida, considerando-os eternamente estáticos e petrificados além-tempo, tornando-nos escravos deles, passamos a ser marionetas dessa mesma doutrina ou de quem a apregoar. Os valores e princípios –não são a mesma coisa: por analogia, os “valores” serão os vasos sanguíneos, e os “princípios” serão as artérias principais no corpo humano- deverão ser como a cultura, vão mudando conforme o tempo vai passando, embora, diga-se, a propósito, que os princípios são mais arreigados à comunidade e, por isso mesmo, mais difíceis de mudar.
Voltando ao veto do Tribunal Constitucional, a larga ovação de toda a classe política, ainda que de forma hipócrita, sobretudo o partido da oposição (o PSD), de todos os sindicatos, e ainda da maioria das associações patronais, exceptuando a CIP, Confederação da Indústria Portuguesa, todos bateram palmas à medida daquele órgão de soberania.
O que será melhor para o país, será continuar a manter pessoas sem trabalho, sem nada ganharem, ou, pelo contrário, mesmo a título precário, durante seis meses, terem ocupação? Porque será que se tem tanto medo do trabalho flexibilizado? Será porque se a lei se tornar mais dinâmica e extensível à “praxis”, o que passa a contar é a dedicação e o esforço que cada um desenvolve em prol da empresa onde labora?
O que acho estranho é todas as correntes partidárias centro-direita estarem de acordo de que a nossa legislação laboral é estática e antiquada e condutora de mais desemprego pelo elevado proteccionismo, porquanto essa mesma protecção concorre para o desinteresse, o abstencionismo e a falta de produtividade do empregado, e, perante este chumbo do Tribunal Constitucional todos mostrarem um sorriso de hiena.
O grave é a falta de visão, de uns, que exercendo clausulas-barreiras, condicionam o futuro de uma sociedade, sem ter em conta que vivemos no século XXI, um tempo pragmático, que não se contenta com orientações do passado, e de outros, que, sabendo que só defendendo o indefensável, através da manipulação colectiva, continuarão a existir.

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