sábado, 13 de dezembro de 2008

OS COMERCIANTES E A ACI(R)C(O)





Como se sabe, e hoje os jornais diários da cidade noticiaram, a ACIC, Associação Comercial e Industrial de Coimbra, realizou ontem no pavilhão da Relvinha um grande jantar de gala pelos seus 145 anos de existência, que, segundo o Diário de Coimbra (DC), “foi o culminar de uma série de iniciativas levadas a cabo ao longo do ano”, com uma homenagem a várias empresas com mais de 25, 50 e 100 anos e, a título póstumo, a Adolfo Roque, empresário, recentemente falecido, que foi o presidente da Mesa da Assembleia-geral daquela associação durante quatro mandatos, de 1995 a 2007.
Confesso, tenho alguma dificuldade em analisar este jantar à luz do que aparentemente parece transparecer. Ou seja, olhando as duas fotos do DC, em que numa se vêem várias dezenas de empresários no repasto, que parece fazer crer que para os comerciantes e industriais presentes tudo está bem nas relações interactivas com a sua associação representativa de classe.
Como declaração de interesses tenho de confessar a minha “pedra no sapato” contra a política sectorial comercial seguida pelos actuais membros directores da ACIC. Durante quase cinco anos (1998-2003) fiz parte do mesmo grupo, tornámo-nos amigos pela luta na defesa intrínseca do comércio de rua. Hoje, depois de me ter desvinculado de associado, em discordância pela (não) tomada de posição perante o poder político local, em face da crise que os comerciantes vivem, sinceramente, não sei se ainda o sou. Aposto que não. Quase garanto que sou considerado pessoa “não grata”. Embora esta designação, ou ser amigo ou não ser, pouco me preocupe, a verdade é que, a ser assim, até os entendo bem. Eu escrevo frontalmente o que a maioria pensa mas não diz, ou se o disser é em surdina e apenas perante uma pessoa, não várias, que é para não haver testemunhas.
Com franqueza, gostava de embarcar no “politicamente correcto”, como a maioria faz. É o mais fácil, não se arranjam dissensos, não se provocam inimigos, e, como se é um “gajo porreiro”, têm-se sempre amigos em todo o lado. Mas eu não sou assim. Sou um instigador assumido. O que, consequentemente, para além de me provocar permanentes dissabores, me provoca conflitos interiores é que tenho a consciência de que, exceptuando a frontalidade, nem sou muito melhor do que aqueles que critico, enfermo das mesmas fragilidades humanas e, com essa acutilância, pouco mudo ou nada. E a ser assim, naturalmente, questiono-me, muitas vezes, se vale alguma coisa dizer o que se pensa.
Passando esta ressalva, não posso deixar de estranhar (ou talvez não) que um repasto e uma homenagem a umas tantas quantas empresas sirva para calar a pouca interveniência política no tecido comercial do distrito de Coimbra. Todos sabemos que é assim, mas nunca é demais relembrar que para se calar um descontentamento nada melhor do que pão e circo.
É importante homenagear e saber que existem três empresas com mais de um século em Coimbra; é bom saber que há 13 empresas no distrito com mais de 50 anos; dá algum ânimo saber que, perante a hecatombe comercial e industrial, há 35 empresas com mais de 25 anos que vão resistindo em Coimbra e cercanias.
Mas, para mim, considero mais importante que uma associação empresarial saiba quantas empresas encerraram portas há um ano para cá; saiba as que estão em vias de encerrar e, neste caso, estas firmas tenham um acompanhamento de ajuda; saiba as empresas que, nos últimos anos, foram assaltadas e, perante esta violência, saiba reivindicar medidas de segurança; saiba quantos funcionários perdeu o comércio tradicional depois da abertura das grandes superfícies; saiba aconselhar condignamente os seus associados na opção de investimento no ModCom (incentivos à modernização do comércio), quando, tendo em conta o momento que se vive, todas as associações nacionais sabem que a pseudo-modernização das lojas apenas as conduz ao endividamento. O comércio de rua não está em crise de desaparecimento pela falta de modernização das lojas –isso é uma panaceia-, está em dificuldades porque, por um lado, na sua dinâmica, o conceito de compra de um novo consumidor emergente, mais económico, mais esclarecido, mais comodista e exigente, aliado a novos costumes, mudaram, e, por outro, fruto de políticas suicidas de arrendamento e planeamento harmonioso das cidades, levaram os seus centros a este estado calamitoso de desertificação. Os cascos das cidades têm um diminuto movimento de pessoas. O pouco que vai havendo é feito, num fluxo intermodal, pelos trabalhadores que exercem a sua actividade nestas zonas. Continua-se a verificar, sem qualquer sensibilidade por parte dos poderes autárquicos, a deslocalização de serviços para a periferia e que deveriam permanecer nestas zonas para fazer a confluência de pessoas.
Continuando a salientar a pouca reivindicação das associações na defesa do comércio tradicional, o que se vêm assistindo nos últimos anos é que estas pessoas colectivas sem fim lucrativo estão transformadas em “firmas” de festas de rua. São “noites-brancas”, são palhaços, Pais-Natal e outros investimentos vultuosos de duvidosa rentabilidade. Erradamente, acham que a solução para fazer retornar as pessoas é através de alegorias localizadas. Depois, e mais grave, é que os subsídios a programas que deveriam ser canalizados directamente para a ajuda aos comerciantes vão para estas iniciativas e para custos com pessoal, que, toda a gente sabe, duma maneira geral, com ordenados vultuosos e de pouca rentabilidade laboral. Chega a haver na mesma associação dois advogados, estando um a desempenhar funções não compatíveis com a sua formação.
Hoje, as associações, como é o caso da ACIC, vive (ou sobrevive) da luz que sua aura de antiguidade espalha em redor. Por analogia comparo-a com a Universidade de Coimbra e nomeadamente a sua Faculdade de Direito. Institucionalmente a proclamação dos seus nomes têm um peso enorme na cidade, mas, na prática, todos reconhecem que estão fora do contexto da modernidade e desadaptadas dos novos confrontos necessários aos tempos modernos. Mas como, na hora do convívio e da homenagem todos comparecem e ninguém tem coragem de lhes dizer que o rei vai nu, continuam a pensar que são os maiores, quando, todos sabem que a nível nacional, hoje, têm o mesmo peso e a mesma projecção de uma qualquer instituição pública da província.
São organizações pesadas no seu funcionamento e com pouca capacidade de adaptação aos tempos correntes. São instituições que vivem de dentro para dentro de si mesmas.

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