quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

BAIXA DE COIMBRA: UM ENCONTRO NA CATEDRAL DO VELHO JUVENAL

 

(Imagem de arquivo)




O velho salão Brazil, como sardinha em lata, com as pessoas sentadas encostadinhas umas às outras, estava com a sala cheiinha. Não se sabia se a “colagem” era para aguentar o frio dos presentes se, porventura, era para, dando uma ideia de união com força, meter medo ao vírus de que tanto se fala – seria bom questionar de que que germe patogénico falamos, porque na boca dos que ali se apresentavam iram ser compaginadas várias estirpes.

O circo mediático estava montado com cerca de seis dezenas de espectadores ansiosos para ouvir e ver a habilidade do novo “contorcionista” entrado há pouco, sobretudo na nobre arte do convencimento. Entre eles, vários seguidores a comporem o séquito.

Como se fosse uma igreja, a mesa do altar era composta por um padre, um diácono (moderador) e uma abadessa.

Sem nada que o fizesse prever, a abadessa, unilateralmente, ditou o alinhamento da homilia. Ali só se poderia falar de quatro ou cinco itens – que para serem validados, deveriam ter sido comunicados previamente aos crentes. Mas não foram.

E deu-se início ao sermão ao contrário. Aliás parecia estar tudo no inverso. Quando deveria ser o senhor padre a abrir a missa, no sentido de pôr tudo à vontade, é a abadessa que o faz. E abre-se a troca de ideias: que, para além dos temas propostos, deveriam ser “proactivos, com soluções, e ocupar dois minutos, apenas, para não ocupar muito tempo”, disse a mestra da ordenação.

A plateia, ansiosa por debitar “sound bytes”, pouco se importou que o diálogo estivesse a ser formatado, com pouca liberdade e a tocar a manipulação. Os presentes queriam era falar. Por isso mesmo, quase que se atropelavam para tomar a palavra. Durante cerca de duas horas e trinta minutos, houve assistentes que falaram três e quatro vezes, mas sempre com a mesma ladainha. Chegou a afirmar-se ali que a polícia não era precisa para nada na catedral. Eram precisas mas é pessoas!

Um velhote, de cabelos prateados e pouco amigo do politicamente correcto, atirou: “então não se pode questionar o senhor presidente? Eu tenho uma questão. Era sobre o tão prometido e badalado “Plano Marshall para a Baixa”.

Os mais velhos, já com o traseiro calejado de outros encontros iguais ao longo dos últimos vinte anos, olhavam para aquilo, para tanto falar sem dizer nada, e franziam o sobrolho de surpresa. Os rostos fechados até pareciam dilatar fluídos de desencanto e desilusão.

A cada intervenção, a Abadessa respondia – por vezes interrompendo o arguente.

Alguns, talvez os cépticos, com ar interrogativo, olhavam para o senhor padre e pareciam dizer: “mas não é ele que é a estrela brilhante deste encontro? Por que não fala?

Mas o senhor prior, alheio ao que se passava na sua mesa, tomava notas com frenesim. Pouco lhe importava que o diácono moderador não moderasse nada e fosse ali um elemento de adorno. E que a abadessa ora mandasse calar os mais incómodos, ora deixasse prosseguir, durante mais de dez minutos, os mais importantes. A sua hora haveria de chegar.

Entre o grupo de “católicos, não crentes”, muitos se calaram. Não fosse a sua intervenção melindrar e ser tomada como agressão pelo senhor prior, ainda na graça de Deus.


E FALOU O SENHOR ABADE


E chegou o tão ansiado momento: ia intervir a estrela da noite, a personificação de Dom Sebastião, rei de um universo que virá um dia, tão ansioso, tão esperançado… mas pouco crente, repete-se.

E até à exaustão, durante várias vezes, repetiu: “queremos que… Queremos que…

E prosseguia: “está tudo ligado…

Mas não respondeu com objectividade à questão colocada sobre o “Plano Marshall” para a Baixa.

No final da apresentação desta peça cénica já antiga – tão antiga que dizem ter mais de cem anos –, pareceu haver no rosto de muitos um elevado grau de insatisfação. O orador não convenceu.

Duvido que na próxima reunião, se houver, esteja metade da lotação de hoje.

Mas, à saída, alguém proclamou: “a ver vamos, como diz o cego!

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