terça-feira, 31 de outubro de 2023

VELHOS COSTUMES CAÍDOS EM DESUSO: BOLINHOS E BOLINHÓS





Tal como relembra o meu amigo Jorge Oliveira, até mais ou menos duas décadas, mais propriamente nas áreas com maiores manchas de pobreza, como, por exemplo, a zona da Alta, a da Baixa e outros bairros periféricos em torno da cidade, era hábito em Coimbra nesta altura dos Santos os miúdos, isoladamente ou em grupo, acompanhados de uma caixa de sapatos ou com uma abóbora, ambas, recortadas com uma carantonha e com uma vela acesa dentro, tocarem insistentemente às campainhas das portas a solicitarem uma moeda ou uma guloseima aos moradores. Também conhecido por “Pão-por-Deus”, é um ritual antigo baseado no uso de oferecer vinho e bens alimentares aos defuntos.

Dividido entre o hilariante e a encarar esta prática de antanho como uma praxe séria e a respeitar, era um espectáculo cénico de luz e cor pela espevitada lenga-lenga infantil que a troco de um “tostãozinho”, de um pão, de um fruto nos enchia a alma de calor humano, sobretudo, numa quadra sombria e tristonha como é a véspera do “Dia de Todos os Santos”, ou “Dia de Finados”, ou “Dia dos Fiéis Defuntos”.

Seja por a pobreza subitamente ter passado a ser um estigma mais humilhante e acentuando uma diferenciação indesejada, um cancro, mais notado numa sociedade formatada nos usos e costumes e englobada numa Europa aparentemente ricaça, fosse pela “importação” da moda “Halloween”, provinda dos “Staites”, destinada aos adultos e fortemente impulsionada por uma indústria interesseira que não se compadece com manifestações de ternura, que marcaram vidas num tempo que era lento no passar, a verdade é que a tradição dos “Bolinhos e Bolinhós” foi-se perdendo nos anéis da recordação. Hoje, também devido à falta de cobertura pelas televisões e jornais e desinteresse pelas tradições populares, esta prática em Portugal é quase inexistente.

Versos mais usuais:


BOLINHOS E BOLINHÓS

Para mim e para vós,

Para dar aos finados

Que estão mortos e enterrados

À bela, bela cruz

Truz, Truz!


A senhora que está lá dentro

Sentada num banquinho

Faz favor de s'alevantar

Para vir dar um tostãozinho


(Se comparticipam)


Esta casa cheira a broa,

Aqui mora gente boa.

Esta casa cheira a vinho,

Aqui mora um santinho.


(Se não abrem a porta)


Esta casa cheira a alho

Aqui mora um espantalho.

Esta casa cheira a unto

Aqui mora algum defunto



COINCIDÊNCIAS:


Estava eu na minha lucubração (meditação intensa) para escrever esta crónica, eis senão que toca a campainha: “Terrin, terrin, terrin, terrin”…

Fui à porta e deparei-me com duas senhoras, moradoras na aldeia, em Barrô, uma delas ostentando ao peito a caraterística lata da Liga contra o Cancro e um autocolante pronto a ser colado na lapela dos generosos.

Depois de ter contribuído pensei com os meus botões que há coisas do “arco da velha”. Rei morto, Rei posto… Só faltou mesmo a lenga-lenga de substituição:


Bolinhos e Bolinhós,

para a Liga e para Vós,

que hoje estais com saúde,

mas não está a sua avó,

que partiu para a eternidade,

contrariada, doente e tão só,

hoje repousa na tumba,

no descanso do faraó,

à espera de uma flor,

até se transformar em pó,

Dai-nos uma moedinha,

para os doentes, tenhai dó,

não vá a doença marcar-vos

e chegar no Natal, de trenó,

e vossemecê arrependido,

de não ter dado uma moeda,

agora tão combalido,

dava tudo para evitar a queda.


CRÓNICA RELACCIONADA

"A MORTE... NA NOSSA VIDA"

"O DIA DE FINADOS QUE MORREU" (2014)




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